“Intimidade Artificial”: a relação entre Soft Skills e Inteligência Artificial
Humanos e tecnologia

“Intimidade Artificial”: a relação entre Soft Skills e Inteligência Artificial

As empresas e os profissionais estão prontos para as habilidades que serão demandadas cada vez mais daqui para frente?

Recentemente, num voo de São Paulo para Nova Iorque assisti ao documentário “Selena Gomez: My Mind and Me”, que me passou algumas mensagens importantíssimas. Uma delas veio do compromisso da Selena Gomez não apenas de falar abertamente sobre saúde mental, mas também de trabalhar em um projeto de lei que torne obrigatório o estudo de “sentimentos” nas escolas. Sim, de sentimentos.  

Muitos podem ver os sentimentos e as emoções como assuntos tão intangíveis que não teriam espaço na educação formal, mas a verdade é que eles têm, ainda mais em um mundo onde a IA vai pedir que, como humanos, repensemos nossas habilidades e foquemos naquelas que são, por enquanto, insubstituíveis, entre as quais a habilidade de reconhecer, entender, saber expressar e treinar sentimentos e emoções.  

Como funcionaria a proposta de lei da Selena Gomez? Introduzir uma matéria chamada Dialectic Behavioral Therapy, ou seja, “terapia comportamental dialética”, nas escolas de ensino médio nos Estados Unidos. O programa ensinaria como interpretar as emoções, indo muito além da dicotomia “você está feliz?” ou “você está triste?”, mas ensinaria a reconhecer as variações e tons diferentes nas emoções.  

Por que isso é importante não só nas escolas, mas no trabalho também? Porque se por muito tempo as habilidades socioemocionais ficaram de lado por serem difíceis de medir, intangíveis e vistas como pouco eficientes e produtivas, hoje elas se tornam cada vez mais importantes, pois são aliadas nesta jornada de tornar profissionais complementares à tecnologia – e que possam nos ajudar a sermos mais inovadores, criativos, questionadores, focados no cliente, entre outros – enquanto a tecnologia e a IA desempenham as tarefas mais mnemônicas, automatizadas e repetitivas.  

Se a gente só terceirizar para a tecnologia as relações no trabalho e não desenvolver soft skills, corremos o risco de migrar para uma “Intimidade Artificial” na empresa. Em outras palavras, criaremos um ambiente de trabalho onde as relações são superficiais e onde é impossível criar laços verdadeiros de confiança.   

Ouvi esse termo, “Intimidade Artificial”, pela primeira vez em março deste ano no South by Southwest, o maior evento de inovação do mundo. Esther Perel, psicoterapeuta belga e grande expert das relações humanas, falou sobre o que ela chama de “Intimidade Artificial” (num trocadilho claro com o termo Inteligência Artificial). Ela argumentou que num mundo onde a tecnologia nos afasta, nós não podemos substituir as relações pela Intimidade Artificial, mas que precisamos resgatar nossas conexões humanas por meio do fortalecimento de nossas habilidades socioemocionais, ou seja, nossas soft skills.  

Como funciona a “Intimidade Artificial” e por que é importante aprimorar cada vez mais nossas soft skills no mundo da IA? 

A verdade aqui é que o termo Intimidade Artificial não foi usado pela primeira vez pela Esther Perel, mas sim pelo Aspen Institute, que publicou um report em 2020 com o mesmo título e que quis explorar “temas-chave e questões críticas em torno da ideia de intimidade e uma linguagem compartilhada entre os colegas de trabalho”. Mais importante ainda: o relatório capta uma sensação de urgência em torno das oportunidades e custos de uma relação “emocional” homem-máquina. E quais salvaguardas (técnicas, legais ou normativas) devemos considerar proteger contra o potencial de danos. 

Nesse relatório, líderes e executivos alertam para não tratar a IA como uma autoridade poderosa e onipresente (pense no Facebook, Google e afins) que manipula o comportamento individual por meio de vigilância e hiper personalização. Isso coloca o indivíduo em desvantagem e relega o poder a um terceiro. Ao contrário: o relatório sugere uma metáfora alternativa, Big Mother”, que move o relacionamento humano e IA em direção a sinergias, colaboração e capacitação. Em vez de big data e vigilância, a metáfora transmite a necessidade de priorizar a autoconsciência, o autocuidado e a independência. Como uma mãe faz, não é? 

Pense bem: uma mãe conhece as suas fraquezas, mas te ajuda a superá-las; te ensina a tomar decisões de forma mais clara; te protege dos mal-intencionados e nunca revela seus segredos; te ajuda a ser o melhor humano que você puder ser.  

Lucas Dixon, cientista do Google Research, também fez três metáforas adicionais para consideração: 1) IA como “outro sentido”; 2) IA como uma subpersonalidade da pessoa que a utiliza; e 3) IA como um relacionamento em si. Percebe que a IA, então, pode ser bondosa e aliada? É só assim, inclusive, que ela pode evitar causar Intimidade Artificial e realmente manter a conexão humana importante. Ou seja, ser uma aliada das soft skills. 

O Instituto Dale Carnegie fez uma pesquisa em que perguntou a líderes quais habilidades eles acreditam que precisarão para se manterem competitivos à medida que a IA e a automação se tornam mais comuns. Sete em cada 10 escolheram habilidades interpessoais (de comunicação, pensamento crítico, criatividade, trabalho em equipe) em vez de hard skills (73% a 27%). Até agora, tudo em linha com nosso raciocínio.   

O problema é que ainda existe um grande gap no que no que diz respeito às soft skills nas empresas. A pesquisa da Dale Carnegie perguntou aos líderes seniores quais soft skills seriam mais importantes para trabalhar com sucesso ao lado da IA e perguntaram a todos os entrevistados se eles receberam treinamento nessas áreas nos últimos três anos, e o gap é grande. Por exemplo, 69% dos líderes dizem que as habilidades de comunicação são vitais, mas apenas 40% dos entrevistados dizem que receberam treinamento em skills de comunicação recentemente. Da mesma forma, 64% dos líderes enfatizam as habilidades de criatividade, enquanto apenas 30% dos entrevistados receberam treinamento em criatividade nos últimos três anos. Outras lacunas significativas incluem pensamento crítico (apenas 27% receberam treinamento) e inteligência emocional (apenas 19%).  

Aqui vai um chamado importante para os líderes de RH: é necessário investir cada vez mais em treinamento, não só de hard skills, mas sim de soft skills! 

O principal takeaway aqui é: não negligencie o componente humano essencial e, particularmente, as habilidades associadas de que seu pessoal precisa para permitir a adoção e o sucesso da IA ​​no local de trabalho. Como mostra a pesquisa da Dale Carnegie, as pessoas querem saber se possuem as habilidades que acham que precisarão para se adaptar. Isso lhes dará confiança e – juntamente com a confiança na liderança e um nível alto de transparência – os ajudará a se sentirem mais otimistas em relação à IA. 

A McKinsey prevê que a IA e a automação robótica exigirão que até 375 milhões de pessoas em todo o mundo mudem suas ocupações ou aprendam novas habilidades até 2030. Com isso, reflita em suas estratégias de aprendizado e desenvolvimento: elas estão alinhadas com as habilidades que serão cada vez mais importantes na era da IA? 


Este artigo foi produzido por Andrea Iorio, autor Best-Selling, palestrante, escritor sobre Transformação Digital, professor de MBA e colunista da MIT Technology Review Brasil.

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