O que o alerta de “megaterremoto” do Japão nos diz de verdade
Governança

O que o alerta de “megaterremoto” do Japão nos diz de verdade

Com medo de que o terremoto ocorrido em agosto fosse um prenúncio de algo catastrófico, o governo garantiu que as pessoas estivessem o mais preparadas possível.

O que você encontrará neste artigo:

Previsão de desastres e histórico de terremotos
Sistema de alerta e medidas de proteção
Impacto global e reflexões

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No dia 8 de agosto, às 16h42, horário local, um terremoto de magnitude 7.1 sacudiu o sul do Japão. O tremor, que teve origem na costa da ilha principal de Kyūshū, foi sentido por quase um milhão de pessoas na região, e, a princípio, iniciou a ameaça de um tsunami. Entretanto, apenas uma onda pequena atingiu a costa, os prédios permaneceram de pé e ninguém morreu. A crise terminou tão rapidamente quanto começou.

Mas, então, algo novo aconteceu. A Agência Meteorológica do Japão, uma organização governamental, emitiu um “aviso de megaterremoto” pela primeira vez. Essas duas palavras podem parecer inquietantes – e, até certo ponto, são. Há uma bomba-relógio sob as águas japonesas: uma grande falha onde uma placa tectônica mergulha sob outra. O estresse vem se acumulando ao longo dessa fronteira há bastante tempo, e, inevitavelmente, ela fará o que já fez repetidas vezes no passado: parte dela se romperá violentamente, gerando um terremoto devastador e, possivelmente, um tsunami gigantesco.

O alerta foi emitido em parte porque existe a possibilidade de que o terremoto de magnitude 7.1 seja um “tremor precursor” – um abalo prévio – de um terremoto muito maior, um monstro capaz de gerar tsunamis que poderia matar até 250 mil pessoas.

A boa notícia, por enquanto, é que os cientistas acreditam que é muito improvável que esse terremoto de magnitude 7.1 seja um prelúdio para uma catástrofe. Nada é certo, porém, “as chances de que esse seja realmente um tremor precursor são bastante baixas”, afirma Harold Tobin, diretor da Rede Sísmica do Noroeste do Pacífico.

O aviso, no final das contas, não é uma profecia. Seu objetivo principal é informar ao público que os pesquisadores estão cientes do que está acontecendo, que eles conhecem o pior cenário possível – e que todos devem estar atentos a essa possibilidade sombria. Apenas por precaução, rotas de evacuação devem ser memorizadas, e suprimentos de emergência, adquiridos,

“Ainda que a probabilidade seja baixa, as consequências são muito altas”, diz Judith Hubbard, cientista de terremotos da Universidade Cornell. “Faz sentido se preocupar com algumas dessas probabilidades baixas.”

O Japão, que está situado sobre um quebra-cabeça tectônico, não está desacostumado a grandes terremotos. Só no dia de Ano Novo deste ano, um tremor de magnitude 7.6 chacoalhou a Península de Noto, matando 230 pessoas. Contudo, a atenção especial é dada a certos terremotos, mesmo quando eles não causam danos diretos.

O evento de 8 de agosto ocorreu na zona de subducção de Nankai; ali, a placa do Mar das Filipinas desliza sob o Japão, que está ligado à placa da Eurásia. Esse tipo de limite de placas é capaz de produzir “megaterremotos”, aqueles com magnitude 8.0 ou maior. (A diferença numérica pode parecer pequena, mas a escala é logarítmica: um terremoto de magnitude 8.0 libera 32 vezes mais energia do que um de magnitude 7.0.)

Consequentemente, a zona de subducção de Nankai (ou Fossa de Nankai) já criou várias tragédias históricas. Um terremoto de magnitude 7.9 em 1944 foi seguido por outro de 8.0 em 1946; ambos causados por parte da trincheira submarina ser sacudida. No entanto, o terremoto de magnitude 8.6 em 1707 envolveu a ruptura de toda a Fossa de Nankai. Milhares morreram em cada uma dessas ocasiões.

Previsão de desastres

Atualmente, prever quando e onde o próximo terremoto grande acontecerá em qualquer lugar da Terra é impossível. Não é diferente em Nankai; como observado recentemente por Hubbard em seu blog Earthquake Insights – de coautoria do geocientista Kyle Bradley –, não há um intervalo de tempo definido entre os grandes tremores no local, que variam de dias a vários séculos.

Apesar disso, como o estresse está se acumulando continuamente nessa fronteira de placas, é certo que, um dia, a Fossa de Nankai liberará outro terremoto grande, capaz de empurrar um enorme volume de água do mar em direção a uma vasta área do centro-oeste do Japão, gerando um tsunami de 30 metros de altura. O cenário mais sombrio sugere que 230 mil pessoas poderiam perecer, dois milhões de edifícios seriam danificados ou destruídos, e o país arcaria com um prejuízo de US$ 1,4 trilhão.

Naturalmente, um terremoto de magnitude 7.1 nessa fossa preocupa os estudiosos. Réplicas (uma série de tremores menores) são uma característica garantida de terremotos potentes. Mas há uma pequena chance de que um grande seja seguido por um ainda maior, transformando o primeiro em um tremor precursor em retrospecto.

“O terremoto altera um pouco o estresse na crosta circundante”, diz Hubbard. Usando a energia liberada durante a ruptura de 8 de agosto e decodificando as ondas sísmicas criadas durante o terremoto, os cientistas podem estimar quanto estresse é transferido para falhas vizinhas.

A preocupação de é que parte do estresse liberado por um terremoto seja transferida para uma falha grande que não se rompe há muito tempo, porém, que está pronta para ceder, como um castelo de cartas explosivo. “Você nunca sabe qual adicional no estresse será o suficiente para empurrá-la além do limite.”

Os cientistas não conseguem dizer se um tremor grande é um precursor até que um terremoto maior ocorra. Entretanto, permanece a possibilidade de que o tremor de 8 de agosto seja um prenúncio de algo consideravelmente pior. Por estatística, é improvável, porém, há um contexto a mais para explicar por que aquele alerta de megaterremoto foi emitido: o espectro do terremoto de magnitude 9.1 de Tōhoku e do tsunami que matou 18.000 pessoas em 2011 ainda assombra o governo japonês e os geocientistas do país.

Hubbard explica que dois dias antes daquele terremoto atingir a costa leste do Japão, houve um evento de magnitude 7.2 na mesma área – agora conhecido como um tremor precursor da catástrofe. Relatos sugerem que as autoridades no Japão lamentaram não terem destacado essa possibilidade com antecedência, o que poderia ter feito com que as pessoas na costa leste estivessem mais preparadas e mais capazes de escapar do seu destino.

Um sinal para se preparar

Em resposta, o governo japonês criou protocolos novos para sinalizar a possibilidade de tremores precursores. A maioria dos terremotos de magnitude 7.0, ou algo perto disso, não seria seguida por um “aviso de megaterremoto”, apenas aqueles que ocorrem em configurações tectônicas passíveis de desencadear terremotos verdadeiramente gigantescos – e isso inclui a Fosse de Nankai.

Crucialmente, esse alerta não é um aviso de que um megaterremoto é iminente. Ele significa: “Esteja pronto para quando o terremoto grande acontecer”, diz Hubbard. Ninguém é obrigado a evacuar, mas as pessoas são incentivadas a conhecer suas rotas de fuga. Enquanto isso, notícias locais relatam que asilos e hospitais da região estão contabilizando suprimentos de emergência e movendo pacientes imobilizados para andares mais altos ou outros locais. Os trens-bala Shinkansen estão operando em velocidade reduzida, e certos voos estão transportando mais combustível do que o normal, caso precisem desviar.

Avisos de terremotos não são uma novidade. “A Califórnia tem algo semelhante e já emitiu alertas antes”, diz Wendy Bohon, geóloga independente de terremotos. Em setembro de 2016, por exemplo, uma série de centenas de tremores modestos fez o Serviço Geológico dos EUA alertar publicamente que, durante uma semana, havia uma chance de 0,03 a 1% de que um terremoto de magnitude 7.0 ou maior ocorresse na Falha de San Andreas do Sul – um resultado que, felizmente, não se concretizou.

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Mas esse aviso de megaterremoto é o primeiro do Japão, e terá prós e contras. “Existem consequências econômicas e sociais para isso”, diz Bohon. Relatos de confusão sobre como reagir foram noticiados, e o cancelamento generalizado de viagens para a região terá um custo financeiro.

Contudo, reações calmas ao aviso parecem ser a norma, e (idealmente) esse alerta resultará em uma compreensão maior da ameaça da Fossa de Nankai. “É realmente sobre aumentar a conscientização”, diz Adam Pascale, cientista-chefe do Centro de Pesquisa de Sismologia em Melbourne, Austrália. “Isso fez com que todos falassem a respeito, e esse é o objetivo.”

Os geocientistas estão cada vez mais otimistas de que o terremoto de 8 de agosto não seja um prenúncio de um pandemônio sísmico. “Esse evento está bem na margem extrema da zona de ruptura real de Nankai”, diz Tobin – o que significa que pode nem sequer contar como algo localizado na zona de preocupação tectônica.

Uma postagem de blog, em coautoria com Shinji Toda, sismólogo da Universidade de Tōhoku, em Sendai, Japão, também estima que qualquer transferência de estresse para as partes perigosas da fossa é insignificante. Não há evidências nítidas de que a fronteira das placas esteja agindo de maneira anormal. E, a cada dia que passa, as chances de o terremoto de 8 de agosto ser um tremor precursor diminuem ainda mais.

Defesas tecnológicas

Mas, se um mega terremoto surgisse repentinamente, o Japão tem um escudo tecnológico que pode mitigar uma parte considerável do desastre.

Os edifícios costumam ser equipados com amortecedores que lhes permitem resistir ao intenso tremor causado por terremotos. E, como a costa oeste dos Estados Unidos, todo o arquipélago tem um sofisticado sistema de alerta precoce para terremotos: sismômetros próximos à origem do tremor ouvem seus “gritos sísmicos”, e o software estima rapidamente a magnitude e a intensidade do terremoto antes de enviá-las aos diversos dispositivos das pessoas, dando-lhes valiosos segundos para se protegerem. Contramedidas automáticas também reduzem a velocidade dos trens, controlam máquinas em fábricas, hospitais e prédios de escritórios, a fim de minimizar os danos causados pelo tremor iminente.

Um sistema de alerta precoce para tsunamis também entra em ação, caso seja ativado, enviando avisos de evacuação para celulares, televisões, rádios, sirenes e uma infinidade de receptores especializados em edifícios na região afetada – dando às pessoas vários minutos para fugir. Um alerta de megaterremoto pode ser novidade, porém, a uma população altamente informada sobre defesa contra tremores e tsunamis, é apenas camada a mais de proteção.

O aviso também teve outros efeitos: fez com que aqueles em outra parte ameaçada do mundo prestassem atenção. A Zona de Subducção de Cascadia, ao largo da costa noroeste do Pacífico dos EUA, também é capaz de produzir terremotos titânicos e tsunamis surpreendentes. Sua última grande “performance” em 1700 criou um tsunami que não só inundou grandes seções da costa norte-americana, mas também varreu partes do Japão, lá do outro lado do oceano.

O alerta de megaterremoto no país fez Tobin pensar: “O que faríamos se a nossa zona de subducção começasse a agir de maneira estranha?”, diz – o que inclui um terremoto de magnitude 7.0 nas profundezas de Cascadia. “Não há um protocolo estabelecido do jeito que há no Japão.” Tobin especula que um painel de especialistas seria rapidamente formado e uma declaração – talvez uma não muito diferente do próprio aviso da nação japonesa – seria emitida pelo Serviço Geológico dos EUA. Assim como no Japão, “teríamos de ser muito transparentes sobre a incerteza”, ele afirma.

Quer seja no Japão, nos EUA ou em qualquer outro lugar, esses alertas não têm a intenção de causar pânico. “Você não quer que as pessoas vivam suas vidas com medo”, diz Hubbard. Contudo, não é ruim chamar atenção para o fato de que a Terra, às vezes, pode ser um lugar implacável para se viver.

Robin George Andrews é um jornalista científico premiado, com doutorado em vulcões e morador de Londres. Frequentemente, ele escreve sobre a Terra, o espaço e astronomia, além de ser o autor de dois livros aclamados: Super Vulcanoes (2021) e How To Kill An Asteroid (outubro de 2024).

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