Aqui vai uma questão: imagine que, por R$ 75.000 (aproximadamente US$ 15.000), você pudesse adquirir um robô para ajudar nas tarefas rotineiras da sua casa. A condição, além do preço, é que, para 80% dessas tarefas, o treinamento em IA do robô não seria suficiente para que ele atuasse sozinho. Em vez disso, ele seria auxiliado por um assistente remoto nas Filipinas, que o ajudaria a navegar pela sua casa, limpar a mesa ou guardar as compras. Você compraria um?
Essa é a questão central da minha reportagem para a revista, sobre se confiaríamos o suficiente em robôs humanoides para recebê-los em nossos espaços mais privados. E, mais importante, como isso se relaciona com uma estrutura laboral assimétrica, na qual trabalhadores de países de baixa renda realizam tarefas físicas em nossas casas por meio de interfaces robóticas. Na matéria, escrevi sobre a empresa de robótica Prosper e seu grande esforço—que inclui designers da Pixar e mordomos profissionais—para projetar um robô doméstico confiável chamado Alfie. É uma jornada e tanto. Leia a reportagem completa aqui.
A matéria também levanta uma questão maior: quão profunda pode ser a mudança nas dinâmicas de trabalho trazida pela robótica nos próximos anos.
Por décadas, robôs tiveram sucesso em linhas de montagem e em outros ambientes relativamente previsíveis. Nos últimos anos, no entanto, a IA permitiu que eles aprendessem novas tarefas rapidamente, ampliando suas aplicações para cenários mais complexos, como a separação de pedidos em armazéns. Agora, um número crescente de empresas bem financiadas está apostando em uma mudança ainda mais revolucionária.
Empresas como a Prosper acreditam que não precisam construir um robô perfeito, capaz de fazer tudo sozinho. Em vez disso, podem criar um robô “bom o suficiente”, mas que receba ajuda de operadores remotos, localizados em qualquer lugar do mundo. Se essa abordagem funcionar, espera-se que os robôs possam assumir trabalhos que antes seriam impensáveis para automação, como o de camareiras em hotéis, cuidadores hospitalares ou ajudantes domésticos. “Quase qualquer trabalho físico em ambientes internos” está no radar, afirmou Shariq Hashme, fundador e CEO da Prosper.
Até agora, automação e terceirização eram vistas como forças separadas no mercado de trabalho. Os empregos podiam ser terceirizados para o exterior ou perdidos para a automação, mas não ambos. Um trabalho que não podia ser enviado para outro país e ainda não podia ser totalmente automatizado, como limpar um quarto de hotel, permanecia seguro. Porém, os avanços na robótica prometem mudar isso, permitindo que empregadores terceirizem tais funções para países de baixa renda, sem a necessidade de automação completa.
É claro que os desafios são imensos. Apesar dos avanços, robôs ainda encontram dificuldades para se locomover em ambientes complexos como hotéis e hospitais, mesmo com assistência. Isso levará anos para melhorar. No entanto, a evolução na mobilidade dos robôs e nos sistemas que os conectam a operadores remotos deve tornar essas apostas viáveis no futuro.
Caso se tornem realidade, essas mudanças teriam implicações profundas. Primeiro, o movimento trabalhista enfrentaria novas batalhas com a IA. Não seriam apenas estivadores, motoristas de entregas e artistas buscando proteger seus empregos, mas também trabalhadores da hospitalidade, ajudantes domésticos e muitos outros.
Em segundo lugar, nossas expectativas sobre privacidade mudariam radicalmente. Consumidores desses robôs domésticos precisariam aceitar que desconhecidos, do outro lado do mundo, teriam acesso aos seus espaços mais íntimos.
Algumas dessas mudanças podem ocorrer mais rápido do que imaginamos. Para que os robôs aprendam a navegar por ambientes com eficiência, precisam de dados de treinamento, e 2024 já tem visto uma corrida para coletar conjuntos de dados mais abrangentes. Empresas em busca de treinamento para robôs teleoperados devem expandir sua coleta para hospitais, ambientes de trabalho, hotéis e outros locais.
Uma análise da Data Provenance Initiative, um grupo de mais de 50 pesquisadores, revelou a origem de 4.000 conjuntos de dados públicos que alimentam os modelos de IA mais avançados. O estudo mostrou que mais de 90% desses dados vêm da Europa e América do Norte, enquanto mais de 70% dos conjuntos de dados de fala e imagem são oriundos do YouTube. Essa concentração geográfica e de plataformas pode limitar a diversidade de perspectivas incorporadas nos modelos de IA, um risco que merece atenção.