Com quase três anos desde o lançamento do ChatGPT, a inteligência artificial generativa (GenAI) se tornou uma presença na sociedade, tanto no trabalho quanto no âmbito pessoal – seja para nos ajudar em buscas de dados estatísticos ou para transformar nossas fotos em ilustrações inspiradas nos trabalhos de artistas famosos. No entanto, essas transformações despertam dúvidas e debates em relação ao futuro dos postos de trabalho e até que ponto a GenAI vai interferir na criação ou obsolescência das carreiras.
O relatório do Fórum Econômico Mundial publicado em janeiro aponta para a geração de 170 milhões novos empregos até 2030, que demandam tanto habilidades tecnológicas em IA, big data e segurança cibernética, assim como habilidades humanas – liderança, pensamento criativo, resiliência, flexibilidade, agilidade, pensamento analítico e colaboração. Mesmo com uma estimativa de 92 milhões de postos de trabalho que serão encerrados até o fim da década, as previsões do estudo apontam que o mercado de trabalho mundial terá um aumento líquido de 78 milhões de vagas em relação ao cenário atual.
No entanto, o aceleramento das transformações digitais, somado aos impactos sociais causados pela pandemia de COVID-19 e às incertezas quanto à seguridade dos empregos, têm atingido cada vez pessoas e aumentado exponencialmente os quadros de ansiedade e depressão, inclusive no ambiente corporativo. Um estudo conduzido pela Sandbox, empresa especializada no setor de saúde, registrou um aumento de 18,6% no consumo de medicamentos voltados para a saúde mental no Brasil, no período de agosto de 2022 a agosto de 2024. Segundo a pesquisa, 74% dos medicamentos adquiridos eram antidepressivos, enquanto os ansiolíticos representavam 26% do total.
Outro levantamento, realizado pela Vidalink, empresa de plano de bem-estar corporativo, aponta que o uso de antidepressivos entre colaboradores de empresas no Brasil registrou um aumento de 12% no primeiro trimestre de 2024, em comparação com o mesmo período de 2023. O estudo tem como base os dados de compra de medicamentos de 196.677 funcionários, beneficiados por subsídios de 250 empresas. Além disso, a faixa etária com maior índice de compra de antidepressivos é a de 39 a 43 anos (19,8%), seguida pela faixa de 44 a 48 anos (16,5%). No que se refere a medicamentos para saúde mental em geral – de ansiolíticos e antipsicóticos a medicamentos para depressão, distúrbios do sono e psicoestimulantes –, a faixa etária de 19 a 23 anos lidera as compras (28,5%), enquanto colaboradores com mais de 59 anos têm o menor índice (14,8%).
É importante não banalizar o uso de medicamentos para tratamento de saúde mental. Esses dados servem de alerta para lideranças empresariais de que as transformações digitais, principalmente no que se refere à padronização da GenAI como ferramentas de trabalho, devem andar lado a lado com uma mudança na cultura organizacional corporativa, equilibrando habilidades tecnológicas e humanas.
Como acompanhar a velocidade das transformações
Segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial, a resposta padrão para acompanhar essas mudanças deverá ser a requalificação profissional, com 77% dos empregadores planejando adotar essa medida. No entanto, 41% pretendem reduzir sua força de trabalho à medida que a IA automatiza certas tarefas. O levantamento aponta que quase metade dos empregadores espera transferir funcionários de atividades suscetíveis à disrupção causada pela IA – por exemplo, armazenamento e análise de dados – para outras áreas de suas empresas, o que representa uma oportunidade de atenuar a escassez de competências ao mesmo tempo em que se reduz o custo humano da transformação tecnológica.
O estudo ainda aponta a necessidade de líderes empresariais, formuladores de políticas públicas e trabalhadores atuarem em conjunto para preparar a força de trabalho e, ao mesmo tempo, reduzir os riscos de desemprego em diferentes setores do mercado e regiões do mundo.
A habilidade de colaboração também é destacada como fundamental para que os profissionais se mantenham atualizados nos novos modelos e funcionalidades da GenAI e de outras ferramentas por meio do compartilhamento de conhecimento e diálogo entre seus pares. Essa forma de aprendizado já é há muito defendida por diversos teóricos, como o psiquiatra americano William Glasser (1925-2013), que em sua Pirâmide de Aprendizagem propõe que as pessoas aprendem: 10% do conteúdo que leem; 20% do que ouvem; 30% do que observam; 70% das ideias e temas que dialogam entre si; e 80% do conhecimento que aplicam na prática cotidiana.
O diferencial das lideranças humanas que a GenAI não tem
Com foco em propor uma organização corporativa estratégica aliada à IA generativa, um artigo da McKinsey&Co. publicado em 2023 recomenda que as empresas comecem pela formação de grupo multifuncionais compostos por suas lideranças (por exemplo, representantes de ciência de dados, engenharia, jurídico, cibersegurança, marketing, design e outras áreas corporativas). A proposta é que o grupo não apenas ajude a identificar e priorizar os casos de uso de maior valor, como também possibilite a implementação coordenada e segura em toda a organização. O objetivo é que os líderes consigam equilibrar as oportunidades de criação de valor com os riscos envolvidos na GenAI.
Segundo a McKinsey, a maioria das organizações não mitiga a maior parte dos riscos associados à inteligência artificial tradicional, apesar de mais da metade das organizações já terem adotado a tecnologia. Mas o artigo dá atenção a muitos desses mesmos riscos na GenAI, como a possibilidade de perpetuar vieses e estereótipos ocultos nos dados de treinamento, ao mesmo tempo em que apresenta novos riscos, como a possibilidade de gerar informações falsas. Assim, o grupo de liderança multifuncional deverá não apenas estabelecer princípios éticos abrangentes e diretrizes para o uso da IA generativa, como também desenvolver uma compreensão aprofundada dos riscos apresentados por cada caso de uso potencial.
Ainda, no relatório do Fórum Econômico Mundial, liderança e gerar influência social são aptidões em destaque na lista de habilidades humanas para trabalhar em equipe, ao lado das capacidades de ter empatia e escuta ativa e de ensinar e ser mentor(a) para outras pessoas.
Referências:
Conselho Federal de Farmácia. Levantamento aponta aumento de 18,6% no uso de medicamentos para saúde mental nos últimos dois anos. Publicado em: 14/10/2024. https://site.cff.org.br/noticia/Noticias-gerais/14/10/2024/levantamento-aponta-aumento-de-18-6-no-uso-de-medicamentos-para-saude-mental-nos-ultimos-dois-anos
McKinsey Digital. What every CEO should know about generative AI. Publicado em 12/05/2023.
https://www.mckinsey.com/capabilities/mckinsey-digital/our-insights/what-every-ceo-should-know-about-generative-ai
Valor Econômico. Aumenta o uso de antidepressivos entre trabalhadores no Brasil. Publicado em: 06/06/2024. https://valor.globo.com/carreira/noticia/2024/06/06/aumenta-o-uso-de-antidepressivos-entre-trabalhadores-no-brasil.ghtml
World Economic Forum. Future of Jobs Report 2025: 78 Million New Job Opportunities by 2030 but Urgent Upskilling Needed to Prepare Workforces. Publicado em: 07/01/2025. https://www.weforum.org/press/2025/01/future-of-jobs-report-2025-78-million-new-job-opportunities-by-2030-but-urgent-upskilling-needed-to-prepare-workforces/