O convívio com cães resgata a empatia ancestral que nos tornou humanos
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O convívio com cães resgata a empatia ancestral que nos tornou humanos

A relação entre homens e cães moldou a história evolutiva das duas espécies, motivou novas descobertas da ciência e foi crucial para que milhões de famílias atravessassem um período de adversidades durante a pandemia. A ciência mostra que a convivência com esses animais nos torna mais humanos.

Desde o início da pandemia de COVID-19 a quantidade de adoções de animais domésticos cresceu em todo o mundo. Em diversas regiões do Brasil, o número de gatos e cães adotados em 8 meses de pandemia foi maior que o dobro de todas as adoções do ano anterior.

A companhia dos pets induz a liberação de neurotransmissores como oxitocina, dopamina, endorfina, norepinefrina, além de reduzir os níveis de cortisol. De acordo com um estudo sueco, há diminuição de 21% no risco de morte entre cardiopatas que interagem com seus cães. A atividade física, o entretenimento e a distração associados a esse convívio podem explicar parte dos benefícios observados.

Uma pesquisa realizada no Japão concluiu que após interação e contato físico positivo, a oxitocina é produzida no hipotálamo tanto de humanos quanto de cães. Acariciar um cão ajuda a reduzir os sintomas de ansiedade e depressão e há também impacto sobre o nosso sistema imunológico. Cientistas norte-americanos demonstraram que afagá-los aumenta os níveis de imunoglobulina A, um anticorpo que ajuda a proteger o organismo humano contra infecções.

A relação entre homens e cães foi forjada entre 20 e 40 mil anos atrás, quando alguns lobos que toleravam os humanos passaram a rondar os acampamentos de nossos antepassados caçadores-coletores em busca de sobras de comida. Desde então a evolução dos ancestrais humanos e caninos se misturou para sempre.

Um time internacional com pesquisadores de mais de 15 países demonstrou que a diversificação em pelo menos cinco linhagens de ancestrais caninos ocorreu há 11 mil anos, e acompanhou a dinâmica das migrações humanas pelo planeta Terra. Os cães também se movimentaram entre grupos humanos e foram repassados em trocas comerciais.

A domesticação canina pode ser evidenciada em um experimento simples com um recipiente plástico fechado cheio de salsichas. Lobos abrem os recipientes com facilidade, enquanto cães não se saem tão bem. Ao invés de tentarem abrir as caixas, preferem olhar fixamente para os humanos em busca de ajuda.

Essa mudança comportamental parece ser consequência de mutações em 3 genes, conhecidos pelos acrônimos complicados WBSCR17, GTF2IRD1 e GTF2I. São variantes genéticas associadas a traços comportamentais marcantes de hipersocialização. Em outras palavras, a vontade de “fazer amigos” foi uma característica selecionada nos ancestrais lobos que deram origem aos cães.

Um desses genes, GTF2I, regula a atividade do neurotransmissor oxitocina tanto em cães quanto em humanos. A oxitocina teve papel crucial na evolução do cérebro humano, no desenvolvimento de nossa sociabilidade, da sensibilidade e sintonia necessárias para os cuidados com os filhos, relacionamentos conjugais e amizade. A oxitocina pode criar uma sensação emocional de segurança, saúde física e emocional.

Não é à toa que esse neurotransmissor tem papel central nas interações entre as duas espécies, especialmente quando há contato visual. A domesticação canina envolveu a incorporação de alguns traços cognitivos e sociais de humanos, incluindo o comportamento de “olhar”, o que facilita o engajamento social e a tendência de se aproximar de estranhos.

Curiosamente, a deleção dos genes GTF2I e GTF2IRD1 é também característica da síndrome de Williams-Beuren, um distúrbio do desenvolvimento que acomete 1 em cada 10.000-25.000 pessoas, caracterizado por dificuldades cognitivas e a tendência a “amar a todos”.

Em virtude dessa nossa relação química de empatia e afeto com os cães, não foi difícil para George Church, cientista e empreendedor de Harvard, captar recursos e criar a startup Rejuvenate Bio. Seu objetivo é desenvolver terapias gênicas para tratar doenças do envelhecimento que acometem nossos melhores amigos.

No final do ano passado, a equipe de Church demonstrou a eficácia da tecnologia em camundongos. As novas técnicas de terapia gênica reverteram o ganho de peso em animais obesos, estabilizaram os níveis glicêmicos em animais com diabetes tipo 2 e recuperaram a função cardíaca daqueles com insuficiência cardíaca.

Em 2020, a empresa anunciou o licenciamento de seu primeiro produto para o tratamento da endocardiose da valva mitral em cães. Trata-se de um coquetel de adenovírus com esses genes ligados à longevidade.

A convivência entre homens e cães moldou a história evolutiva das duas espécies, motivou novas descobertas da ciência e, durante a pandemia, ajudou milhões de famílias brasileiras a manter a esperança e a empatia original de nossos ancestrais, tão importantes para lidar com as adversidades.

Que o retorno de Major e Champ, os pastores alemães de Joe Biden, aos jardins da Casa Branca após 4 anos seja o prenúncio de boas novas. Cães geram empatia nas pessoas. Precisaremos de líderes empáticos e com bastante oxitocina em seus cérebros para lidar com a pandemia, o racismo, a desigualdade e todos os demais desafios do futuro com risco de se tornar distópico.

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