Iniciativas acadêmicas fortalecem a rede de atenção a doenças raras
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Iniciativas acadêmicas fortalecem a rede de atenção a doenças raras

Institutos de pesquisa e centros universitários ampliam atendimento e diagnóstico dos pacientes no Brasil, sobretudo em regiões onde há falta de profissionais e de recursos tecnológicos.

As universidades e institutos de pesquisa são parte importante da rede de atenção a pessoas com doenças raras no Brasil, sobretudo nas localidades onde há carência de informação, de profissionais de saúde especializados e de tecnologias para diagnóstico e tratamento. Do ambiente acadêmico, surgem diversas iniciativas de destaque por meio parcerias com governos, entidades não governamentais e indústria farmacêutica.

A Universidade de São Paulo (USP) é referência em pesquisa e tratamento de pacientes com doenças raras. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Faculdade de Medicina (FMUSP) está desenvolvendo um projeto para agilizar o diagnóstico por meio do sequenciamento genético e oferecer atendimento gratuito a recém-nascidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o DORA.

Segundo Magda Carneiro Sampaio, professora titular do Departamento de Pediatria da FMUSP e vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas (ICr/HC/FMUSP), o primeiro objetivo do programa foi identificar o potencial científico e os serviços especializados que as escolas médicas do Estado de São Paulo oferecem tanto para doenças complexas quanto para doenças raras.

“Dentro das escolas médicas, os especialistas constituem redes de relacionamento para estudar casos, compartilhar exames laboratoriais e trocar conhecimento, interagindo diretamente com as redes primária e secundária de atendimento do SUS”, explica Magda, destacando o potencial da telemedicina.

Escassez de geneticistas

Além do projeto do DORA, a FMUSP tem planos de expandir o ensino de genética na graduação, na residência e na pós-graduação e de oferecer cursos de aconselhamento genético para enfermeiros — avaliação do risco de pais de crianças com doenças raras terem outros filhos nas mesmas condições.  O objetivo da expansão é formar mais geneticistas e especialistas multidisciplinares devido à escassez de profissionais no Brasil.

De acordo com o estudo “Demografia Médica no Brasil 2023”, realizado pela Associação Médica Brasileira (AMB), o Brasil possui apenas 342 geneticistas em atuação, sendo que 77% deles se concentram nas regiões Sul e Sudeste. A taxa de especialistas por 1 milhão de habitantes é de 1,6.

Na avaliação da professora da FMUSP, diversos fatores impactam na baixa formação de profissionais de genética, como a abordagem precoce da disciplina nas universidades, a falta de professores qualificados, a concentração de profissionais na região Sudeste e a complexidade do setor de saúde.

A biomédica Leuridan Cavalcante Torres fez pós-doutorado em biologia celular e molecular na USP, mas decidiu levar seu conhecimento para Recife (PE), sua cidade natal. Hoje, ela é professora, coordenadora do laboratório de pesquisa e do Biobanco do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), que desenvolve estudos científicos em doenças raras suportados por entidades públicas e privadas.

Consanguinidade no Nordeste

A pesquisadora afirma que grande parte dos estudos realizados no Nordeste tem foco na alta frequência da consanguinidade. “Vemos crianças com achados imunes desconhecidos, com infecções de repetição, e temos que ter uma conduta não específica porque não conhecemos o erro imune delas. Por meio de projetos de pesquisa, é possível investigar o caso e, pelo menos, melhorar a qualidade de vida desses pacientes”, explica Leuridan.

Segundo o estudo Consanguinity and genetic diseases in Brazil: an overview (Consanguinidade e doenças genéticas no Brasil: um panorama, em tradução livre), publicado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) na Internacional Journal of Medical Reviews, filhos de casamentos entre primos têm 4,16 vezes mais risco de nascer com doenças genéticas raras do que os de casamentos entre não parentes.

A união entre parentes está associada à maior ocorrência de doenças genéticas devido à maior probabilidade de ocorrência de duas variações do mesmo gene que poderiam causar algum tipo de problema de saúde. Com apenas uma variação, também chamada de alelo, como em casamentos entre pessoas não aparentadas, o risco de doença genética é menor.

Com muitos pacientes e poucos geneticistas, Leuridan afirma que muitas famílias do Nordeste se mudam para São Paulo e buscam ajuda no Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas, onde Magda trabalha. Há outras, no entanto, que vivem em regiões onde não há acesso à energia e redes de esgoto, por exemplo.

“Queremos ajudar e atender a todas essas crianças, mas não temos a infraestrutura de diagnóstico molecular como no Sudeste. Tentamos fazer o diagnóstico a distância para que essas famílias não tenham que se deslocar, mas o acompanhamento do paciente é para a vida toda, não só na infância”, analisa a biomédica.

Novos tratamentos

As universidades brasileiras também começam a se destacar na busca pelo desenvolvimento de tratamentos. Com investimento de R$ 2 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) está lançando o primeiro laboratório universitário para produção de medicamentos para doenças raras. O projeto cria uma plataforma biotecnológica baseada no uso da tecnologia de CRISPR-Cas9, que consiste na edição de sequências de DNA localizadas em qualquer região do genoma. Inicialmente, o tratamento será destinado à Síndrome de Dravet, tipo de epilepsia grave da infância.

Referência no Brasil, o Hospital das Clínicas e o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG têm um serviço de atendimento clínico de pacientes com doenças raras e fazem a triagem neonatal de recém-nascidos. Cerca de 6,9 milhões de recém-nascidos já foram triados pelo programa e 7 mil crianças e jovens estão em tratamento após diagnóstico de doenças por meio do teste do pezinho.

“Precisamos da universidade porque ela ocupa esse lugar de lidar com a fronteira do conhecimento. Precisamos aprender a cuidar de pessoas que têm prognósticos ruins, entender a relação com a morte, a vivência da sexualidade das pessoas com doenças raras, a questão do corpo, analisar desde a bioquímica até a questão antropológica”, detalha o psiquiatra Fernando Dias, coordenador do Laboratório de Investigação das Pessoas com Doenças Raras da UFMG.

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