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Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que mais de um bilhão de habitantes do planeta são idosos. Essa é a faixa etária que mais cresce nas pirâmides populacionais de diversos países e assim deve se manter até a década de 2080, quando a projeção da entidade é que haja uma mudança de era da demografia mundial, marcada não só pelo pico no número de pessoas no mundo, como também por uma inversão: a população com mais de 65 anos será superior à população de menores de 18 anos.
Do ponto de vista da economia global, o futuro impõe desafios significativos, impulsionando desde já discussões e reformas nas estruturas de seguridade social dos países. Em um artigo publicado em 2021 na revista Nature Aging, três especialistas de renome — André J. Scott (London Business School), Martin Ellison (Universidade de Oxford) e David Sinclair (Harvard Medical School) — estimam que a conquista de apenas um ano adicional de vida saudável pode gerar um valor de até US$ 38 trilhões para a economia. No entanto, os autores também levantam uma questão essencial: é mais desejável tornar a vida mais saudável, reduzindo a morbidade, ou apenas prolongá-la, estendendo o tempo de vida independentemente da qualidade?
O estudo da genética, a compreensão do impacto do meio ambiente e estilo de vida, assim como a descoberta de novas terapias, trouxeram um cenário em que a medicina entende possível intervenções que possam prevenir fatores de risco associados à velhice.
O avanço da genética, a compreensão dos impactos do ambiente e do estilo de vida, assim como a descoberta de novas terapias, levam a um cenário no qual a medicina considera possível prevenir fatores de risco associados ao envelhecimento.
Embora ainda não configure uma especialidade formal, a medicina da longevidade caminha rapidamente nessa direção. Segundo a definição da Healthy Longevity Medicine Society, uma sociedade médica internacional dedicada ao tema, trata-se de um campo em rápida expansão, baseado em evidências científicas, que tem como foco a otimização da expectativa de saúde, ou seja, o período da vida vivido com boa saúde. Para isso, recorre a intervenções personalizadas, à antecipação de riscos e à mitigação de doenças, com o apoio dos avanços da medicina de precisão, da biogerontologia e da inteligência artificial (IA).
Para o geriatra e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Edgar Nunes Moraes, o mais importante ao se falar em envelhecimento saudável é adotar uma abordagem interdisciplinar. Isso envolve não apenas diferentes especialidades médicas, mas também áreas não médicas que contribuem para a promoção da saúde.
“O envelhecimento é absolutamente transversal, até porque ele começa na gravidez, passa pela infância, se prolonga na adolescência, na vida adulta e na velhice. São os ciclos de vida, que envolvem o cuidado por diversos profissionais. A longevidade não é só viver mais, mas viver melhor. Isso é muito curioso, porque muitas pessoas me dizem que querem viver muito, mas que não querem envelhecer. Existe esse preconceito, mas o envelhecimento é uma das maiores conquistas da humanidade”, defende o médico.
Medicina da longevidade na saúde suplementar
“O envelhecimento é absolutamente transversal, até porque ele começa na gravidez, passa pela infância, se prolonga na adolescência, na vida adulta e na velhice. São os ciclos de vida, que envolvem o cuidado de diversos profissionais. A longevidade não é só viver mais, mas viver melhor. Isso é muito curioso, porque muitas pessoas me dizem que querem viver muito, mas que não querem envelhecer. Existe esse preconceito, mas o envelhecimento é uma das maiores conquistas da humanidade”, defende o médico.
No Brasil, já é possível identificar ações e programas alinhados ao novo paradigma da saúde, que propõe a transição de uma assistência reativa às doenças para um cuidado ativo voltado à prevenção. Aline Barreira, head de Regulatório da Blue, plano de saúde, destaca que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem incentivado as operadoras a adotar uma cultura mais proativa no cuidado com seus beneficiários.
“A ANS vem promovendo esse novo olhar. Há alguns anos, implantou um selo de qualificação para a Atenção Primária à Saúde (APS), como forma de conscientizar as operadoras de que o melhor caminho é a prevenção, o cuidado antecipado, e de que elas precisam reconhecer seu papel nesse ciclo. Esse selo oferece alguns benefícios, mas ainda enfrenta certa resistência, principalmente pelo custo envolvido. Muitas operadoras ainda têm a percepção de que, financeiramente, isso pode não ser viável no curto prazo. No entanto, é preciso considerar que, ao acompanhar o beneficiário de forma contínua, a operadora tende a obter maior rentabilidade no longo prazo, com uma carteira mais saudável”, conclui a executiva.
Com ampla experiência no mercado, Aline avalia que a transformação do modelo assistencial é especialmente desafiadora para operadoras de grande porte, justamente aquelas com maior potencial de impacto na saúde suplementar.
“Se as maiores conseguirem incorporar esse modelo e internalizá-lo no mercado, as menores também conseguirão. Ainda temos muito a evoluir, mas já percorremos um bom caminho”, afirma. Ela conta que um dos fatores que a atraiu para a Blue foi justamente a proposta de atuar em uma empresa com forte viés tecnológico e uma abordagem diferenciada em relação ao cuidado com o beneficiário.
No Programa Crônicos, por exemplo, quando o paciente solicita um medicamento oral ou procedimento por meio do portal ou do aplicativo da operadora, ele é imediatamente identificado pela equipe de enfermagem da Blue, que inicia seu acompanhamento clínico.
“Às vezes, há insegurança e resistência. O beneficiário pode achar que a operadora está apenas querendo controlar, e isso representa um desafio: mostrar que se trata de um momento de acolhimento e cuidado, de uma verdadeira mudança de cultura. É nesse sentido que estamos construindo diversos programas preventivos, voltados, por exemplo, para idosos e gestantes. Trabalhamos com a rastreabilidade desses beneficiários e, a partir disso, atuamos com orientações, palestras, incentivos à alimentação saudável, prática de exercícios e outros cuidados rotineiros”, complementa a head de Regulatório.
O geriatra Edgar Nunes Moraes representa a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) em uma força-tarefa conduzida pela ANS desde 2024, com o objetivo de criar um programa de certificação para operadoras que implementarem ações voltadas ao cuidado integral da saúde da pessoa idosa.
“Estamos elaborando um manual para orientar as operadoras na oferta da melhor experiência de cuidado para pessoas com mais de 60 anos. Entre as propostas, estão programas de reconhecimento precoce de condições como demência, doença de Alzheimer, osteoporose, prevenção de fraturas e grandes incapacidades. Nosso objetivo é induzir, cada vez mais, o investimento das operadoras em promoção da saúde, prevenção e diagnóstico precoce”, detalha o médico.
O documento está em fase final de elaboração e deve ser lançado ainda este ano. A proposta é que as operadoras que aderirem aos programas recebam benefícios e bonificações, estimulando a transformação da lógica assistencial para um modelo mais proativo e centrado no cuidado integral.
Mudança no estilo de vida
Uma nova forma de pensar a saúde e o envelhecimento exige também novos hábitos. Em uma rotina cada vez mais acelerada, como encontrar tempo para se alimentar bem? Foi essa a pergunta que o engenheiro Victor Santos se fez em 2015. Ao refletir sobre o tema, percebeu que essa dificuldade não era exclusiva dele. A partir dessa constatação, nasceu a Liv Up, empresa que oferece refeições preparadas com alimentos saudáveis e frescos, conservadas por meio da técnica de ultracongelamento. Esse processo acelera o congelamento, impedindo a proliferação de bactérias, a formação de cristais de gelo e preservando a textura, o sabor e o valor nutricional dos alimentos. Nos dois primeiros anos, a marca conseguiu dobrar de tamanho a cada quatro meses.
Segundo Victor, CEO da empresa, o crescimento da Liv Up se deve a alguns fatores principais: o uso de tecnologia para garantir entregas eficientes, proporcionar uma excelente experiência de compra e personalizar as ofertas, além do profundo conhecimento do público, de suas demandas e necessidades.
“Cada dia mais vemos uma preocupação crescente com o cuidado do corpo e da mente. Entendemos que a alimentação, junto com a atividade física e o sono, é uma das formas mais diretas de cuidar da nossa saúde e do nosso bem-estar. Quando você se alimenta bem, sente mais energia, mais disposição e melhora sua qualidade de vida como um todo. A gente acredita que comer bem é um pilar fundamental de uma vida mais plena e saudável. O feedback que mais nos motiva é quando ouvimos dos clientes que, de alguma forma, estamos facilitando a rotina deles e contribuindo para essa vida mais saudável. É uma transformação que vai muito além da balança. Tem a ver com a forma como as pessoas se sentem no dia a dia”, afirma.
Se, na ponta final da jornada de um indivíduo, estão disponíveis tratamentos inovadores e intervenções personalizadas, quando e se forem necessárias, no início do caminho é o simples que funciona: dormir bem, comer de forma saudável e praticar exercícios físicos.
“A questão da hereditariedade, da genética, é importante, não podemos menosprezar. Mas mais da metade vem dos seus hábitos de vida. Cada vez mais, na área médica, estamos valorizando o estilo de vida, e isso não está na sua carga genética, e sim nas escolhas que você faz ao longo da vida. Se você opta pelo fumo, pelo consumo de álcool, pelo sedentarismo, pela obesidade, vai pagar um preço por isso. A grande questão é que esse preço costuma ser cobrado na velhice, mas a promissória é assumida muito antes”, lembra o médico Edgar Nunes Moraes.
Permitir que a população brasileira envelheça bem exige políticas de saúde pública, mudanças nos sistemas de saúde, tanto público quanto privado, transformações culturais e uma nova lógica de cuidado centrada na pessoa, e não apenas na doença. Também requer uma mudança na postura e no relacionamento do próprio paciente com a sua saúde. A medicina da longevidade chega acompanhada de inovações, mas também atribui ao indivíduo uma parte essencial do protagonismo.