No mundo dos negócios, uma certeza que se tem é que a tecnologia pode ser parceira em todas as áreas para trazer agilidade e eficiência. Mas frente à aceleração contínua das inovações tecnológicas, principalmente no que se refere à IA generativa, como as empresas, ou melhor, suas lideranças e seus colaboradores podem acompanhar as atualizações que acontecem quase que diariamente?
Num recorte temporal de hoje, minha visão é de que o futuro do trabalho será híbrido e complementar, a IA é uma realidade e inovações neste campo são diárias e, por isso, é importante e necessário que empresas, trabalhadores e governos promovam programas de capacitação em IA, com foco no uso ético e na preservação do valor humano no trabalho.
No contexto de uma empresa, para aproveitar a IA de forma criativa e produtiva, os profissionais precisam ser capacitados em novas ferramentas, linguagens e metodologias. Isso garante mais produtividade sustentável, além da necessidade em ter pessoas treinadas para supervisionar, ajustar e melhorar os sistemas de IA. Isso evita erros graves e mantém o fator humano como filtro de qualidade e ética, que vemos como essencial no processo, pelo menos até o momento. Tudo isso, conduzido por uma linha guia que mantenha o foco nos objetivos naquele contexto de cada profissional na empresa. Sem esse direcionamento as chances de dispersão e da não geração de valor são grandes.
Sabemos que organizações precisam integrar IA e GenAI em suas estratégias, patrocinando programas de adoção das tecnologias, trazendo a automação e agilidades esperados, mas também, ressignificando o papel dos colaboradores, criando modelos operacionais novos. A integração entre gestão organizacional e tecnologia, embora crucial, apresenta desafios que devem ser cuidadosamente gerenciados. As empresas precisam estudar como e quando investir em novas arquiteturas tecnológicas para que possam evoluir em competitividade e eficiência. Criando e garantindo os fundamentos para que a adoção seja feita de forma segura, escalável e sustentável em todos os aspectos: seja econômico, social ou ambiental. No lado organizacional, a evolução das estruturas organizacionais, os processos e modelos de trabalho e interação entre as áreas, as novas expectativas sobre os funcionários, tudo isso precisa ser pensado, planejado para que evolua à medida que a adoção em escala destas tecnologias seja feita.
A famosa produtividade para trazer maior agilidade e eficiência, precisa ser escalável e economicamente sustentável. Esta sustentabilidade existe se a adoção é pensada de forma alinhada à estratégia e se a organização se move em sincronismo para isso: não é um tema de TI ou de RH, percorre todas as áreas e na maioria dos exemplos que estamos vendo no mercado mundial, é liderado pelo C-level ou mesmo pelos donos da empresa. Sabemos hoje que a especialização dos modelos disponíveis ao contexto de cada negócio bem como a evolução dos processos em função do “destravamento” de possibilidades pelo uso de IA e Gen AI, requer a atuação humana. Pessoas essas que precisam de capacitação contínua, desenvolver cada vez mais sua abertura mental, sua visão analítica e crítica. As organizações por sua vez, além de políticas de reskilling e upskilling contínuas, precisam criar os indicadores que suportam a gestão neste novo contexto: produtividade associada a valor, qualidade de vida e no ambiente de trabalho, estímulo à criatividade e inovação no dia a dia. A tarefa não é simples e não existe uma fórmula que caiba para todos.
Usar as novas tecnologias para gerar crescimento requer liderança com visão estratégica, planejamento e flexibilidade. A organização precisa estar leve para conseguir se reorientar em função das novas possibilidades que a tecnologia possa entregar.
Novo design organizacional
A evolução e o medo de como as inovações tecnológicas poderiam substituir o trabalho humano sempre existiu. Desde a revolução industrial se pensa que o trabalhador será reposto por uma máquina. Mas a realidade que vimos até agora é que os empregos se transformam.
Existe uma reflexão natural em como a quarta revolução industrial será aplicada no mercado profissional e como será essa interação entre tecnologia e humano, transformando não somente o mercado de trabalho, mas consequentemente toda a sociedade.
É inteligência humana com inteligência da máquina, abrindo espaço para que o humano tenha cada vez mais possibilidades de envolvimento com trabalhos que demandem habilidades que chamamos comumente de soft skills. Falamos da combinação de habilidades analíticas, como a capacidade de avaliar cenários complexos de maneira crítica e de identificar e desenvolver soluções inovadoras. Já observamos, também, a evolução ou recriação de jornadas e cadeias produtivas, permitindo, por exemplo, que os humanos possam explorar sua criatividade com base em suas próprias emoções, intuição e experiências pessoais.
Hoje, após poucos meses da explosão dos modelos de LLM, temos um cenário no qual em várias empresas a IA já atua como um “copiloto” de seres humanos, reduzindo barreiras, incrementando seu potencial produtivo, trazendo à tona, com toda a força, a importância e diria mandatoriedade, do investimento contínuo no desenvolvimento das habilidades humanas tão importantes para que a adoção das novas tecnologias traga de fato os resultados esperados.
Para que esse ciclo virtuoso aconteça, é necessário um processo de transformação cultural das empresas e na organização de seus ecossistemas. E as mudanças devem começar nas próprias lideranças, saindo de um modelo mais hierárquico e engessado para a flexibilização. Os gestores precisam de cada vez mais gestores hands-on, que tirem os bloqueios da frente dos seus colaboradores, permitindo que eles assumam funções que façam melhor uso de suas habilidades. Isso é um novo contexto dentro de grandes organizações: é possível sim ter flexibilidade com a famosa governança. E requer certo desapego: funções que podem ser totalmente automatizadas, decisões que podem ser atribuídas a um agente, enfim, o humano aqui precisa ter conhecimento e experiência para gerenciar os resultados, pensar em otimizações e evoluções, ou seja, muda a configuração dos times.
Diante desse cenário, o relatório Future of Jobs 2025, do Fórum Econômico Mundial, apontou que a Inteligência Artificial e outras tecnologias emergentes têm provocado uma busca maior por qualificação. De acordo com o documento, 65% dos trabalhadores consideram a atualização contínua como essencial para se manterem no mercado de trabalho. Por consequência, houve um aumento significativo da busca por aprendizado dentro das companhias: quase 80% dos profissionais afirmaram que já participam de treinamentos oferecidos nas respectivas empresas.
Adaptabilidade e treinamento
Uma prática que gera resultados é o job rotation. A estratégia é reaproveitar os colaboradores da empresa em atividades que hoje não são realizadas dentro da empresa ou são feitas por terceiros, sejam fornecedores ou uma consultoria estratégica.
Investir no letramento em IA Generativa é uma prática ainda em fase inicial e mais concentrada em países líderes em tecnologia – como EUA, China, Alemanha, Singapura e Reino Unido –, mas vista por especialistas como um ponto de urgência para as empresas que querem aumentar a produtividade e se manterem competitivas no mercado.
Em meados de 2024, a TIM Brasil investiu na capacitação de seus 10 mil colaboradores, de todos os departamentos, com treinamentos da IA Academy. Foi uma iniciativa importante para fazer o letramento dos funcionários nas principais tecnologias de mercado e estimular o desenvolvimento de habilidades que serão fundamentais nesse novo cenário.
O futuro do trabalho se apresenta menos evidente a cada dia. Contudo, a certeza de que teremos uma mudança radical nas competências necessárias dentro das empresas é latente. Adotar de forma massiva os agentes de IA e robótica é um caminho sem volta na busca de produtividade, eficiência e geração de valor. Paralelo a isso, os profissionais que investirem no seu contínuo aprendizado, em upskilling, estarão mais aptos a aproveitar as oportunidades que certamente também surgirão.
Auana Mattar é CIO da TIM Brasil e colunista na MIT Technology Review Brasil.