Numa tarde de março, no meio do deserto mais antigo do mundo, Johannes Michels observa uma fileira de painéis solares, do tamanho de 40 campos de futebol, que estendendo-se até uma cadeia de picos irregulares entre a areia de cor ocre e um céu azul sem nuvens. Dentro de um edifício à esquerda de Michels está um eletrólisador de 12 megawatts, uma máquina que se assemelha a duas pilhas AA gigantescas e que foi projetada para dividir a água em seus dois componentes, H₂ e O. Atrás dele está o elemento-chave da tecnologia proprietária da fábrica no deserto: um forno rotativo no qual o gás de hidrogênio proveniente da água é misturado com minério de ferro para criar uma forma pura de ferro, o principal ingrediente do aço.
Fábricas utilizam combustíveis fósseis para processar minério de ferro há três séculos, e o clima pagou um preço alto. Segundo a Agência Internacional de Energia (International Energy Agency, ou IEA), a indústria do aço hoje é responsável por 8% das emissões de dióxido de carbono. Purificar o minério envolve extrair o ferro que está ligado ao oxigênio e “romper a ligação entre o ferro e o oxigênio exige uma quantidade massiva de energia”, afirma Michels, CEO de 39 anos da HyIron, a startup por trás do projeto.
Mas acontece que existe uma alternativa menos intensiva em carbono: usar hidrogênio para extrair o ferro. Ao contrário do carvão ou do gás natural, que liberam dióxido de carbono como subproduto, esse processo, explica Michels, libera água. E se o próprio hidrogênio for “verde”, ou seja, produzido por eletrólise movida por fontes renováveis, em vez da técnica convencional de misturar gás natural e vapor, o impacto climático de todo o processo será mínimo.
A HyIron, que começou a processar lotes de teste de ferro um mês após minha visita, é uma das poucas empresas ao redor do mundo que apostam que o hidrogênio verde pode ajudar a indústria do aço, que está avaliada em US$ 1,8 trilhão, a se tornar mais limpa. O que a diferencia, acima de tudo, é sua localização. O forno da HyIron foi projetado e testado na Alemanha, mas o local de produção fica na Namíbia, a mais de 8 mil quilômetros ao sul. Essa antiga colônia alemã, que foi governada pela África do Sul de 1915 a 1990, tem pouca indústria própria e está a um ou dois oceanos de distância dos maiores importadores mundiais de ferro. O que ela tem, no entanto, é um imenso potencial inexplorado de energia eólica e solar, que, segundo estudos, poderia permitir a produção de hidrogênio e seus derivados com um custo tão baixo quanto o possível em qualquer lugar, como, por exemplo, ferro, amônia e combustível de aviação de baixo carbono. O local da HyIron no Deserto da Namíbia, a 80 quilômetros da costa atlântica, registra, em média, apenas 30 horas de céu nublado por ano, diz Michels. O potencial energético aqui, segundo ele, é “incrível”.
Michels, que se formou como economista e iniciou a HyIron como um projeto paralelo quando a pousada de safári de sua família ficou parada durante a pandemia de Covid-19, não é o único namibiano com grandes planos para o hidrogênio. Desde 2021, quando o governo identificou o gás como uma possível “indústria estratégica transformadora”, ele se tornou uma espécie de obsessão nacional. Há, pelo menos, outros nove projetos planejados ou em construção, incluindo um, no sul da Namíbia, que está entre os maiores investimentos propostos em hidrogênio verde no mundo. A Estratégia de Hidrogênio Verde e Derivados do governo da Namíbia, divulgada em 2022, prevê a criação de três “vales do hidrogênio”, ao longo das costas sul, central e norte, com uma meta de produção de 10 a 12 milhões de toneladas métricas por ano até 2050. Isso equivale a mais de 10% de todo o hidrogênio produzido anualmente hoje. Já em 2030, afirma o documento estratégico, a indústria poderia criar 80.000 empregos e aumentar o PIB em 30% por meio de uma combinação de receita tributária, royalties e o efeito cascata de tantos investimentos.
Se mesmo uma fração dessa produção se concretizar, ela dará um impulso significativo à economia da Namíbia. Mas é uma aposta. A tecnologia do hidrogênio verde ainda está em sua infância e a demanda de longo prazo por seus produtos permanece incerta. Investir em uma tecnologia que ainda não está estabelecida comercialmente, temem alguns críticos, pode sobrecarregar os recursos do governo e desviar a atenção de prioridades mais urgentes, como a persistência da fome e uma rede elétrica doméstica que atende apenas metade dos lares namibianos. Isso é especialmente relevante no caso do maior projeto em desenvolvimento, ao longo da costa sul do país, que exigirá pelo menos US$ 10 bilhões para sair do papel, um valor quase equivalente ao PIB atual da Namíbia. Esse empreendimento também é controverso por razões ambientais: segundo os planos atuais, a maior parte de sua infraestrutura será construída dentro de um parque nacional, em um local que o principal órgão de fiscalização ambiental da Namíbia classifica como o “ecossistema mais sensível do sul da África”.
“Considerando o pequeno país que somos, estamos arriscando bastante ao entrar nessa corrida global”, diz Ronny Dempers, diretor executivo da Namibia Development Trust, que defende a gestão comunitária dos recursos naturais.
Somando-se à incerteza está a morte, no ano passado, do presidente namibiano Hage Geingob, principal defensor político da estratégia do hidrogênio. A nova presidente, Netumbo Nandi-Ndaitwah, que assumiu o cargo em março, pertence ao mesmo partido político, mas várias pessoas familiarizadas com seu pensamento me disseram que ela tem mais interesse em desenvolver petróleo e gás natural.
Ainda assim, o lançamento da HyIron deu um impulso há muito aguardado às ambições da Namíbia em relação ao hidrogênio.
A questão agora é se o governo da Namíbia, seus parceiros comerciais e inovadores do setor de hidrogênio, como Michels, conseguirão trabalhar juntos para construir a indústria de uma forma que atenda ao apetite global por combustíveis mais limpos e que também ajude a melhorar a vida dentro do país.
O elemento mais leve
A ideia de abastecer o mundo com hidrogênio está longe de ser nova. Em seu romance de 1874, A Ilha Misteriosa, Júlio Verne escreveu que a água, “decomposta” em hidrogênio e oxigênio, poderia funcionar como o “carvão do futuro”. O hidrogênio não é apenas o elemento mais abundante do universo, mas o H₂, quando queimado, não produz gases de efeito estufa e libera mais energia por unidade de massa do que qualquer outro combustível não radioativo. Aproximadamente cinco vezes mais que o carvão e três vezes mais que a gasolina ou o diesel. Ao contrário do oxigênio ou do nitrogênio, o gás hidrogênio puro não pode ser capturado facilmente da atmosfera. Por ser tão leve, tende a escapar para o espaço. Em vez disso, o hidrogênio precisa ser obtido separando-o de outras moléculas.
Até agora, o processo tem sido tudo, menos verde. A maior parte do hidrogênio produzido atualmente, usado, principalmente, no refino de petróleo, na fabricação de fertilizantes e na indústria petroquímica, é criada por meio de um processo chamado reforma a vapor do metano. Nele, o vapor em alta temperatura reage com metano (CH₄), liberando grandes quantidades de CO₂ no processo. Como resultado, a Agência Internacional de Energia classifica o hidrogênio atual como “mais um problema climático do que uma solução climática”.
Produzir hidrogênio por meio da eletrólise, como Verne descreveu, foi alcançado pela primeira vez por volta de 1800. Mas o processo exige muita energia e, só no final da década de 2010, com a queda dos custos da energia eólica e solar, e com os governos adotando medidas concretas para conter o aquecimento global, é que o interesse comercial em separar a água usando fontes renováveis começou a surgir. Um roteiro publicado pela Agência Internacional de Energia, em 2023, que traça um caminho para alcançar emissões líquidas zero até meados do século, prevê uma ampliação dramática do uso desse hidrogênio “verde”. Uma parte substituiria o hidrogênio “cinza” convencional nas aplicações já existentes. Mas a maior parte seria destinada a novas aplicações, como a produção de ferro e aço, geração de energia ou transporte de longa distância, algumas delas abastecidas pelo próprio hidrogênio e outras por derivados como a amônia (NH₃), produzida pela fusão do hidrogênio com o nitrogênio.
A maioria dos países ricos adotou políticas que incentivam essa transição. A União Europeia, por exemplo, que impõe limites às emissões de combustíveis fósseis em muitos setores, determina que 42% do hidrogênio utilizado até 2030 deve ter origem em fontes renováveis.
Para muitos países africanos, isso representa uma oportunidade. Segundo a Agência Internacional de Energia, o continente abriga 60% dos melhores locais do mundo para geração de energia solar, graças aos altos níveis de insolação durante todo o ano e à grande quantidade de terras adequadas para usinas solares. A Aliança Africana para o Hidrogênio Verde, um grupo formado por dez países em 2022, acredita que a África poderá produzir quase um quarto do hidrogênio e de seus derivados comercializados globalmente até 2050.
Um pequeno grupo de países do Norte da África, incluindo Egito, Marrocos e Mauritânia, tem planos iniciais de enviar hidrogênio para a Europa por meio de gasodutos. Alguns novos e outros adaptados a partir de dutos existentes construídos para transportar gás natural. A distância da Namíbia em relação à Europa torna o transporte por gasoduto economicamente inviável. Enviar gás H₂ por navio também não seria competitivo em termos de custo, já que ele ocupa muito espaço mesmo quando armazenado em tanques de alta pressão. Por isso, o plano da Namíbia é usar o hidrogênio que produz para criar ferro, amônia e outros produtos, densos o suficiente para serem transportados por via marítima.
A maior vantagem do país é seu potencial excepcional para energia eólica e solar. Marco Raffinetti, CEO da Hyphen Hydrogen Energy, a empresa responsável pelo projeto em grande escala no sul, acredita que o local escolhido pela companhia está entre os três melhores do mundo para a produção de hidrogênio. O fator decisivo, segundo ele, são os ventos fortes que atingem seu pico justamente quando a produção solar está baixa, o que minimiza as oscilações de energia e, assim, reduz os custos. A Namíbia tem outros atrativos também, incluindo vastas extensões de terra pouco povoadas, um clima político estável e um governo receptivo a novas oportunidades econômicas. O PIB per capita do país, de US$ 4.168, está entre os 10 mais altos da África.
Mas a Namíbia também é a segunda sociedade mais desigual economicamente do mundo, em grande parte devido a mais de 40 anos de domínio sob o apartheid sul-africano, que incluiu realocação forçada. A segregação de fato ainda é visível. Bairros de alto padrão da capital, Windhoek, onde vive uma grande parte da minoria branca do país, lembram áreas suburbanas de Los Angeles, com casas modernistas em ruas arborizadas e silenciosas que se estendem pelas colinas ao redor. Mas grande parte da população da cidade reside em um assentamento da era do apartheid conhecido como Katutura ou “o lugar onde não queremos viver.” Muitas das casas ali são barracos de chapas metálicas, sem eletricidade nem água encanada.
A pobreza na Namíbia também é consequência de uma estagnação econômica mais recente. Segundo o Banco Mundial, o PIB per capita caiu 30% entre 2012 e 2023. O urânio, uma das maiores exportações do país, enfrentou uma queda prolongada depois de vários países reavaliarem o uso da energia nuclear após o colapso de Fukushima, no Japão, em 2011. O setor pesqueiro da Namíbia foi abalado por um grande escândalo de corrupção, em 2019, que levou dois altos funcionários à prisão. Depois veio a Covid-19, que sufocou o turismo, e a pior seca em um século, que deixou quase metade da população necessitando de ajuda. Segundo dados do governo, mais de 1.100 pessoas morreram de desnutrição entre 2020 e 2024. Os empregos agora estão mais escassos do que nunca. Em 2023, segundo a Agência de Estatísticas da Namíbia, menos de um em cada três pessoas em idade ativa estava empregada.
É nesse contexto que Geingob, o falecido presidente, recorreu ao hidrogênio. Veterano da luta pela independência, ele havia sido eleito em 2014 prometendo trazer prosperidade. Em vez disso, segundo Robin Sherbourne, economista que estuda a Namíbia desde os anos 1990, o crescimento continuou estagnado e o apoio ao seu partido começou a enfraquecer.
“O hidrogênio verde estava começando a decolar e a Namíbia tinha todos os ingredientes básicos”, diz Sherbourne. “Então [Geingob] agarrou essa oportunidade. Isso lhe dava algo para mostrar ao eleitorado e dizer: ‘Vejam, as coisas estão acontecendo.’”
Eletrólitos no deserto
Dois anos e meio após o lançamento da Estratégia de Hidrogênio Verde do governo, a indústria começa, aos poucos, a ganhar vida. A instalação atual da HyIron, que custou € 30 milhões (cerca de US$ 34 milhões) e foi financiada em parte por um subsídio do governo alemão, é capaz de produzir 15.000 toneladas métricas de ferro por ano. Isto é o suficiente para, aproximadamente, 10 mil carros de porte médio ou um grande edifício de vários andares. Michels espera ampliar essa produção para 2 milhões de toneladas métricas até 2030, com um custo estimado de US$ 2,7 bilhões.
Outro projeto, desenvolvido pela empresa belga de navegação CMB.Tech em parceria com a empresa namibiana Ohlthaver & List, está trabalhando na produção de quantidades experimentais de hidrogênio. Numa segunda fase, o plano é testar a geração de amônia, atualmente usada, principalmente, em fertilizantes, mas que pode se tornar um combustível essencial para navios de longo curso. A ideia, no fim das contas, é investir US$ 3 bilhões em uma produção de amônia em escala comercial, com meta de 250.000 toneladas métricas por ano até o final da década, além de construir um terminal no porto de Walvis Bay, onde embarcações que contornam o extremo sul da África poderão reabastecer com esse combustível.
O projeto da Hyphen, por outro lado, existe, por enquanto, principalmente no papel. Embora a empresa tenha assinado um acordo de concessão com o governo da Namíbia, em 2023, ainda não garantiu o financiamento necessário para dar início à construção. Mas, se o projeto se concretizar, será um dos maiores do mundo: os planos preveem a instalação de sete gigawatts de energia renovável, que significa mais de dez vezes a atual capacidade de geração da Namíbia, para produzir 2 milhões de toneladas métricas de amônia por ano até 2030. Segundo Raffinetti, a Hyphen pretende “superdimensionar” a infraestrutura associada, para que também possa ser utilizada em projetos futuros no planejado vale do hidrogênio do sul. Para que a Namíbia atinja as metas de 2050 estabelecidas na Estratégia de Hidrogênio Verde, seria necessário o equivalente a 30 projetos do porte da Hyphen distribuídos pelos três corredores de produção.
Essa área planejada já tem sido fonte de controvérsia. A concessão da Hyphen abrange 18% do Parque Nacional Tsau Khaeb, uma zona protegida, com, aproximadamente, o tamanho de Massachusetts, que abriga flamingos, pinguins-africanos e 31 espécies de plantas que não existem em nenhum outro lugar do mundo, muitas delas suculentas que armazenam água e cobrem o deserto com majestosas flores em tons pastel quando chove.
Chris Brown, que lidera a Câmara de Meio Ambiente da Namíbia, uma coalizão de ONGs ambientais, afirma que o projeto prejudicaria de forma irreversível a “integridade e resiliência” do parque. Raffinetti, por sua vez, diz que os equipamentos da Hyphen ocuparão apenas uma pequena fração da área concedida e serão instalados de forma “cirúrgica” para evitar as zonas ecologicamente mais sensíveis.
Mas os ambientalistas não são os únicos que criticaram a escolha do local. Um porto ampliado, construído para facilitar as exportações de amônia, ficará imediatamente ao lado de um local que abrigou um campo de trabalho e extermínio durante o genocídio ocorrido na Namíbia entre 1904 e 1908. Neste período, dezenas de milhares de pessoas dos povos Nama e Herero foram mortas por soldados alemães por resistência ao domínio colonial. Um relatório de 2024, encomendado por líderes Nama e Herero, argumenta que a expansão da infraestrutura portuária “profanaria” o patrimônio da área e a memória dos que ali morreram. A percepção pública também é agravada pelo fato de que o acionista majoritário da Hyphen, a produtora de energia renovável Enertrag, é uma empresa alemã.
Para além dessas sensibilidades, as ambições mais amplas da Namíbia em relação ao hidrogênio continuam cercadas de muitas dúvidas. Embora o clima desértico do país seja ideal para gerar energia, o outro insumo essencial para o hidrogênio verde, a água, é escasso. A região costeira central, onde estão localizados os projetos da HyIron e da CMB.Tech (além de vários outros ainda em fase inicial de desenvolvimento), já obtém grande parte de sua água de uma usina local de dessalinização com recursos do mar, abastecida apenas parcialmente por fontes renováveis. Outras instalações estão planejadas para essa região e para o sul, mas há quem tema que os projetos de hidrogênio possam enfrentar gargalos relacionados ao fornecimento de água.
As perspectivas da Namíbia também dependem de um mercado global para combustíveis verdes que é altamente precário. Nos últimos anos, o setor de hidrogênio passou de um período de “hype” para um de “desilusão”, segundo Martin Tengler, chefe de pesquisa em hidrogênio da BloombergNEF, que estuda mercados de novas tecnologias energéticas. Sem incentivos, Tengler é cético quanto à possibilidade de o hidrogênio verde alcançar paridade de custo com o hidrogênio cinza na maioria das regiões do mundo. Certos setores, no entanto, podem adotá-lo mesmo que seja mais caro. Ele observa que algumas montadoras de alto padrão já demonstraram disposição para pagar mais por aço verde, mesmo que isso aumente o preço final do carro em 2 ou 3%. (A Benteler, empresa alemã de processamento de metais que fornece para o setor automotivo, comprometeu-se a adquirir quantidades de teste de ferro verde da HyIron).
Incertezas também pairam sobre o futuro da amônia. Segundo o roteiro da Agência Internacional de Energia, a amônia produzida a partir de hidrogênio verde poderia abastecer 44% do transporte marítimo global até meados do século. Mas ela também tende a continuar cara em comparação tanto com os combustíveis convencionais quanto com alternativas baseadas em carbono, como o metanol e o gás natural liquefeito.
Algumas pessoa na Namíbia estão especialmente preocupadas com a Hyphen, que ainda não assinou nenhum acordo vinculativo com clientes. Numa tentativa de aumentar a atratividade da empresa para outros financiadores, o governo assumiu uma participação de 24% no empreendimento. O valor investido até agora, cerca de € 24 milhões (US$ 27 milhões ou quase R$ 180 milhões), está coberto por um subsídio do governo holandês. No entanto, a parte da Namíbia na construção provavelmente será financiada por meio de empréstimos, o que expõe os contribuintes aos riscos do projeto. Detlof von Oertzen, consultor de energia que vem estudando o potencial do hidrogênio na Namíbia desde a independência, considera essa decisão imprudente, especialmente diante das necessidades urgentes do país em alimentação, saúde e educação. “Temos um déficit orçamentário enorme”, diz ele. “Não deveríamos estar comprometendo recursos com projetos que talvez não levem a lugar nenhum.”
Como muitos namibianos com quem conversei, von Oertzen acredita que as metas do governo para a produção de hidrogênio, e os empregos a ela associados, são extremamente irreais. Ao mesmo tempo, ele e outros críticos consideram que há maneiras pelas quais a indústria pode contribuir para o desenvolvimento nacional. Apesar de suas ressalvas quanto ao apoio do governo à Hyphen, ele acredita que a usina de dessalinização, que a empresa planeja construir, pode desempenhar um papel importante no combate à escassez de água no sul pouco povoado da Namíbia e, consequentemente, ajudar a atrair mais indústrias e pessoas para a região.
Raffinetti me disse que sua empresa também está explorando a possibilidade de transmitir o excedente de eletricidade dos períodos de pico para a rede elétrica local. Isso talvez não reduza significativamente o déficit de eletrificação do país, já que a maioria dos namibianos sem acesso à rede vive no distante norte rural. Ainda assim, alguns gostariam que o governo fizesse exigências mais explícitas aos investidores estrangeiros para enfrentar as carências locais. William Minnie, porta-voz da juventude do Movimento das Pessoas Sem Terra, partido de oposição, acredita que a questão se resume a negociar melhor. “Se vocês querem que seus projetos de hidrogênio verde sejam implementados aqui”, diz ele, “nós queremos que nossos problemas domésticos sejam resolvidos”.
Alguns veem a chegada de Nandi-Ndaitwah ao poder como uma oportunidade para traçar um caminho mais pragmático. Uma das metas delineadas por seu partido durante a campanha eleitoral do ano passado é “aumentar a eletrificação rural e garantir a disponibilidade de eletricidade a preços acessíveis”.
Durante o lançamento simbólico da planta da HyIron, em abril, Nandi-Ndaitwah elogiou o projeto por inaugurar “um novo capítulo na história industrial da Namíbia”. Ao mesmo tempo, ela também se comprometeu a avançar na exploração de petróleo e gás. Desde 2022, empresas que atuam nas águas profundas ao largo da costa namibiana anunciaram descobertas significativas desses recursos. As reservas podem ser caras demais para serem desenvolvidas e não posicionam exatamente o país como guardião da transição energética. No entanto, alguns observadores acreditam que abraçar os combustíveis fósseis pode ser uma forma de se proteger contra as incertezas que cercam o hidrogênio verde, ao mesmo tempo que reduz os custos de desenvolvimento de ambos. “Se você adotar uma abordagem combinada, há muita infraestrutura que pode ser compartilhada entre as duas indústrias”, afirma Ekkehard Friedrich, consultor de investimentos baseado em Windhoek.
Apesar de todas as dúvidas que ainda cercam o hidrogênio, há também um forte sentimento de expectativa. Após minha visita à HyIron, dirigi durante uma hora, grande parte em uma estrada de cascalho deserta, para conhecer a cidade mais próxima. Um assentamento desbotado no deserto, Arandis foi originalmente construído para abrigar funcionários da Rössing, uma mina de urânio a céu aberto que já foi a maior do mundo. Lá conheci Joel Ochurub, de 20 anos, filho de um trabalhador da mina que está estudando para se tornar maquinista. Empregos na Namíbia, ele me disse, são “muito escassos”. O hidrogênio talvez não crie oportunidades para todos, disse ele, mas quanto mais indústria a Namíbia conseguir atrair, melhor. “Quando você vê posts sobre hidrogênio verde no Instagram, tem muitas curtidas”, disse ele. “As pessoas estão empolgadas”.