Imagine-se na seguinte situação: você é gestor numa empresa de engenharia e tem no seu time uma pessoa de enorme potencial, que você acredita será seu sucessor. Afinal, você quer ser promovido e obviamente quer ter uma pessoa que possa pegar o seu lugar para que essa transição seja melhor. Você percebe que em seu escopo atual, esse colaborador desempenha suas tarefas sem esforço, de forma tranquila, garantindo o melhor resultado, mas que só tem uma área onde ele deve melhorar: a área analítica. Pensando no plano de desenvolvimento dele, você tem que escolher entre um dos seguintes cenários:
1) Você não toca em nada do escopo dele, para evitar que ele perca qualquer pingo de produtividade ou resultado para você e o seu time. Afinal, seu interesse é no plano de sucessão, mas também não pode fazer o resultado cair.
2) Você coloca mais carga de trabalho para ele, e contrata um estagiário que possa montar os relatórios, fazendo com que ele obtenha mais resultado fazendo o que sabe fazer melhor.
3) Você o desafia a evoluir na área analítica pagando um curso de ciência de dados para ele, e também o desafia a alocar 20% do seu tempo para focar em melhorar seus relatórios e analises de resultados. Afinal, o força a encarar o que o deixa desconfortável, mesmo que nisso ele não seja tão produtivo como antes.
Qual você escolhe?
Mesmo que não tenha resposta certa nem errada, eu acredito que opção 3 é a correta, porque as outras duas são alternativas que o deixam em sua zona de conforto, enquanto só a terceira o coloca na “zona de desconforto”, onde as pessoas mais evoluem e crescem. Sim, esse é o maior ambiente de aprendizado que existe, e para explicar como isso funciona, eu gostaria que você pensasse agora em algo que te dá muito prazer.
Pode ser o que for: sua comida preferida, chocolate, uma massagem, e assim por diante. Mas vamos pegar o exemplo do chocolate. Imagine pegar um pedaço do seu chocolate preferido e colocá-lo agora na sua boca. Quero que pense no prazer que isso te dá. Muito, não é? Pegue mais um pedaço e saboreie novamente. Depois, mais um, e assim por diante. Agora te pergunto: quando você chegar no quinto ou no sexto, você tem a mesma sensação de prazer que você teve no primeiro pedaço? Certamente não. Você deve estar sentindo náusea, e de forma geral, já perdeu a sensação de prazer.
A verdade é que assim como o prazer pode se perder e rapidamente se transformar em dor, a dor também pode se transformar em prazer.
As vantagens do desconforto que nasce da dor
Como assim? Deixe eu explicar melhor: recentemente assisti a um Ted Talk muito inspirador, “Why we need pain to feel happiness” (“Por que precisamos da dor para sentir a felicidade”) do Brock Bastian, um psicólogo social australiano e professor na Universidade de Melbourne. Na palestra, ele apresenta o chamado de “runner’s high”, ou seja, aquela sensação de euforia após uma corrida particularmente intensa.
Corredores sabem do que estou falando. Isso é porque ao puxar nosso corpo na direção da dor, somos literalmente capazes de aumentar nossa experiência de prazer na vida. No entanto, se buscarmos prazer sem fim, ele rapidamente se transforma em dor.
Em uma pesquisa acadêmica citada pelo Brock, um grupo de pesquisadores perguntou às pessoas sobre seus níveis de felicidade e bem-estar na vida, e eles acharam um mesmo padrão onde as pessoas, com uma quantidade moderada de adversidades ao longo da vida, se declararam as mais felizes e que tiveram níveis mais altos de bem-estar. Parece que um pouco de dor pode realmente construir resiliência, e nos fazer sentir mais felicidade.
Ao mesmo tempo, a dor tem outros efeitos positivos, como aumentar nossa presença na vida. Imagine fazer um sanduíche e, ao fazê-lo, você corta seu dedo. Agora, o que você faz? Você continua fazendo o sanduíche ou cuida do dedo? Claro que você cuida do seu dedo. Essa é a função da dor: interrompe tudo o que estamos pensando, sentindo e fazendo, e nos faz focar no que está acontecendo aqui e agora.
Também a dor também pode criar significado, e pode dar às coisas um senso de propósito. Você preferiria correr uma maratona normal ou correr uma maratona que não dê dor nem cansaço (obviamente isso não existe). Tenho certeza que vai querer a primeira, pois a segunda seria tão fácil quanto sentar em casa no sofá assistindo televisão… então, qual o propósito dela? Nenhum.
Fundamentalmente precisamos do desconforto que a dor gera para nos mexermos. Mas o engraçado é que existe um circulo vicioso pelo qual, por causa do medo da dor do fracasso, nós nem tentamos alcançar nossos objetivos, e por isso nunca começamos e não saímos da zona de conforto. O David Goggins, ex-Navy SEAL americano que se tornou um escritor best-seller, tem uma frase incrível que diz: “Eu pensei que tomando o caminho de menor resistência teria resolvido um problema, quando na verdade eu estava criando novos problemas”. Pois uma coisa é certa: na zona de conforto nada transformador acontece! Precisamos de um pouco de frição, um pouco de incerteza, de caos, de medo, e até de dor: é só neste ambiente que crescemos, evoluímos, e nos transformamos.
Como aplicar no mundo dos negócios?
David Taylor, CEO da P&G, diz sempre: “Se eu estou confortável, então sou parte do problema”. Em um artigo incrível publicado no Linkedin, Taylor atribui seu sucesso à sua disposição de assumir riscos e abraçar situações desconfortáveis. Em, “A coragem de estar desconfortável”, ele encoraja todos a abraçar a incerteza e reforça que ao seu ver, o trabalho que nos deixa nervosos é a chave para o nosso crescimento contínuo. Ele também mandou um recado — não deixe que você fique muito confortável. Uma frase que me chamou a atenção foi:
“Quando estamos confortáveis, começamos a ficar relaxados. Aceitamos as coisas como estão e não nos sentimos motivados a mudar. Eu chegaria ao ponto de argumentar que, se você não está um pouco desconfortável, você provavelmente não está sendo desafiado o suficiente … Para dar o nosso melhor, cada um de nós precisa se desafiar sempre que começar a se sentir confortável”.
Como fazer isso? Saindo da zona de conforto no trabalho. Elizabeth Lombardo, psicóloga e autora de “Better Than Perfect”, diz que pessoas que buscam regularmente novas experiências tendem a ser mais criativas e emocionalmente resilientes do que aquelas que permanecem presas à rotina. O segredo do sucesso está exatamente naquilo que você está evitando, seja um projeto difícil, seja uma mudança de carreira, seja uma conversa desafiadora com seu gestor ou um membro do seu time.
Então a minha mensagem é: procure um pouco de desconforto. Pare de evitar o que é difícil. Quando você é desafiado, é forçado a se tornar mais do que você já é. Isso significa criar novas perspectivas, adquirir novas habilidades e ultrapassar limites. Sair de sua zona de conforto de vez em quando desafia suas habilidades mentais.
Pessoas mentalmente ativas estão constantemente construindo densas redes de conexões entre suas células cerebrais, o que os cientistas chamam de “reserva cognitiva” — e continuar a aprender coisas novas constrói e mantém essas conexões. Tarefas mentalmente desafiadoras têm o maior impacto na saúde do seu cérebro, e é por isso que para evoluir como profissional e como pessoa, você precisa estar aberto a novas experiências que te façam ver o mundo de forma diferente.
Este artigo foi produzido por Andrea Iorio, autor Best-Selling, palestrante, escritor sobre Transformação Digital, professor de MBA e colunista da MIT Technology Review Brasil.