Nem toda Inteligência Artificial é inteligente
Inteligência artificial

Nem toda Inteligência Artificial é inteligente

É preciso investir mais em sistemas baseados em aprendizagem de máquina em escala global que agreguem valor aos humanos e que não ampliem as desigualdades já existentes.

Como já abordei em artigo aqui na MIT Technology Review, Inteligência Artificial é um dos assuntos mais abordados na atualidade. Mas será que tudo que é falado realmente se trata de IA? “Os sistemas de Inteligência Artificial atuais não são realmente inteligentes”. Essa é a afirmação do premiado professor Michael Irwin Jordan, do departamento de engenharia elétrica e ciência da computação e do departamento de estatística da Universidade da Califórnia em Berkeley e considerado uma das grandes referências acadêmicas na pesquisa de Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina, sendo responsável por muitos dos avanços nas técnicas de aprendizagem de máquina não supervisionada.

Quando falamos em Inteligência Artificial, é impossível não imaginar robôs humanoides que agem e pensam como seres humanos, como é frequentemente retratado nos cinemas. Gosto de dois exemplos dessa abstração: o personagem Ash do filme Alien — interpretado pelo ator inglês Ian Holm — e outro Ash mais recente, do episódio Be right back, o primeiro da segunda temporada da série Black Mirror — este interpretado pelo ator irlandês Domhnall Gleeson. Esses Ashes são robôs criados à imagem e semelhança do homem, tão perfeitos, a ponto de serem reconhecidos como humanos. Há outros exemplos em filmes como AI, Eu, Robô, Blade Runner, Ex-Machina, a série russa Better than us e até a onipresente Skynet de Exterminador do Futuro. Contudo, a vida real ainda não alcançou esse nível de desenvolvimento tecnológico. Podemos classificar uma solução de Inteligência Artificial em dois tipos: essa dos filmes é a IA geral (ou forte), ou seja, um sistema completo, praticamente indistinguível de um ser humano. O outro tipo é a IA restrita (fraca ou especializada), na qual um sistema exibe traços de inteligência semelhantes a humanos em um campo ou tarefa específica, como um chatbot, que pode responder perguntas sobre determinado assunto para o qual foi treinado.

No artigo “Artificial Intelligence – The Revolution hasn’t happened yet”, o professor Jordan afirma que “os sistemas de Inteligência Artificial estão longe de serem avançados o suficiente para substituir os humanos em muitas tarefas que envolvem raciocínio, conhecimento do mundo real e interação social. Esses sistemas que utilizam a IA podem mostrar competência de nível humano em habilidades de reconhecimento de padrões de baixo nível, mas no nível cognitivo eles estão meramente imitando a inteligência humana, não se engajando profunda e criativamente”. Ou seja, seriam aplicações de uma IA restrita, nas quais a solução pode ter um bom desempenho em áreas como reconhecimento de padrões, habilidades motoras grossas e navegação, que não necessitam de habilidades cognitivas, principalmente de caráter emocional e de interação social. Esses sistemas não envolvem raciocínio ou pensamento de alto nível. As atuais soluções de IA ainda não criam os tipos de representações semânticas e inferências que nós, humanos, somos capazes. Há uma confusão sobre o significado da IA, como se os computadores estivessem se tornando inteligentes per si, a ponto de se passarem por humanos, como nos exemplos citados no início deste texto. E essa confusão, segundo o professor, não afeta somente o público em geral: os cientistas e técnicos em computação também têm um conceito distorcido sobre o que seria a Inteligência Artificial, a ponto de quase “qualquer” solução de automação ser divulgada como uma aplicação de IA.

Para o professor, a maior parte do que hoje é chamado de Inteligência Artificial, na verdade é uma solução que envolve machine learning, que pode ser definida como um algoritmo que combina, principalmente, estatística, ciência da computação para o processamento de (grandes massas de) dados, para obter insights e fazer previsões que ajudam no processo de tomada de decisão. Uma solução que tem real impacto no mundo “analógico” e que é usada há muito tempo para a resolução de problemas de back-end, detecção de fraudes e previsão da cadeia de suprimentos de forma mais eficiente, além da identificação e da criação de serviços inovadores para os clientes, como encontramos hoje nos sistemas de recomendação de filmes e séries em plataformas de streaming.

Indo além, o professor Jordan indica que a aprendizagem de máquina tem como um dos objetivos aumentar a inteligência humana, fazendo a análise detalhada de grandes conjuntos de dados, coisa que seria impossível para um humano real. Assim, seria possível disponibilizar novos serviços para as pessoas, especialmente em áreas como saúde, comércio e transporte, reunindo, organizando e analisando vários conjuntos de dados em busca de padrões e indicando possíveis soluções e ações, que não seriam identificados à “olho nu”.

“Em um futuro previsível, os computadores não serão capazes de igualar os humanos em sua capacidade de raciocinar abstratamente sobre as situações do mundo real. Precisaremos de interações bem pensadas de humanos e computadores para resolver nossos problemas mais urgentes. Precisamos entender que o comportamento inteligente dos sistemas de grande escala surge tanto das interações entre os agentes quanto da inteligência dos agentes individuais”, afirmou o professor em seu artigo.

Para o professor Jordan, o foco real das discussões e busca de soluções deveria ser para a construção de sistemas baseados em aprendizagem de máquina em escala global, que agreguem valor aos humanos e que não ampliem as desigualdades já existentes. O uso adequado de soluções de Inteligência Artificial é sem dúvida um grande diferencial competitivo no atual cenário mundial. Contudo, não devemos desenvolver a tecnologia pela tecnologia: ao contrário, a tecnologia deve ser um aliado para aumentar o nível de satisfação e felicidade humana e isso só é possível se for feita centrada no ser humano.


Este artigo foi produzido por Fabio Correa Xavier, Diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do TCESP, Mestre em Ciência da Computação, Professor e Colunista da MIT Technology Review.

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