Quando Chad Syverson acessa o site do Bureau of Labor Statistics dos EUA atualmente, buscando os dados mais recentes sobre produtividade, ele o faz com uma sensação de otimismo que não sentia há anos.
Os números do último ano ou mais têm sido geralmente fortes por várias razões financeiras e comerciais, recuperando os primeiros dias da pandemia. E, embora os números trimestrais sejam notoriamente barulhentos e inconsistentes, o economista da Universidade de Chicago tem examinado as informações para detectar quaisquer pistas precoces de que o crescimento econômico impulsionado pela IA já começou.
Qualquer efeito nas estatísticas atuais, diz ele, ainda será muito pequeno, provavelmente, e não “mudará o mundo”. Por isso, ele não está surpreso de que os sinais do impacto da Inteligência Artificial sigam indetectados. Apesar disso, ele observa atentamente, com a esperança de que, nos próximos anos, a IA possa ajudar a reverter uma queda de duas décadas no crescimento da produtividade, algo que mina grande parte da economia. Se isso acontecer, diz Syverson, “então o mundo estará mudando”.
As versões mais recentes da IA generativa são deslumbrantes, com vídeos realistas, prosa aparentemente especializada e outros comportamentos muito humanos. Os líderes empresariais estão preocupados em como reinventar suas empresas à medida que bilhões fluem para startups, e as grandes companhias de Inteligência Artificial criam modelos cada vez mais poderosos. Transbordam as previsões sobre como o ChatGPT e a lista crescente de grandes modelos de linguagem transformarão a maneira como trabalhamos e organizamos nossas vidas, fornecendo conselhos instantâneos sobre tudo, desde investimentos financeiros até onde passar suas próximas férias e como chegar lá.
Entretanto, para economistas como Syverson, a questão mais crítica em torno da nossa obsessão pela IA é como a tecnologia incipiente aumentará (ou não) a produtividade global, e, se o fizer, quanto tempo levará. Pense nisso como o resultado final da máquina de propaganda da Inteligência Artificial: será que a tecnologia pode levar a uma prosperidade renovada após anos de crescimento econômico estagnado?
O crescimento da produtividade é como os países se tornam mais ricos. Tecnicamente, a produtividade do trabalho é uma medida de quanto um trabalhador produz em média; a inovação e os avanços tecnológicos são responsáveis pela maior parte do seu crescimento. À medida que os trabalhadores e as empresas podem produzir mais coisas e oferecer mais serviços, os salários e os lucros aumentam – pelo menos em teoria, e se os benefícios forem partilhados de forma justa. A economia expande-se, e os governos podem investir mais e aproximar-se do equilíbrio dos seus orçamentos. Para a maioria de nós, parece um progresso. É por isso que, até as últimas décadas, a maioria dos estadunidenses acreditava que o seu nível de vida e as suas oportunidades financeiras seriam superiores aos dos seus pais e avós.
Mas quando o crescimento da produção é estável ou quase estável, o bolo já não cresce. Mesmo uma desaceleração ou aceleração anual de 1% pode significar a diferença entre uma economia em dificuldades e uma economia próspera. No final da década de 1990 e no início da década de 2000, a produtividade do trabalho nos EUA cresceu a uma taxa saudável de quase 3% ao ano, conforme a era da Internet decolava. (Cresceu ainda mais rápido, bem acima de 3%, nos anos de expansão após a Segunda Guerra Mundial). Contudo, aproximadamente desde 2005, esse crescimento tem sido desanimador na maioria das economias avançadas.
Existem vários possíveis culpados, mas há um tema comum: as tecnologias aparentemente brilhantes inventadas ao longo das últimas duas décadas, desde o iPhone, os motores de busca omnipresentes e os meios de comunicação social que tudo consomem, chamaram a nossa atenção, porém não conseguiram proporcionar prosperidade econômica em larga escala.
Em 2016, escrevi um artigo intitulado “Caro Vale do Silício: esqueça os carros voadores, dê-nos crescimento econômico”. Argumentei que, embora a Big Tech fizesse avanços atrás de avanços, ignorava, em grande parte, as inovações desesperadamente necessárias em setores industriais essenciais, como as indústrias de fabricação e materiais. De certa forma, fazia todo o sentido financeiro: por que investir nesses negócios maduros e arriscados quando uma startup de redes sociais de sucesso poderia render bilhões?
Apesar disso, essas escolhas tiveram um custo no crescimento lento da produtividade. Mesmo que alguns, no Vale do Silício e em outros lugares, tenham se tornado fabulosamente ricos, pelo menos uma fatia do caos político e da agitação social, vividos em várias economias avançadas nas últimas décadas, pode ser atribuída ao fracasso da tecnologia em aumentar as oportunidades financeiras para muitos trabalhadores e empresas e expandir setores vitais da economia em regiões diferentes.
Alguns pregam paciência: os avanços levarão tempo para refletir na economia, mas, quando isso acontecer, prepare-se! Provavelmente, é verdade, mas, até agora, o resultado nos EUA é um país profundamente dividido, onde o otimismo tecnológico – e a imensa riqueza – que emana de Silicon Valley parecem relevantes só para poucos.
Ainda é muito cedo para saber como as coisas acontecerão desta vez – se a IA generativa é realmente um avanço que só ocorre uma vez por século e que estimulará um regresso a bons tempos financeiros, ou se pouco contribuirá para criar uma verdadeira prosperidade generalizada. Em outras palavras, será como o aproveitamento da eletricidade e a invenção do motor elétrico, que levou a um boom industrial? Ou mais como os smartphones e as redes sociais, que consumiram a nossa consciência coletiva sem trazer um crescimento econômico significativo?
Para que a Inteligência Artificial, sobretudo os modelos generativos, tenha um impacto econômico maior do que outros avanços digitais das últimas décadas, precisaremos utilizar a tecnologia para transformar a produtividade em toda a economia – até mesmo na forma como geramos novas ideias. É um empreendimento enorme e não acontecerá da noite para o dia, porém, estamos em um ponto de inflexão crítico. Será que iniciamos esse caminho para uma prosperidade mais ampla ou os criadores da atual IA inovadora continuam ignorando o vasto potencial da tecnologia para melhorar verdadeiramente as nossas vidas?
Água fria em especulação (super)aquecida
Uma série de estudos realizados no último ano mostra como a Inteligência Artificial generativa pode aumentar a produtividade de pessoas que realizam vários trabalhos. Economistas de Stanford e do MIT descobriram que trabalhadores de call centers são 14% mais produtivos quando usam assistência de conversação de IA; de fato, houve uma melhoria de 35% no desempenho dos funcionários inexperientes e pouco qualificados. Outra pesquisa mostrou que engenheiros de software poderiam codificar duas vezes mais rápido com a ajuda da ferramenta.
No ano passado, a Goldman Sachs calculou que a IA generativa elevaria provavelmente o crescimento global da produtividade em 1,5 pontos percentuais anualmente nos países desenvolvidos e aumentaria o PIB global em US$ 7 bilhões ao longo de uma década. Alguns preveem que os efeitos aparecerão em breve.
Anton Korinek, economista da Universidade da Virgínia, diz que o crescimento adicional ainda não surgiu nos números da produtividade porque leva tempo para que a Inteligência Artificial generativa se difunda por toda a economia. Entretanto, ele prevê um aumento de 1% a 1,5% na produtividade dos EUA no próximo ano, e, se os avanços nos modelos generativos de IA prosseguirem – pense no ChatGPT-5 –, o impacto final poderá ser “significativamente maior”, diz Korinek.
Nem todo mundo é tão otimista. Daron Acemoglu, economista do MIT, diz que os seus cálculos são uma “lição contra quem diz que, em cinco anos, toda a economia estadunidense será transformada”. Na sua opinião, “a IA generativa pode ser um grande negócio. Ainda não sabemos. Mas, se assim for, não veremos efeitos transformadores em uma década – é pouquíssimo tempo. Isso demora mais.”
Em abril, Acemoglu publicou um artigo prevendo que o impacto da IA generativa na produtividade total dos fatores (PTF) – a parcela que reflete especificamente a contribuição da inovação e das novas tecnologias – será de cerca de 0,6% no total ao longo de 10 anos, muito menos do que o Goldman Sachs e outros esperam. O crescimento da PTF tem sido lento por décadas, e ele vê que a Inteligência Artificial generativa fez pouco para inverter significativamente a tendência – pelo menos a curto prazo.
Acemoglu diz que espera ganhos de produtividade relativamente modestos com o modelo, porque os seus criadores nas Big Techs têm um foco estreito na utilização da IA para substituir pessoas pela automação e para permitir a “monetização online” de pesquisas e redes sociais. Para ter um impacto maior na produtividade, ele argumenta que a Inteligência Artificial precisa ser útil para uma fatia muito mais ampla da força de trabalho e relevante para mais partes da economia. Fundamentalmente, é preciso que se utilize para criar novos tipos de empregos, e não apenas para substituir trabalhadores.
Ele argumenta que a IA generativa poderia ser utilizada para expandir as capacidades dos trabalhadores, por exemplo, fornecendo dados em tempo real e informações confiáveis para muitos tipos de trabalho. Pense em um agente de Inteligência Artificial inteligente, mas a par das complexidades, digamos, da produção no chão de fábrica. No entanto, escreve ele, “esses ganhos permanecerão ilusórios, a menos que haja uma reorientação fundamental da indústria [tecnológica], incluindo, talvez, uma grande mudança na arquitetura dos modelos de IA generativa mais comuns”.
É tentador pensar que, talvez, seja só uma questão de ajustar os grandes modelos básicos de hoje com os dados apropriados para torná-los amplamente úteis para vários setores. Contudo, na verdade, precisaremos repensar os sistemas e como podem ser implementados de forma mais eficaz em uma gama muito mais ampla de utilizações.
Produzindo progresso
Pense na fabricação. Durante muitos anos, foi uma das fontes importantes de ganhos de produtividade na economia dos EUA. Ainda é responsável por grande parte da P&D do país, e os aumentos recentes na automatização e no uso de robôs industriais podem sugerir que a produção está para aumentar – porém, esse não tem sido o caso. Por razões um tanto misteriosas, a produtividade na indústria de fabricação dos EUA tem sido um desastre desde quase 2005, o que desempenhou um papel descomunal no abrandamento geral da produtividade.
A promessa da Inteligência Artificial generativa no relançamento da produtividade é que poderá ajudar a integrar tudo, desde materiais iniciais e escolhas de design até dados em tempo real, provenientes de sensores incorporados em equipamentos de produção. As capacidades multimodais poderiam permitir que um trabalhador de fábrica, por exemplo, tirasse uma foto de um problema e pedisse ao modelo de IA uma solução baseada na imagem, no manual de operação da empresa, em quaisquer diretrizes regulatórias relevantes e em enormes quantidades de dados em tempo real das máquinas.
Essa é a perspectiva, pelo menos.
A realidade é que os esforços para implantar os modelos básicos atuais em design e fabricação estão nos primeiros passos. Até agora, o uso da Inteligência Artificial tem sido limitado a “domínios restritos”, diz Faez Ahmed, engenheiro-mecânico do MIT especializado em Machine Learning – pense em programar a manutenção com base nas informações de um dado equipamento. Em contraste, os modelos generativos de IA seriam capazes, em teoria, de uma vasta utilidade para tudo, desde a melhoria dos projetos iniciais com dados reais, a monitorização das etapas de um processo de produção e até a análise de dados de desempenho no chão de fábrica.
Em um artigo publicado em março, uma equipe de economistas e engenheiros-mecânicos do MIT (incluindo Acemoglu e Ahmed) identificou inúmeras oportunidades para Inteligência Artificial generativa em design e fabricação, antes de concluir que “as atuais soluções [desse tipo de IA] não podem atingir esses objetivos devido a várias deficiências-chave”. Os principais déficits do ChatGPT e de outros modelos de Inteligência Artificial são a incapacidade de fornecer informações confiáveis, a falta de “conhecimento de domínio relevante” e o “desconhecimento dos requisitos dos padrões da indústria”. Os modelos também são mal projetados para lidar com os problemas espaciais nas fábricas e as variedades de informações geradas pelos equipamentos de produção, incluindo máquinas antigas.
A maior dificuldade é que as versões existentes de IA generativa carecem de dados apropriados, diz Ahmed. Elas são treinadas com base em informações extraídas da Internet e “trata-se muito mais de cães e gatos e de conteúdo multimídia do que de como você realmente opera um torno mecânico”, diz ele. “A razão pela qual esses modelos têm um desempenho relativamente ruim em tarefas de manufatura é que eles nunca viram tarefas de manufatura.”
A produtividade total dos fatores na indústria de fabricação nos EUA tem decepcionado (crescimento percentual)
A queda na PTF, que reflete a inovação e as novas tecnologias, desconcerta para muitos economistas.
É complicado obter acesso a essas informações porque muitos delas possuem donos. “Algumas pessoas estão com medo real de que um modelo pegue seus dados e os leve embora”, diz ele. Com relação a isso, um problema é a fabricação exigir precisão e, muitas vezes, adesão a diretrizes rígidas da indústria ou do governo. “Se os sistemas não forem assertivos e confiáveis, é menos provável que as pessoas os utilizem”, diz ele. “E é uma questão do ovo e da galinha: porque os modelos não são precisos; porque não há dados.”
Os investigadores do MIT apelaram a uma “próxima geração” de Inteligências Artificiais que seriam adaptadas à produção, mas há um problema: criar uma nova IA, relevante para a produção e que se aproprie do desempenho dos modelos básicos, exigirá uma colaboração estreita entre a indústria e as empresas de Inteligência Artificial, e isso ainda é algo que está em sua fase inicial.
A falta de progresso até agora, diz Ranveer Chandra, diretor-gerente de pesquisa para a indústria da Microsoft Research, “não se deve ao fato de as pessoas não estarem interessadas ou não verem o valor do negócio”. A dificuldade é achar modos de proteger os dados e garantir que estejam em um formato útil e forneçam respostas relevantes para questões específicas de fabricação.
A Microsoft tem adotado diversas estratégias. Uma delas é pedir que o modelo básico forneça suas respostas a partir dos dados proprietários de uma empresa – digamos, seu manual de operações e suas informações de produção. Uma alternativa muito mais difícil, mas atraente, é ajustar a arquitetura subjacente do sistema para se adequar melhor à fabricação. Há, ainda, outra abordagem: os chamados pequenos modelos de linguagem, também passíveis de treinamento específico nos dados de uma empresa. Por serem menores do que recursos básicos, como o GPT-4, eles precisam de menos poder computacional e podem ser mais direcionados para tarefas específicas na hora de fabricar.
“Porém, neste momento, tudo ainda é estudado”, diz Chandra. “Já resolvemos? Ainda não.”
Uma mina de ouro de novas ideias
O uso da IA para impulsionar a descoberta científica e a inovação pode ter o maior impacto global na produtividade a longo prazo. Faz tempo que os economistas reconhecem as ideias novas como fonte de crescimento para o futuro, e a esperança é que as vindouras ferramentas de Inteligência Artificial sejam capazes de turbinar a busca por elas. Embora melhorar a eficiência de, por exemplo, um trabalhador de call center, possa significar um salto único na produtividade desse negócio, utilizar a IA para melhorar o processo de invenção de novas tecnologias e práticas de negócios – para criar novas ideias úteis – poderia levar a um aumento duradouro da taxa de crescimento econômico à medida que remodela o processo de inovação e como a pesquisa é feita.
Já existem pistas tentadoras sobre o potencial da Inteligência Artificial.
Despontando, o Google DeepMind, que define a sua missão como “resolver alguns dos desafios científicos e de engenharia mais difíceis do nosso tempo”, afirma que mais de 2 milhões de utilizadores aplicaram em seu sistema de aprendizagem profunda de IA para prever o enovelamento de proteínas. Muitos medicamentos miram em uma proteína específica, e conhecer sua estrutura 3D – algo que, tradicionalmente, exige uma análise laboratorial meticulosa – pode ser um passo inestimável na criação de novos remédios. Em maio, o Google lançou o AlphaFold 3, alegando que ele “prevê a estrutura e as interações de todas as moléculas da vida”, a fim de ajudar na identificação de como várias biomoléculas se alteram, fornecendo um guia ainda mais poderoso para encontrar medicamentos inéditos.
Desenvolvedores de modelos de Inteligência Artificial, incluindo DeepMind e Microsoft Research, também trabalham em outros problemas de Biologia, de genomas e da ciência de materiais. A esperança é que a IA generativa seja capaz de auxiliar cientistas a recolher informações importantes a partir dos vastos conjuntos de dados comuns nesses campos, facilitando e acelerando, por exemplo, a descoberta de novos remédios e materiais.
Precisamos urgentemente desse impulso. Há alguns anos, uma equipe de economistas renomados escreveu um artigo intitulado “As Ideias Estão Ficando Mais Difíceis de Achar?”, descobrindo que são necessários cada vez mais pesquisadores e dinheiro para achar os tipos de novas ideias fundamentais para sustentar os avanços tecnológicos. Em termos técnicos, o dilema é que a produtividade da pesquisa – a produção de ideias determinada pelo número de cientistas – vem caindo rapidamente. Em outras palavras, sim, ideias são cada vez mais difíceis de encontrar. No geral, mantivemos o ritmo acrescentando estudiosos e investindo mais em P&D, contudo, a própria produtividade global da pesquisa estadunidense está em uma queda vertiginosa.
Para cumprir a Lei de Moore, que prevê que o número de transistores em um chip dobrará a cerca de cada dois anos, a indústria de semicondutores precisa de 18 vezes mais pesquisadores do que tinha no início da década de 1970. Similarmente, são necessários muito mais cientistas para criar aproximadamente o mesmo número de novos medicamentos do que há algumas décadas.
A Inteligência Artificial poderia sonhar com medicamentos novos, seguros e eficazes e descobrir materiais inéditos e surpreendentes, que expandam as possibilidades da computação e da energia limpa?
John Van Reenen, professor da London School of Economics e um dos autores do artigo, sabe que ainda é muito cedo para ver qualquer mudança real nas informações de produtividade da IA, mas diz: “A esperança é que [isto] pode fazer alguma diferença.” AlphaFold é “um garoto-propaganda” de como a Inteligência Artificial pode mudar a Ciência, diz ele, e “a questão é se isso pode passar de piadas para algo mais sistemático”.
A ambição não é apenas fornecer diversas ferramentas que facilitarão a vida dos cientistas, como a pesquisa automatizada de literatura específica, mas também que a própria IA apresente ideias científicas originais e úteis que, de outra forma, escapariam aos pesquisadores. Nessa visão, a Inteligência Artificial poderia sonhar com medicamentos novos, seguros e eficazes e descobrir materiais inéditos e surpreendentes, que expandam as possibilidades da computação e da energia limpa. O objetivo é especialmente convincente, afinal, o universo de potenciais moléculas é virtualmente ilimitado. Navegar em um espaço quase infinito e explorar o abundante número de possibilidades é o que o aprendizado de máquina faz especialmente bem.
Apesar disso, não crie expectativas para o “momento Thomas Edison” da IA. Mesmo que a popularidade científica do AlphaFold tenha aumentado as expectativas quanto ao seu potencial, ainda é muito cedo para transformar o estudo em produtos reais – sejam novos remédios ou materiais inéditos. Em uma análise recente, uma equipe de cientistas do MIT colocou desta forma: “Sem dúvida, a Inteligência Artificial generativa alargou e acelerou as fases iniciais do design químico. No entanto, o sucesso ocorre mais a jusante no mundo real, onde o impacto da IA segue limitado até agora.”
Na verdade, o processo de transformar os intrigantes avanços científicos no uso da Inteligência Artificial em coisas reais e úteis continua nos primórdios.
É um mundo materialista
Talvez, em nenhum lugar, o entusiasmo com o potencial da IA para transformar a Ciência seja maior do que no campo frequentemente negligenciado da descoberta de materiais. O mundo precisa desesperadamente de insumos melhores. Precisamos deles para baterias e células solares mais baratas e mais potentes, e para novos tipos de catalisadores que viabilizariam processos industriais mais limpos; necessitamos de supercondutores práticos de alta temperatura para revolucionar nosso modo de transportar eletricidade.
Assim, quando a DeepMind disse que tinha utilizado a aprendizagem profunda para descobrir cerca de 2,2 milhões de cristais inorgânicos – incluindo cerca de 380.000 possíveis candidatos estáveis e promissores para a síntese real –, o relatório foi recebido com grande entusiasmo, sobretudo na comunidade de Inteligência Artificial. Uma revolução nos materiais! Parecia uma mina de ouro de coisas novas – “uma expansão da ordem de grandeza em materiais estáveis conhecidos pela humanidade”, escreveram os pesquisadores da DeepMind na Nature. O banco de dados DeepMind, chamado GNoME (sigla para “redes gráficas para exploração de materiais”, em inglês), é “equivalente a 800 anos de conhecimento”, segundo o comunicado de imprensa da empresa.
Entretanto, nos meses seguintes ao artigo, alguns pesquisadores contestaram o entusiasmo. Cientistas de materiais da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, publicaram um artigo no qual relataram ter encontrado “evidências escassas” de que qualquer uma das estruturas no banco de dados DeepMind cumprisse a “trifeta de novidade, credibilidade e utilidade”.
Para alguns encarregados de descobrir insumos, os enormes bancos de dados de possíveis cristais inorgânicos, muitos dos quais podem não ser estáveis o suficiente para realmente existirem, parecem uma distração. “Se você nos enviar spam com 400.000 novos materiais e nem sabemos quais deles são realistas, então não sabemos qual deles será bom para uma bateria, um catalisador ou o que quer que você queira fazer. Então, essa informação não é útil”, afirma Leslie Schoop, químico de Princeton que coescreveu um artigo descrevendo os desafios da utilização da automação e da IA na descoberta e síntese de materiais.
Por fins de elucidação, isso não significa que a Inteligência Artificial não se revelará importante na ciência dos materiais e na Química. Até os críticos se dizem entusiasmados com as possibilidades a longo prazo. Entretanto, as críticas sugerem quão cedo estamos usando a IA para enfrentar a tarefa difícil de descobrir materiais e torná-la uma ferramenta segura para encontrar novos compostos que sejam melhores do que os existentes.
É extremamente caro e demorado fabricar e testar qualquer novo insumo potencial. O que os pesquisadores industriais realmente precisam é de pistas confiáveis que apontem para materiais que sejam previsivelmente estáveis, sintetizáveis e que, provavelmente, tenham propriedades intrigantes, incluindo serem baratos de fabricar.
É provável que o banco de dados GNoME inclua compostos interessantes, dizem os criadores científicos do DeepMind, porém, eles reconhecem que é apenas um passo preliminar para mostrar como a IA pode ajudar na descoberta de materiais. Ainda há muito trabalho para ampliar sua utilidade.
Ekin Dogus Cubuk, cientista-pesquisador do Google e coautor do artigo da Nature, descreve que o trabalho relatado como um avanço para prever muitos possíveis cristais inorgânicos estáveis, com base em cálculos da mecânica quântica, sob o zero absoluto, quando o movimento atômico chega a um impasse. Essas previsões podem ser úteis para quem executa simulações computacionais de materiais inéditos – um estágio muito inicial da descoberta de insumos.
Porém, diz ele, o Machine Learning ainda não foi usado para antever cristais estáveis à temperatura ambiente. Depois que isso for alcançado, surge o objetivo de usar Inteligência Artificial para prever como as estruturas seriam sintetizáveis em laboratório, e, eventualmente, como fazê-las em maior escala. Tudo isso deve ser feito antes que o Machine Learning possa de fato transformar o longo e caro processo de criação de materiais novos, diz ele.
Para quem espera que os modelos de IA sejam capazes de elevar a produtividade econômica ao transformar a Ciência, uma lição é nítida: sejam pacientes. Tais avanços científicos poderão muito bem ter um impacto um dia, mas levará tempo – provavelmente medido em décadas.
O paradoxo de Solow
Não é surpresa que, como VP sênior de pesquisa, tecnologia e sociedade do Google, James Manyika está entusiasmado com o enorme potencial da Inteligência Artificial para reformular a economia. Contudo, ele está longe de ser um líder de torcida ostentador, consciente das lições aprendidas em seus anos de estudo sobre como as tecnologias afetam a produtividade.
Antes de ingressar no Google em 2022, Manyika passou várias décadas como consultor, pesquisador e, finalmente, presidente do McKinsey Global Institute, o braço de pesquisa econômica da gigante da consultoria. Na McKinsey, tornou-se uma das principais autoridades na ligação entre a tecnologia e o crescimento econômico, e conta com Robert Solow – o economista do MIT que ganhou o Prêmio Nobel em 1987 por explicar como os avanços tecnológicos são a principal fonte de crescimento da produtividade – como um dos primeiros mentores.
Uma das lições de Solow, que faleceu no final do ano passado aos 99 anos, é que mesmo tecnologias poderosas podem levar tempo para afetar o crescimento econômico. Em 1987, Solow brincou: “Você pode ver a era do computador em todos os lugares, menos nas estatísticas de produtividade”. Na época, a tecnologia da informação passava por uma revolução, mais visível com a introdução do computador pessoal. No entanto, a produtividade, aferida pelos economistas, foi lenta. Isso ficou conhecido como o paradoxo de Solow. Foi só no final dos anos 1990, décadas após o nascimento da era da informática, que o crescimento da produtividade começou finalmente a acelerar.
A história ensinou Manyika a ser cauteloso ao prever como e quando a economia geral sentirá o impacto da IA generativa. “Não tenho prazo”, diz ele. “As estimativas [de ganhos de produtividade] são, em geral, espetacularmente grandes, mas, quando se trata de uma questão de prazo, eu digo ‘Depende’.”
Em tom mais específico, ele diz que depende daquilo que os economistas chamam de “ritmo de difusão” – basicamente, a rapidez com que os utilizadores adotam uma tecnologia, tanto dentro dos setores como entre eles. Depende também da capacidade de vários usuários, sobretudo nas empresas dos maiores segmentos econômicos, de “[reorganizar] funções, tarefas e processos para capitalizar a tecnologia” e tornar as suas operações e seus trabalhadores mais produtivos. Sem essas peças, ficaremos presos na “terra do paradoxo de Solow”, diz Manyika.
“A tecnologia pode fazer tudo o que quiser, e isso realmente não importa do ponto de vista da produtividade do trabalho”, diz ele, uma vez que a sua força de trabalho é relativamente pequena. “Precisamos que mudanças aconteçam nos setores maiores antes de podermos começar a ver ganhos de produtividade a nível econômico.”
No final do ano passado, Manyika coescreveu um artigo na Foreign Affairs chamado “A Vindoura Revolução Econômica da IA: A Inteligência Artificial Pode Reverter a Desaceleração da Produtividade?”. Nele, os autores ofereceram uma resposta decididamente otimista, ainda que cautelosa.
“No início da próxima década, a mudança para a IA poderá se tornar um dos principais motores da prosperidade global”, escreveram, porque tem o potencial de afetar “quase todos os aspectos da atividade humana e econômica”. Acrescentaram: “Se essas inovações puderem ser aproveitadas, a IA será capaz de reverter os declínios de longo prazo no crescimento da produtividade que muitas economias avançadas enfrentam agora”. Mas é um grande “Se”, reconheceram, dizendo que “não acontecerá por si só” e exigirá “políticas favoráveis que promovam os usos mais produtivos da IA”.
O apelo à adoção de políticas é um reconhecimento da tarefa imensa que temos pela frente e um reconhecimento de que, mesmo as empresas gigantes de Inteligência Artificial, como o Google, não podem fazê-la sozinhas. Serão necessários investimentos generalizados em infraestruturas e inovações adicionais por parte de governos e empresas.
Companhias, desde pequenas startups às megacorporações, deverão adotar os modelos básicos, como o Gemini do Google, e “adaptá-los para suas próprias aplicações, em seus próprios ambientes e em seus próprios domínios”, diz Manyika. Em alguns casos, diz ele, o Google fez algumas adaptações “porque é interessante para nós”.
Por exemplo, a Big Tech lançou o Med-Gemini em maio, usando as capacidades multimodais do seu sistema básico para ajudar em uma ampla gama de tarefas médicas, incluindo a tomada de decisões de diagnóstico com base em imagens, vídeos de cirurgias e informações em registros eletrônicos de saúde. Agora, diz Manyika, cabe aos profissionais de saúde e aos cientistas “pensarem como aplicar isto, porque não estamos no negócio dos cuidados de saúde dessa forma”. Porém, diz o VP, “está dando uma vantagem inicial para eles”.
Mas é aí que reside o grande desafio futuro para que a IA transforme a economia.
Apesar do alarde em torno da Inteligência Artificial generativa e dos bilhões de dólares que fluem para startups ao redor desse recurso, a velocidade de sua difusão no mundo dos negócios não é tão encorajadora. Para uma pesquisa realizada com milhares de empresas pelo US Census Bureau, divulgada em março, a proporção de empresas que usam IA aumentou de cerca de 3,7% em setembro de 2023 para 5,4% em fevereiro deste ano, e espera-se que atinja cerca de 6,6% até o final do ano. A maioria dessa absorção ocorreu em setores como finanças e tecnologia. Indústrias como de construção civil e de fabricação estão praticamente intocadas. O principal motivo do desinteresse é a “inaplicabilidade” da Inteligência Artificial em seus negócios, segundo a visão da maioria das companhias.
Para muitas delas, especialmente as pequenas, ainda é preciso apostar muito na IA e investir o dinheiro e o tempo necessários para reorganizar as funções empresariais em torno dela. Além de não verem qualquer valor na tecnologia, muitos líderes empresariais têm dúvidas constantes sobre a confiabilidade dos modelos generativos – as alucinações têm um peso em chats, mas outro completamente diferente no chão de fábrica ou nas urgências de um hospital. As empresas também se preocupam com a privacidade dos dados e a segurança das informações proprietárias. Sem modelos de Inteligência Artificial mais adaptados às necessidades de vários negócios, é provável que muitos fiquem à margem.
Enquanto isso, o Vale do Silício e as Big Techs estão obcecados por agentes inteligentes e por vídeos criados por IA generativa; fortunas individuais e corporativas são acumuladas com a promessa de turbinar smartphones e pesquisas na Internet. Tal como no início da década de 2010, grande parte do resto da economia tem sido deixada de fora; não há benefício ou recompensas financeiras da tecnologia, tampouco da sua capacidade de expandir setores grandes e torná-los mais produtivos.
Talvez seja esperar muito que as Big Tech mudem, preocupando-se subitamente em usar o seu poder enorme para beneficiar segmentos como o da indústria de fabricação. Afinal, Big Tech faz o que faz.
E não será fácil para que as empresas de Inteligência Artificial repensem os seus grandes modelos básicos para tais problemas do mundo real. Elas precisarão se envolver com especialistas da indústria de uma ampla variedade de setores e responder às suas necessidades. Porém, a realidade é que as grandes companhias de IA são as únicas organizações com o vasto poder computacional para executar os sistemas básicos atuais e o talento para inventar as próximas gerações da tecnologia.
Goste ou não, ao dominar o campo, eles assumiram a responsabilidade pela sua extensa aplicabilidade. Se assumirão essa responsabilidade para todo o nosso benefício ou (mais uma vez) ignorá-la pelo canto da sereia da acumulação de riqueza, isso acabará se revelando – talvez, a princípio, naqueles números trimestrais, muitas vezes quase indecifráveis, do site do Bureau of Labor Statistics dos EUA.