Seja baseado em crenças alucinatórias ou não, uma corrida do ouro do setor de Inteligência Artificial (IA) começou nos últimos meses para explorar as possíveis oportunidades de negócios baseadas em modelos de IA generativa como o ChatGPT. Desenvolvedores de aplicativos, startups com financiamento de capital de risco e algumas das maiores corporações mundiais estão empenhados para dar um sentido e achar um uso para o impressionante chatbot gerador de texto lançado pela OpenAI em novembro de 2022.
É como se pudéssemos ouvir os gritos em escritórios ao redor do mundo: “Qual é o nosso plano para o ChatGPT? Como podemos lucrar com isso?”
Mas, enquanto as empresas e executivos veem uma clara chance de ganhar dinheiro com o chatbot, o provável impacto da tecnologia na vida dos trabalhadores e na economia é muito menos óbvio. Apesar de suas limitações (a principal delas é a tendência de inventar coisas), o ChatGPT e outros modelos de IA generativa lançados recentemente prometem automatizar diversas tarefas que antes eram consideradas exclusivas do domínio da criatividade e do raciocínio humano, desde a escrita até a criação de gráficos, resumir e analisar dados. Isso deixou os economistas incertos sobre como os empregos e a produtividade de forma geral poderiam ser afetados.
Apesar de todos os avanços incríveis no campo da IA e de outras ferramentas digitais na última década, o histórico dessas inovações no que diz respeito a melhora da prosperidade e estímulo ao crescimento econômico generalizado é desanimador. Embora alguns investidores e empreendedores tenham enriquecido bastante, a maioria das pessoas não se beneficiou com essas mudanças. Alguns até mesmo perderam seus empregos graças à automatização.
Desde aproximadamente 2005, o progresso da produtividade, que é como os países se tornam mais ricos e prósperos, tem sido deprimente nos EUA e na maioria dos países com economias mais desenvolvidas (o Reino Unido é um caso particularmente preocupante). O fato de a situação econômica não estar crescendo muito tem levado à estagnação salarial de muitas pessoas.
O crescimento que houve naquela época está em grande parte restrito a alguns setores, como serviços de informações. Nos Estados Unidos, ele é praticamente exclusivo de algumas cidades, como em San Jose, San Francisco, Seattle e Boston.
Será que o ChatGPT vai tornar ainda pior a, já alarmante, desigualdade social econômica presente nos EUA e em muitos outros países? Ou ele pode ajudar nessa questão? Ele poderia, de fato, servir como um impulso extremamente necessário à produtividade?
O ChatGPT, com suas habilidades de escrita semelhantes às humanas, e o DALL-E 2, o outro lançamento recente da OpenAI voltado para a geração de imagens sob demanda, usam grandes modelos de linguagem treinados a partir de imensas quantidades de dados. O mesmo vale para sistemas que competem com eles no mercado, como Claude, da Anthropic, e Bard, do Google. Esses chamados foundation models, como o GPT-3.5 da OpenAI, no qual o ChatGPT se baseia, ou o modelo de linguagem LaMDA, que sustenta o sistema Bard, do concorrente Google, evoluíram rapidamente nos últimos anos.
Eles continuam ficando cada vez mais poderosos por serem treinados com cada vez mais dados, e o número de parâmetros (as variáveis ajustáveis presentes nos modelos) está aumentando drasticamente. No início de março, a OpenAI lançou sua versão mais recente do seu modelo de linguagem, o GPT-4. Embora a OpenAI não diga exatamente o tamanho que ele alcançou em relação ao anterior, podemos tentar adivinhar. Afinal, o GPT-3, com cerca de 175 bilhões de parâmetros, era cerca de 100 vezes maior que o GPT-2.
Mas foi o lançamento do ChatGPT, no final do ano passado, que mudou todo o panorama para muitos usuários. É uma plataforma incrivelmente fácil de usar e sua capacidade de criar rapidamente um texto semelhante ao que um ser humano faria, incluindo receitas, planos de treino e, talvez o mais surpreendente, código de programação, é algo muito atrativo e envolvente. Para muitas pessoas que não são especialistas na área, incluindo um número crescente de empreendedores e empresários, o amigável modelo de bate-papo é uma evidência clara de que a revolução da IA tem um potencial real. Um dos motivos para esta maior aderência de pessoas sem conhecimentos especializados é pelo modelo ser menos abstrato e mais prático do que os avanços dos últimos anos que são impressionantes, mas muitas vezes complexos, desenvolvidos no meio acadêmico e em algumas empresas que geram tecnologia de ponta.
Os capitalistas de risco e outros investidores estão financiando empresas voltadas para o mercado de IA generativa com bilhões de dólares, e a lista de aplicativos e serviços impulsionados por grandes modelos de linguagem está crescendo a cada dia que passa.
Será que o ChatGPT vai tornar ainda pior a, já alarmante, desigualdade social econômica presente nos EUA e em muitos outros países? Ou ele pode ajudar nessa questão?
Entre os grandes apostadores nesse mercado, está a Microsoft que investiu US$ 10 bilhões na OpenAI e no ChatGPT, esperando que a tecnologia traga tanto nova vida para sua ferramenta de busca, o Bing (que sofre com a concorrência do mercado há muito tempo), quanto novos recursos para seus produtos do pacote Office. No início de março, a Salesforce disse que lançará um aplicativo que usa a tecnologia do ChatGPT dentro de seu programa de mensagens, o Slack; ao mesmo tempo, ela anunciou um fundo de US$ 250 milhões para investir em startups de IA generativa. A lista de empresas que planejam adotar a tecnologia continu passando ainda pela Coca-Cola e pela GM. Todos estão apostando no ChatGPT.
Além disso, o Google anunciou que vai usar suas novas ferramentas de IA generativa no Gmail, Google Docs e alguns de seus outros produtos amplamente utilizados.
No entanto, ainda não existem aplicativos notoriamente revolucionários. E, enquanto as empresas buscam maneiras de usar esta tecnologia, os economistas dizem que esta é uma rara oportunidade para repensarmos como obter a maior quantidade de benefícios dessa nova geração de IA.
“Estamos falando sobre este assunto neste momento porque todos estão conseguindo interagir com essa tecnologia. Agora todos podem brincar com o ChatGPT sem precisar de nenhum conhecimento de programação. E isso abre brecha para que muitas pessoas comecem a imaginar como isso vai afetar seus fluxos de trabalho e suas perspectivas de emprego”, diz Katya Klinova, diretora de pesquisa sobre IA, trabalho e economia da Partnership on AI em São Francisco (EUA).
“A questão é quem vai se beneficiar com isso? E quem vai ser deixado para trás?” diz Klinova, que está produzindo um relatório que descreve os possíveis impactos da IA generativa no mercado de trabalho e fornece recomendações para usá-la para aumentar a prosperidade da população.
A visão otimista: essa nova tecnologia provará ser uma ferramenta poderosa para muitos trabalhadores, melhorando suas capacidades e conhecimentos, ao mesmo tempo em que impulsiona a economia. Já a pessimista: as empresas simplesmente a usará para destruir o que antes pareciam empregos à prova de automação, aqueles que eram bem remunerados e que exigiam habilidades criativas e raciocínio lógico. Algumas empresas líderes tecnológicas ficarão ainda mais ricas, mas contribuirão pouco para o crescimento econômico geral.
Ajudando os menos capacitados
A questão do impacto do ChatGPT no mercado de trabalho não é apenas uma preocupação teórica.
Em uma análise feita recentemente, Tyna Eloundou, Sam Manning e Pamela Mishkin, da OpenAI, com Daniel Rock, da Universidade da Pensilvânia (EUA), descobriram que grandes modelos de linguagem, como o GPT, poderiam causar algum efeito em até 80% da força de trabalho dos EUA. Eles ainda estimaram que os modelos de IA, incluindo GPT-4 e outras ferramentas de software, teriam um sério impacto em 19% dos empregos, com pelo menos 50% das tarefas nesses trabalhos afetadas por mudanças extremas. Segundo os analistas, diferentemente do que vimos nas ondas anteriores de automação, os empregos de renda mais alta seriam os mais afetados. Além disso, eles identificaram que escritores, web designers e designers digitais, analistas quantitativos financeiros e, caso você esteja pensando em mudar de carreira, engenheiros de blockchain, seriam as profissões mais vulneráveis neste contexto.
“Não há dúvida de que [IA generativa] vai ser utilizada no mercado. Ela não é apenas uma novidade que será esquecida logo depois”, diz David Autor, economista do MIT especializado no setor trabalhista e um dos principais especialistas no impacto da tecnologia nos empregos. “Os escritórios de advocacia já estão usando essas tecnologias, e este é somente um dos exemplos. Isso proporciona uma oportunidade para automatizar uma variedade de tarefas”.
David Autor passou anos documentando como as tecnologias digitais avançadas acabaram com muitos empregos na indústria e atividades administrativas rotineiras que antes eram bem remuneradas. Mas ele diz que o ChatGPT e outros exemplos de IA generativa mudaram este cenário.
Anteriormente, a IA havia automatizado alguns trabalhos de escritório, mas eram tarefas mecânicas e repetitivas que podiam ser programadas para uma máquina fazer. Com os avanços de hoje, ela agora consegue executar tarefas que consideramos criativas, como escrever e produzir artes gráficas. De acordo com Autor, “é bastante evidente para qualquer pessoa que esteja acompanhando a evolução da IA generativa que ela possibilita a automação de muitos tipos de tarefas que considerávamos difíceis de passarem por esse processo”.
A IA generativa pode ajudar uma grande variedade de pessoas a adquirir as habilidades necessárias para competir com aqueles que têm melhor formação acadêmica e conhecimento técnico.
A preocupação não é se o ChatGPT levaria ao desemprego em massa (afinal, como aponta David Autor, há muitos empregos nos EUA), mas se as empresas substituiriam empregos administrativos com remuneração relativamente alta por essa nova forma de automação, fazendo com que esses trabalhadores migrassem para empregos com salários mais baixos, enquanto os poucos que têm maior capacidade de explorar a nova tecnologia obtêm todos os benefícios.
Nesse contexto, trabalhadores e empresas com conhecimento vasto sobre tecnologia podem rapidamente adotar as ferramentas de IA, tornando-se muito mais produtivos a ponto de dominarem seus locais de trabalho e setores da indústria. Já aqueles menos capacitados e com pouca perspicácia técnica seriam deixados ainda mais para trás.
Mas Autor também enxerga um desfecho mais favorável: A IA generativa pode ajudar uma grande variedade de pessoas a adquirir as habilidades necessárias para competir com aqueles que têm melhor formação acadêmica e conhecimento técnico.
Um dos primeiros estudos detalhados feitos sobre o impacto da produtividade causada pelo ChatGPT sugere que tal desfecho pode ser possível.
Dois alunos de pós-graduação em economia do MIT, Shakked Noy e Whitney Zhang, conduziram um experimento envolvendo centenas de profissionais com nível universitário trabalhando em áreas como marketing e RH e pediram que metade usasse o ChatGPT em suas tarefas diárias e os outros não. O ChatGPT aumentou a produtividade geral (até aí não foi surpresa), mas o resultado realmente interessante foi: a ferramenta de IA ajudou mais os trabalhadores menos qualificados e capacitados academicamente, diminuindo a diferença de desempenho entre os funcionários. Em outras palavras, os escritores com produção menos satisfatória tiveram resultados muito melhores, enquanto aqueles com melhores níveis de produção apenas ficaram um pouco mais rápidos.
As conclusões preliminares sugerem que o ChatGPT e outras IAs generativas poderiam “aperfeiçoar as habilidades” das pessoas que estão tendo problemas para encontrar empregos. Há muitos trabalhadores experientes “parados” após terem sido dispensados de escritórios e indústrias nas últimas décadas, diz Autor. Se a IA generativa puder ser usada como uma ferramenta prática para ampliar conhecimentos e fornecer a eles as habilidades especializadas necessárias em áreas como saúde ou educação, onde há muitos empregos, isso poderá revitalizar nossa força de trabalho.
Determinar qual desses cenários triunfaria atualmente vai exigir um esforço mais consciente para se pensar sobre como queremos explorar essa tecnologia.
“Acho que não devemos nos conformar com a ideia de que esta ferramenta está à solta pelo mundo e precisamos nos adaptar a ela. Por ela estar em um processo de desenvolvimento, pode ser utilizada e elaborada de diversas formas”, diz. É necessário ressaltar a importância de projetá-la para um propósito específico, que já exista”.
Simplificando, estamos em uma encruzilhada em que, de um lado, os trabalhadores menos qualificados poderão assumir cada vez mais trabalhos que atualmente são considerados criativos ou intelectuais por meio desta tecnologia, e por outro, aqueles mais qualificados de áreas criativas e intelectuais poderão aumentar radicalmente suas vantagens sobre todos os outros. O desfecho vai depender muito de como os empregadores vão implementar ferramentas como o ChatGPT. Mas a opção mais esperançosa está bem ao nosso alcance.
Além de humano
No entanto, há algumas razões para sermos pessimistas. No segundo trimestre do ano passado, no artigo “The Turing Trap: The Promise & Peril of Human-Like Artificial Intelligence”, o economista Erik Brynjolfsson, diretor do Stanford Digital Economy Lab (EUA), alertou que os desenvolvedores de IA estavam muito obcecados em imitar a inteligência humana em vez de encontrar maneiras de usar a tecnologia para permitir que as pessoas realizassem novas tarefas e ampliar suas habilidades.
Segundo Brynjolfsson, a busca por capacidades semelhantes às humanas originou tecnologias que simplesmente substituem as pessoas por máquinas, reduzindo os salários e exacerbando a desigualdade de riqueza e renda. Ele ainda alega que essa é “a única e a melhor explicação” para a crescente concentração de renda.
Um ano mais tarde, ele diz que o ChatGPT, com seus resultados escritos semelhantes à forma de escrita humana, “é como se fosse o garoto-propaganda do que avisei anteriormente”: o ChatGPT intensificou a discussão sobre como as novas tecnologias podem ser usadas para garantir novas habilidades para as pessoas, ao invés de simplesmente substituí-las.
Apesar das preocupações de Brynjolfsson de que os desenvolvedores de IA continuarão a tentar superar uns aos outros em reproduzir as capacidades e potencial humano em suas criações sem considerar as consequências desse processo, ele geralmente se considera otimista quando se trata de tecnologias e, principalmente, de Inteligência Artificial. Há dois anos, ele previu um aumento de produtividade causado pela IA e de outras tecnologias digitais e, atualmente, está confiante quanto ao impacto dos novos modelos de IA.
Muito do otimismo de Brynjolfsson vem da convicção de que as empresas poderiam se beneficiar muito com o uso de IA generativa, como o ChatGPT, para expandir suas ofertas de produtos e serviços e melhorar a produtividade de sua força de trabalho. De acordo com Brynjolfsson, “é uma boa ferramenta para a criatividade. Elas são ótimas para ajudar as pessoas a inovarem. Elas não estão simplesmente fazendo a mesma coisa por mais barato”. De acordo com ele, desde que as empresas e desenvolvedores possam “manter distância da mentalidade de que os humanos não são necessários (…) será algo muito importante”.
Ele prevê que, dentro de uma década, a IA generativa poderia contribuir com trilhões de dólares em crescimento econômico aos EUA. “A maior parte de nossa economia é composta basicamente por trabalhadores de áreas intelectuais ou criativas e profissionais do setor de informação”, diz ele. “E é difícil pensar em qualquer tipo de profissional desse setor que não seja pelo menos parcialmente afetado”.
Quando esse aumento de produtividade virá, e se vai acontecer, é pura suposição econômica. Talvez só precisemos ser pacientes.
Em 1987, Robert Solow, o economista do MIT que ganhou o Prêmio Nobel no mesmo ano por explicar como a inovação impulsiona o crescimento econômico, disse a famosa frase: “Você pode ver os efeitos da era computacional em todos os lugares, exceto nas estatísticas de produtividade”. Foi só mais tarde, em meados e no final da década de 90, que os impactos, principalmente a partir dos avanços em semicondutores, começaram a aparecer nos dados de produtividade, à medida que as empresas encontravam maneiras de aproveitar os avanços de software e o poder computacional cada vez mais barato.
O mesmo poderia acontecer com a IA? Avi Goldfarb, economista da Universidade de Toronto (Canadá), diz que isso vai depender se vamos descobrir como usar a tecnologia mais recente para transformar os negócios, como fizemos na era anterior ao uso dos computadores.
De acordo com Goldfarb, até agora, as empresas têm usado a IA para realizar diversas tarefas de maneira um pouco mais rápido e melhor: “Isso vai aumentar a eficiência, e pode aumentar a produtividade de forma gradual, mas, no final das contas, os benefícios líquidos serão pequenos já que tudo o que estamos fazendo é exatamente a mesma coisa que fazíamos antes, mas agora um pouco melhor”. No entanto, “a tecnologia não se limita a fazer o que sempre fizemos um pouco melhor ou mais barato. Ela pode nos dar a chance de criar processos para gerar valor para os clientes”, diz ele.
Não há certeza sobre quando (ou se) isso acontecerá com a IA generativa. Na visão de Goldfarb, “assim que descobrirmos como uma boa produção de texto em massa pode permitir que as indústrias realizem tarefas de maneira diferente ou, no contexto do DALL-E, o que o design gráfico de alta qualidade em grande escala poderia nos permitir fazer de forma diferente, passaremos então pelo grande aumento de produtividade (…) mas se isso vai ser na próxima semana, no ano que vem ou daqui a 10 anos, não faço ideia”.
Luta pelo poder
Quando Anton Korinek, economista da Universidade da Virgínia (EUA) e membro da Brookings Institution, teve acesso à nova geração de grandes modelos de linguagem como o ChatGPT, ele fez o que muitos de nós fizemos: começou a usá-los de modo despretensioso para ver como eles poderiam ajudá-lo em seu trabalho. Em um artigo publicado em fevereiro, ele documentou minuciosamente o desempenho desses modelos, observando como eles lidaram com 25 exemplos de usos específicos, desde brainstorming e edição de texto (muito útil) até programação (satisfatório, mas precisa de ajuda humana) e matemática (nada bom).
O ChatGPT explicou um dos princípios mais básicos da economia de forma incorreta, diz Korinek: “Ele errou muito feio”. Mas o equívoco, que foi facilmente percebido, também foi rapidamente perdoado considerando os benefícios da tecnologia. “Posso dizer que isso me torna, como profissional intelectual, mais produtivo”, diz ele. “Não há sombra de dúvida de que sou mais produtivo usando um modelo de linguagem”.
Quando o GPT-4 foi lançado, Korinek testou seu desempenho nas mesmas 25 questões que documentou em fevereiro, e o sistema teve um desempenho muito melhor. Houve menos casos de a ferramenta inventar informações e ela também se saiu muito melhor nos exercícios de matemática, diz ele.
Korinek afirma que, ao automatizar o trabalho intelectual e criativo graças ao ChatGPT e outros bots, a produtividade econômica pode aumentar mais rapidamente do que nas revoluções tecnológicas anteriores, que exigiam investimentos em equipamentos e infraestrutura para os trabalhos manuais e mecânicos. “Acho que talvez possamos ver um aumento maior na produtividade até o final deste ano, mas com certeza até 2024 veremos uma mudança significativa”, diz ele.
Quem vai controlar o futuro desta incrível tecnologia?
Além disso, Korinek alega que há o potencial a longo prazo de que os modelos de IA possam tornar pesquisadores como ele mais produtivos, impulsionando assim o progresso tecnológico.
Esse potencial presente nos grandes modelos de linguagem já está mostrando seus resultados em pesquisas no campo das ciências físicas. Berend Smit, que dirige um laboratório de engenharia química na Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça), é especialista no uso de machine learning para descobrir novos materiais e compostos químicos. No ano passado, depois que um de seus alunos de pós-graduação, Kevin Maik Jablonka, mostrou alguns resultados interessantes usando o GPT-3, Smit quis testar as limitações do modelo de linguagem e pediu a Jablonka que demonstrasse que o GPT-3 é, na realidade, inútil para os tipos de estudos sofisticados com o uso de machine learning que seu grupo faz com o intuito de prever as propriedades dos compostos.
“Ele fracassou completamente [em demonstrar a inutilidade]”, brinca Smit.
Acontece que, depois de ajustado por alguns minutos com alguns exemplos relevantes, o modelo funciona tão bem quanto ferramentas avançadas de machine learning especialmente desenvolvidas para química, respondendo a perguntas básicas sobre questões como a solubilidade de um composto ou sua reatividade. Basta dar a ele o nome de um composto e ele consegue prever diversas propriedades com base em sua estrutura.
Como em outras áreas de trabalho, os grandes modelos de linguagem podem ajudar a expandir o conhecimento e as capacidades de pessoas mais leigas tecnologicamente. Neste caso, por exemplo, químicos com pouco conhecimento de ferramentas complexas de machine learning. Por ser algo tão simples quanto uma pesquisa bibliográfica, diz Jablonka, “isso poderia possibilitar o uso do machine learning para grande parte dos químicos”.
Esses resultados impressionantes, e espantosos, são apenas uma prévia tentadora de quão poderosas as novas ferramentas de IA podem ser quando usadas em uma ampla gama de trabalhos criativos, incluindo descobertas científicas, e como são surpreendentemente fáceis de usar. Mas essa situação também traz algumas questões fundamentais.
À medida que o possível impacto da IA generativa na economia e nos empregos se torna mais iminente, quem vai definir a visão de como essas ferramentas devem ser projetadas e implementadas? Quem vai controlar o futuro desta incrível tecnologia?
Diane Coyle, economista da Universidade de Cambridge (Reino Unido), diz que uma preocupação existente é a possibilidade de grandes modelos de linguagem serem dominados pelas mesmas grandes empresas que governam grande parte do mundo digital. Ela aponta que Google e Meta estão oferecendo seus próprios grandes modelos de linguagem em paralelo a OpenAI. E os grandes custos computacionais necessários para executar o software criam uma barreira de entrada para quem quiser competir com elas.
Segundo Coyle, o receio é que essas empresas todas tenham os mesmos tipos de “modelos de negócios voltados para a publicidade”. “Então, obviamente, você acaba tendo uma certa uniformidade de pensamento, se não tiver diferentes tipos de pessoas com diferentes tipos de incentivos no mercado”.
Coyle reconhece que não há soluções fáceis, mas ela diz que uma possibilidade é criar uma organização internacional de pesquisa com financiamento público para IA generativa, assim como aconteceu com a CERN, o órgão intergovernamental europeu de pesquisa nuclear com sede em Genebra (Suíça), onde a World Wide Web foi criada em 1989. Essa organização teria um enorme poder computacional necessário para executar os modelos, além de possuir o conhecimento científico para desenvolver ainda mais essa tecnologia.
Uma iniciativa dessas, feita fora do círculo das grandes empresas de tecnologia, defende Coyle, “traria um pouco de diversidade aos incentivos que movem os desenvolvedores desses modelos quando os estão produzindo”.
Segundo Coyle, embora ainda seja incerto quais políticas públicas ajudariam a garantir que grandes modelos de linguagem atendam melhor ao interesse público, está ficando claro que as escolhas sobre como usar a tecnologia não podem ser deixadas nas mãos do mercado e de somente algumas empresas dominantes.
A história nos fornece muitos exemplos de como a pesquisa financiada pelo governo pode ser importante no desenvolvimento de tecnologias que trazem prosperidade para todos. Muito antes da invenção da World Wide Web pela CERN, outra iniciativa com financiamento público no final dos anos 60 deu origem à internet, quando o Departamento de Defesa dos EUA financiou a ARPANET, um método pioneiro de manter diversos computadores se comunicando entre si.
Em Power and Progress: Our 1000-Year Struggle Over Technology & Prosperity, os economistas do MIT, Daron Acemoglu e Simon Johnson, fornecem uma explicação interessante da história do progresso tecnológico e sua efetividade em gerar prosperidade para a sociedade. O argumento deles é de que é fundamental direcionar intencionalmente os avanços tecnológicos de maneira que proporcionem benefícios para toda a população e não apenas tornar a elite mais rica.
Desde os primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial até o início dos anos 70, a economia dos Estados Unidos foi marcada por rápidas mudanças tecnológicas: os salários para a maioria dos trabalhadores aumentou enquanto a desigualdade de renda caiu drasticamente. A razão, dizem Acemoglu e Johnson, é que os avanços tecnológicos foram usados para fomentar tarefas e empregos, enquanto as pressões sociais e políticas ajudaram a garantir que os trabalhadores compartilhassem os benefícios de forma mais igualitária com seus empregadores do que atualmente.
Em contraste, eles escrevem, a adoção rápida que aconteceu nos últimos tempos de robôs industriais no “coração industrial da economia americana, no meio-oeste dos EUA” nas últimas décadas simplesmente acabou com empregos e levou a um “declínio econômico prolongado na região”.
O livro, que será lançado em maio, é particularmente relevante para entender as consequências do rápido progresso da IA que ocorre atualmente e como as decisões sobre a melhor forma de usar tais avanços afetarão a todos nós daqui para frente. Em uma entrevista recente, Acemoglu disse que estava escrevendo o livro quando o GPT-3 foi lançado. E, acrescenta em leve tom de brincadeira, “nós previmos o ChatGPT”.
Acemoglu afirma que os desenvolvedores de IA “estão indo na direção errada”. Toda a estrutura por trás da IA “está se concentrando somente na automação”, diz ele. “Mas não há nada inerente à IA generativa ou à IA em geral que nos force a seguir este caminho apenas. Quem está focando nisso são os modelos de negócios e a visão das pessoas da OpenAI, da Microsoft e da comunidade de capital de risco”.
Se você acredita que conseguimos guiar a trajetória de uma tecnologia, então uma pergunta óbvia seria: quem seria parte desse “nós”? E é aqui que Acemoglu e Johnson são mais provocativos. Eles escrevem: “A sociedade e seus poderosos ‘fiscais’ precisam parar de ser hipnotizados por bilionários da tecnologia e suas pautas… Não é preciso ser um especialista em IA para ter uma opinião sobre a direção do progresso e o futuro que queremos que essas tecnologias proporcionem”.
Os desenvolvedores por trás do ChatGPT e os empresários responsáveis por trazê-lo ao mercado, principalmente o CEO da OpenAI, Sam Altman, merecem muito crédito por oferecer o mais novo fenômeno de IA ao público. Seu potencial é enorme. Mas isso não significa que devemos aceitar as visões e aspirações desses agentes sobre onde queremos que a tecnologia chegue e como ela deve ser usada.
Segundo a narrativa deles, o objetivo final é a inteligência artificial de uso geral, que, se tudo correr bem, levará a um cenário de grandes prosperidades e farturas econômicas. Por exemplo, Altman promoveu recentemente sua visão de forma minuciosa, fornecendo mais justificativas para sua defesa de longa data por uma renda básica universal para sustentar aqueles que não são especialistas em tecnologia entre nós. Para alguns, parece tentador. Sem precisar trabalhar e dinheiro de graça! Ótimo!
São as premissas implícitas na narrativa que são mais preocupantes. Ou seja, a IA está seguindo um caminho inevitável de destruição de empregos e a maioria de nós está apenas andando no banco do carona (de graça?). Essa visão não chega a reconhecer a possibilidade de que a IA generativa possa levar a uma expansão repentina de criatividade e produtividade para os trabalhadores muito além das elites especialistas em tecnologia, ajudando a desbloquear seus dons e habilidades. Há pouco debate sobre a ideia de usar a tecnologia para promover uma prosperidade geral, expandindo as capacidades e conhecimentos humanos em toda a população trabalhadora.
As empresas podem decidir usar o ChatGPT para capacitar seus funcionários, ou podem simplesmente usá-lo para reduzir empregos e custos.
Acemoglu e Johnson ainda escreveram: “Estamos caminhando para uma maior desigualdade não por conta da inevitabilidade, mas por causa de escolhas erradas sobre quem tem poder na sociedade e sobre a direção em que a tecnologia está indo…, na verdade, a renda básica universal embarca completamente nessa visão de que a elite dos negócios e do mercado tecnológico é composto por pessoas iluminadas e talentosas que devem generosamente financiar o resto”.
Acemoglu e Johnson debatem sobre vários métodos para alcançar “um panorama de tecnologia mais equilibrado”, desde reformas tributárias e outras políticas governamentais que podem encorajar a criação de uma IA mais favorável ao trabalhador até reformas que podem desvincular o meio acadêmico dos financiamentos voltados para pesquisa em ciência da computação e escolas de negócios oferecidos pelas grandes empresas de tecnologia.
Mas os dois economistas reconhecem que essas reformas são “uma tarefa difícil” e um impulso social para redirecionar a mudança tecnológica “não é algo que acontecerá em breve”.
A boa notícia é que, de fato, podemos decidir como escolhemos usar o ChatGPT e outros grandes modelos de linguagem. À medida que inúmeros aplicativos baseados nessa tecnologia são lançados no mercado, empresas e usuários terão a chance de escolher como desejam explorá-los. Por exemplo, empresas podem decidir usar o ChatGPT para capacitar seus funcionários, ou podem simplesmente usá-lo para reduzir empregos e custos.
Outro ponto positivo: existe um movimento de projetos de código aberto em IA generativa, o que pode quebrar o controle das grandes empresas de tecnologia sobre os modelos de IA. No ano passado, mais de mil pesquisadores internacionais colaboraram em um grande modelo de linguagem chamado Bloom, capaz de criar texto em idiomas como francês, espanhol e árabe. E se Coyle e outros estiverem certos, o aumento do financiamento público para pesquisa de IA pode ajudar a mudar o curso de futuras descobertas.
Brynjolfsson, de Stanford, se recusa a dizer que está otimista quanto a como isso vai acontecer. Ainda assim, seu entusiasmo pela tecnologia atual é claro. “Podemos ter uma das melhores décadas de todas se usarmos a tecnologia corretamente”, diz ele. “Mas isso não é certo de acontecer automaticamente”.