Empresas de tecnologia estão sempre testando novas formas de interação entre pessoas e computadores — basta lembrar de iniciativas como o Google Glass, o Apple Watch e a Alexa, da Amazon. Você provavelmente já usou pelo menos uma delas.
Mas a opção mais radical foi testada por menos de 100 pessoas no mundo: aquelas que viveram por meses ou anos com interfaces cérebro-computador implantadas, conhecidas como BCIs (brain-computer interfaces).
As BCIs implantadas são eletrodos inseridos no cérebro de pessoas paralisadas, permitindo que elas usem movimentos imaginados para enviar comandos de seus neurônios, por fio ou rádio, a um computador. Dessa forma, conseguem controlar um cursor na tela ou, em alguns casos, até produzir fala.
Recentemente, esse campo deu alguns passos rumo a aplicações práticas. Cerca de 25 testes clínicos com implantes de BCI estão em andamento. E neste ano, os leitores da MIT Technology Review selecionaram as interfaces cérebro-computador como uma das novidades da lista anual das 10 Tecnologias Inovadoras, publicada em janeiro.
As interfaces cérebro-computador venceram com ampla vantagem e se tornaram o que chamamos de “11ª Tecnologia Inovadora”. Elas superaram três finalistas: monitores contínuos de glicose, deepfakes hiper-realistas e satélites de detecção de metano.
A impressão de progresso vem de um pequeno grupo de empresas que estão recrutando ativamente voluntários para testar BCIs em ensaios clínicos. São elas: a Neuralink, apoiada pela pessoa mais rica do mundo, Elon Musk; a Synchron, com sede em Nova York; e a chinesa Neuracle Neuroscience.
Cada uma está conduzindo testes com o objetivo final de obter a aprovação da primeira BCI implantável para venda no mercado.
“Chamo isso de era da tradução”, diz Michelle Patrick-Krueger, cientista pesquisadora que realizou um levantamento detalhado dos testes com BCIs junto ao neuroengenheiro Jose Luis Contreras-Vidal, da Universidade de Houston. “Nos últimos anos houve um investimento privado considerável. Isso gera entusiasmo e permite que as empresas acelerem.”
É uma grande mudança, já que por anos as BCIs funcionaram mais como truques de salão da neurociência — gerando muitas manchetes, mas pouca ajuda real para os pacientes.
Patrick-Krueger afirma que a primeira vez que uma pessoa controlou um cursor de computador com um implante cerebral foi em 1998. A partir daí, os avanços foram lentos: pesquisadores universitários encontravam um voluntário, instalavam um implante e conduziam estudos por meses ou anos.
Ao longo de 26 anos, Patrick-Krueger diz ter conseguido documentar um total de apenas 71 pacientes que já controlaram um computador diretamente com seus neurônios.
Isso significa que é mais provável você conhecer alguém que ganhou na loteria Mega Millions do que alguém que possui uma interface cérebro-computador.
Esses estudos provaram que as pessoas podiam usar seus neurônios para jogar Pong, mover um braço robótico e até falar por meio de um computador. Mas tais demonstrações não oferecem ajuda prática para pessoas com paralisia severa o suficiente para se beneficiar de um computador controlado pelo cérebro, já que esses implantes ainda não estão amplamente disponíveis.
“Uma coisa é fazer com que funcionem, outra é descobrir como realmente implantá-los em escala”, diz Contreras-Vidal. “Além disso, por trás de qualquer grande notícia provavelmente existem questões técnicas que precisam ser resolvidas.” Entre essas questões estão quanto tempo um implante pode durar e o quanto de controle ele realmente oferece aos pacientes.
Ensaios clínicos mais amplos de três empresas estão agora tentando resolver essas questões e preparar o terreno para um produto real.
Uma dessas empresas, a Synchron, utiliza um stent com eletrodos — chamado de “stentrode” — que é inserido em um vaso cerebral por meio de uma veia no pescoço. A Synchron já implantou seu stentrode em 10 voluntários: seis nos Estados Unidos e quatro na Austrália — o maior número de voluntários simultâneos relatado por qualquer grupo de BCI.
O stentrode capta sinais cerebrais limitados, oferecendo aos usuários apenas um sinal básico de controle do tipo “ligar/desligar”, ou o que a Synchron chama de “interruptor”. Isso não permitirá que uma pessoa paralisada use o Photoshop, por exemplo. Mas é suficiente para navegar por menus de softwares ou selecionar entre mensagens predefinidas.
Tom Oxley, CEO da Synchron, diz que a vantagem do stentrode é ser “o mais simples possível”. Ele acredita que isso tornará sua interface cérebro-computador “escalável” para mais pessoas — especialmente porque sua instalação não envolve cirurgia cerebral.
A Synchron pode estar na dianteira, mas ainda está em fase exploratória. Um estudo “pivô” — do tipo usado para convencer reguladores a permitir a comercialização de uma versão específica do dispositivo — ainda não foi agendado. Portanto, ainda não há previsão para o lançamento de um produto.
Enquanto isso, a Neuralink revelou que três voluntários já receberam seu implante, o N1, que consiste em múltimos fios eletrodos finos inseridos diretamente no cérebro por meio de um orifício perfurado no crânio.
Mais eletrodos significam maior captação de atividade neural. O primeiro voluntário da Neuralink, Noland Arbaugh, demonstrou como consegue mover um cursor pela tela em duas dimensões e clicar, o que lhe permite jogar videogames como Civilization ou xadrez online.
Por fim, a Neuracle afirma estar conduzindo dois testes na China e um nos Estados Unidos. Seu implante consiste em uma malha de eletrodos colocada sobre a superfície do cérebro. Em um relatório, a empresa informou que um voluntário paralisado está usando o sistema para estimular eletrodos no braço, fazendo com que sua mão se feche em um movimento de preensão.
Mas os detalhes ainda são escassos. Um executivo da Neuracle apenas afirmou que “várias” pessoas receberam o implante.
Como o número de pacientes da Neuracle não é público, eles não foram incluídos na contagem de Patrick-Krueger. Na verdade, cerca de um quarto dos voluntários com implantes cerebrais ainda não aparece na literatura médica — então ela precisou recorrer a comunicados de imprensa ou enviar e-mails diretamente às equipes de pesquisa para contabilizá-los.
A pesquisa de Patrick-Krueger sobre BCIs também trouxe outros insights. Segundo seus dados, os implantes já duraram até 15 anos, mais da metade dos pacientes estão nos Estados Unidos, e aproximadamente 75% dos receptores de BCIs foram homens.
No entanto, os dados não conseguem responder à grande questão: se as interfaces cérebro-computador implantáveis vão de fato evoluir de demonstrações inovadoras para produtos acessíveis — do tipo que ajuda muitas pessoas.
“Nos próximos cinco a dez anos, ou isso vai se traduzir em um produto, ou continuará restrito à pesquisa”, diz Patrick-Krueger. “Mas eu me sinto muito confiante de que haverá uma virada.”