Etienne Boulter entrou em seu laboratório na Université Côte d’Azur, em Nice, na França, certa manhã, com um conjunto de escavadeira Lego Technic debaixo do braço. Seu plano era simples, mas ambicioso: usar as peças do conjunto para construir uma maca mecânica para células.
Boulter e seus colegas estudam a mecanobiologia – a maneira como as forças mecânicas, como alongamento e compressão, afetam as células –, e esse equipamento é essencial para sua pesquisa. Os esticadores de células comerciais custam mais de US$50 mil.
Mas, um dia, após brincar com o conjunto Lego, Boulter e seus colegas descobriram uma maneira de construir um com seus componentes por pouco mais de US$200. Seu sistema Lego estica uma placa de silicone onde as células estão crescendo. Esse processo faz com que as células se deformem e imita a forma como as células de nossa própria pele se esticam.
Conjuntos como esses são ideais para serem reaproveitados, diz Boulter: “Se você for pelo Lego Technic, você tem os motores, as rodas, os eixos – tudo o que precisa para construir um sistema como esse”. Seu modelo foi tão bem-sucedido que dez laboratórios diferentes em todo o mundo lhe contataram para obter os planos, a fim de construir suas próprias macas Lego de baixo custo.
Boulter é um dos muitos pesquisadores que recorrem aos componentes Lego para construir equipamentos de laboratório baratos, e extremamente eficazes. Os próprios tijolos são duráveis e fabricados com tolerâncias rígidas. As ofertas da Lego incluem sensores que podem detectar várias cores, perceber movimentos de rotação e medir a distância de um objeto. Essas ferramentas de bricolagem são uma solução criativa e econômica para cientistas que trabalham e tentam manter os custos baixos.
Veja, por exemplo, o cromatógrafo Lego projetado por Cassandra Quave e seu marido, Marco Caputo, ambos da Universidade Emory, nos Estados Unidos. Quave é uma etnobotânica que lidera um grupo de pesquisa dedicado à documentação de medicamentos tradicionais.
Sua equipe viaja para as profundezas das florestas e selvas de todo o mundo, coletando amostras de folhas, bagas e sementes avaliadas pelo seu potencial valor farmacêutico. Para isolar os compostos químicos das amostras de plantas, Quave utiliza um processo meticuloso chamado cromatografia, no qual o líquido destilado da planta atravessa um tubo preenchido com um material como o gel de sílica.
O tempo na cromatografia precisa ser muito exato, com pequenas quantidades de líquido adicionadas em momentos precisos. Esperar por esses momentos não é o melhor uso do tempo de um estudante de pós-graduação. Foi exatamente isso que Quave pensou quando entrou no laboratório um dia e viu sua aluna de doutorado Huaqiao Tang segurando um tubo de ensaio e observando o relógio. “Isso é loucura!” disse Quave, rindo. “Podemos encontrar uma solução melhor!”
Quando Quave contou a Caputo sobre seu problema, ele trouxe Legos da enorme coleção de seus quatro filhos, e pediu que seus alunos vissem o que poderiam fazer com os brinquedos. Eles criaram um braço robótico capaz de fazer movimentos precisos e repetidos, adicionando gradualmente pequenas frações de líquido a tubos de ensaio, no intuito de isolar compostos no tecido da planta. O dispositivo era tão preciso em seus movimentos, conta Quave, que se formaram cristais espontâneos, algo que ocorre apenas em substâncias muito puras.
Na Universidade de Cardiff, no País de Gales, Christopher Thomas, Oliver Castell e Sion Coulman tiveram sucesso semelhante ao construir um instrumento capaz de imprimir células. Os pesquisadores estudam doenças de pele, lipídios (compostos gordurosos) no corpo e cicatrização de feridas. Como é difícil encontrar amostras obtidas eticamente, eles criaram uma bioimpressora 3D a partir de peças de Lego que é capaz de “imprimir” um análogo de pele humana, colocando camadas de tinta biológica que contém células vivas.
Geralmente, essas impressoras custam mais de um quarto de milhão de dólares, mas eles construíram sua versão por apenas US$550. No início, seus colegas estavam céticos quanto ao fato de que componentes normalmente tratados como brinquedos pudessem ser usados em um ambiente tão profissional, mas, depois de ver a impressora em funcionamento, eles foram rapidamente convencidos. A equipe foi notícia nacional, e outros grupos replicaram o modelo em seus próprios laboratórios.
Alguns cientistas estão criando ferramentas para levar para a sala de aula. Timo Betz, da Universidade de Göttingen, na Alemanha, teve a ideia de construir um microscópio Lego enquanto observava seu filho, Emil, então com oito anos, brincar um dia.
Betz tinha marcado para falar sobre Ciência em uma escola local naquela tarde, mas estava relutante em levar seu próprio microscópio de laboratório para a sala de aula. Seu filho concordou imediatamente. “Vamos fazer um!”, falou ao pai. Juntamente com Bart Vos, um colega da universidade, eles construíram um microscópio inteiramente feito de peças de Lego, com exceção de duas lentes ópticas. Seus planos, que foram disponibilizados ao público, podem ser usados por estudantes a partir de 12 anos para aprender os conceitos básicos de óptica.
Muitos desses cientistas disponibilizaram seus modelos de código aberto, fornecendo-os a grupos interessados, fazendo upload dos planos no GitHub ou publicando em artigos, de modo que outros laboratórios pudessem criar suas próprias versões. Isso é benéfico para pesquisadores de todo o mundo, especialmente aqueles com financiamento limitado – sejam eles novos membros do corpo docente, cientistas de universidades menores ou trabalhadores de países com baixa renda. É assim que um pequeno tijolo de plástico está tornando a Ciência mais acessível a todos.
Por:Elizabeth Fernandez
Elizabeth é jornalista freelancer e cobre assuntos científicos.