À medida que corremos, dirigimos, pedalamos e voamos, deixamos rastros evidentes de nossos movimentos na Terra — se soubermos onde procurar. Pegadas físicas, assinaturas térmicas e traços químicos podem revelar onde estivemos. Mas outro tipo de rastro que deixamos vem dos sinais de rádio emitidos pelos carros, aviões, trens e barcos que usamos.
Em aviões, a tecnologia ADS-B (Automatic Dependent Surveillance–Broadcast) fornece dados em tempo real sobre localização, identificação, velocidade e orientação. Para os navios no mar, essa função é realizada pelo AIS (Sistema de Identificação Automática).
Operando nas frequências de 161,975 e 162,025 megahertz, os transmissores AIS enviam, a cada seis minutos, informações como número de identificação do navio, nome, sinal de chamada, comprimento e largura, tipo e localização da antena. Dados sobre localização, horário do posicionamento e direção são transmitidos com mais frequência. O objetivo principal do AIS é a segurança marítima — ele ajuda a evitar colisões, auxilia em resgates e oferece insights sobre o impacto do tráfego marítimo na vida marinha. De acordo com as regulamentações da Guarda Costeira dos EUA, geralmente barcos particulares com menos de 20 metros de comprimento não são obrigados a usar AIS, mas a maioria dos navios comerciais é. Diferentemente do ADS-B em aviões, o AIS pode ser desligado apenas em circunstâncias raras.
Escondidos à vista de todos
Diversos setores utilizam os dados do AIS para aplicações variadas, como monitorar o tráfego marítimo e evitar interrupções em cabos submarinos de internet, identificar colisões com baleias e estudar o impacto do ruído subaquático.
Usando a ferramenta Marine Cadastre da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), é possível baixar 16 anos de dados detalhados sobre movimentos diários de navios, além de mapas de “contagem de trânsito” gerados com base em um ano de dados que mostram as rotas acumuladas de cada navio. Os dados são coletados exclusivamente por estações terrestres ao longo das costas dos EUA.
Eu baixei todos os mapas de contagem de trânsito de 2023 e os carreguei no software de sistema de informações geográficas QGIS para visualizar o tráfego marítimo do ano.
Os mapas são abstratos e vibrantes. Com as massas de terra removidas, os rastros dos navios lembram fotos de longa exposição de fogos de artifício, colisões de partículas de alta energia ou fios de fibra óptica.
Ao ampliar os mapas, é possível notar padrões geométricos curiosos: círculos perfeitos ou linhas formando grades. Alguns desses padrões representam áreas de pesca, outros são levantamentos científicos do fundo do mar, e outros ainda indicam embarcações indo e vindo de plataformas de petróleo offshore, especialmente na costa do golfo da Louisiana.
Ter um sistema global e quase em tempo real para rastrear os movimentos precisos de todos os navios no mar parece uma grande inovação—exceto se você quiser manter em segredo as rotas e cargas de seus navios.
Em 2023, a Bloomberg investigou como a Rússia burlou sanções sobre suas exportações de petróleo após a invasão da Ucrânia, usando “falsificação” (transmissão de dados AIS falsos) para enganar observadores. Ao monitorar uma frota de navios antigos e de procedência duvidosa, os repórteres compararam dados AIS com o que realmente observaram no mar — e descobriram que os navios não estavam onde os dados indicavam.
Monitoramento da indústria pesqueira
Concentrações de embarcações pesqueiras em áreas de pesca conhecidas criam alguns dos padrões mais interessantes nos mapas.
A organização internacional sem fins lucrativos Global Fishing Watch usa o AIS para monitorar a indústria pesqueira, buscando proteger a vida marinha da pesca excessiva. Porém, afirma que apenas 2% das embarcações pesqueiras utilizam transmissores AIS.
A organização, apoiada pelo Google, pelo grupo de conservação oceânica Oceana e pela empresa de imagens de satélite SkyTruth, combina dados do AIS com imagens de satélite e utiliza aprendizado de máquina para classificar os tipos de tecnologia de pesca empregados.
Em um comunicado anunciando a criação da Global Fishing Watch, John Amos, presidente e fundador da SkyTruth, declarou: “Grande parte do que acontece em alto-mar é invisível, e isso tem sido uma enorme barreira para entender e mostrar ao mundo o que está em jogo para os oceanos.”