Você vive numa casa que projetou e construiu você mesmo. Depende do sol para obter energia, aquece sua casa com um fogão a lenha e cultiva seus próprios peixes e vegetais. O ano é 2025.
Essa é a vida de Marcin Jakubowski, o fundador de 53 anos da Open Source Ecology, uma colaboração aberta de engenheiros, produtores e construtores que desenvolvem o que chamam de Conjunto de Construção da Aldeia Global (Global Village Construction Set ou GVC, na sigla em inglês). É um conjunto de 50 máquinas — tudo, desde um trator até um forno e um criador de circuitos — capaz de construir uma civilização do zero e cujas ferramentas podem ser reconfiguradas como você quiser.
Jakubowski imigrou para os Estados Unidos vindo de Slupca, Polônia, quando criança. Seu primeiro contato com o que ele descreve como a “prosperidade da tecnologia” foi a vastidão do supermercado americano. Ver a quantidade e variedade de produtos perfeitamente maduros solidificou sua crença de que uma vida abundante e sustentável era possível nos Estados Unidos.
Com bacharelado em Princeton e doutorado em física pela Universidade de Wisconsin, Jakubowski passou a maior parte da vida na escola. Enquanto seus colegas davam início a carreiras corporativas promissoras, ele seguiu um caminho diferente após concluir o doutorado em 2003: comprou um trator para iniciar uma fazenda em Maysville, Missouri, ansioso para provar suas ideias sobre abundância. “Foi uma decisão clara de abrir mão do cubículo de escritório ou de um emprego de pesquisa de alto nível, que é tão focado em questões minúsculas que nunca se chega a trabalhar na visão do todo”, diz ele. Mas, em poucos meses, seu trator quebrou e ele logo faliu.
Toda vez que o trator apresentava defeito, ele não tinha escolha a não ser pagar à John Deere pelos reparos, mesmo sabendo como resolver o problema por conta própria. A John Deere, maior fabricante mundial de equipamentos agrícolas, continua a proibir que os agricultores consertem seus próprios tratores (exceto no Colorado, onde os agricultores conquistaram o direito ao reparo por uma lei estadual, em 2023). Consertar o próprio trator anula qualquer seguro ou garantia, de forma semelhante a desbloquear um iPhone.
Hoje, os grandes fabricantes de equipamentos agrícolas detêm controle centralizado sobre o mercado, e a maioria dos tratores comerciais é construída com peças proprietárias. Todos os anos, os agricultores pagam 1,2 bilhão de dólares em custos de reparo e perdem cerca de 3 bilhões sempre que seus tratores quebram, tudo isso porque as grandes fabricantes agrícolas fazem lobby contra o direito ao reparo desde os anos 1990. Atualmente, há ações coletivas envolvendo centenas de agricultores lutando por esse direito.
“As máquinas possuem os agricultores. Os agricultores não possuem [as máquinas]”, diz Jakubowski. Ele passou a ter certeza de que a autossuficiência dependia da autonomia agrícola, algo que só poderia ser alcançado com acesso livre à tecnologia. Assim, decidiu aplicar os princípios do software de código aberto ao hardware. Concluiu que, se os agricultores tivessem acesso às instruções e materiais necessários para construir seus próprios tratores, não apenas poderiam consertá-los, como também personalizá-los de acordo com suas necessidades. A tecnologia que muda vidas deveria estar disponível para todos, pensou ele, e não ser controlada por alguns poucos. Com seu conhecimento em engenharia mecânica, Jakubowski construiu seu próprio trator e colocou todos os esquemas online em sua plataforma Open Source Ecology.
O trator que Jakubowski construiu foi projetado para ser desmontado. Ele é uma parte essencial do GVCS, uma coleção de máquinas plug-and-play que podem “construir uma economia próspera em qualquer lugar do mundo… do zero.” O GVCS inclui uma impressora 3D, uma unidade de energia hidráulica autônoma chamada Power Cube, entre outros equipamentos, cada um desenvolvido para ser reconfigurado para múltiplos propósitos. Há até uma microcasa do GVCS. É possível usar o Power Cube para alimentar uma prensa de tijolos, uma serraria, um carro, uma fresadora CNC ou um extrusor de bioplástico e construir turbinas eólicas com as estruturas utilizadas na casa.
Jakubowski compara o GVCS a blocos de Lego e cita o ecossistema Linux como sua inspiração. Da mesma forma que o código-fonte do Linux é livre para ser inspecionado, modificado e redistribuído, todas as instruções necessárias para construir e reutilizar uma máquina do GVCS estão disponíveis gratuitamente online. Jakubowski imagina um futuro em que o GVCS funcione de modo semelhante à infraestrutura do Linux, com ferramentas personalizadas criadas para otimizar a agricultura, a construção e a fabricação de materiais em contextos locais. “A [forma final do GVCS] deve ser comprovada como capaz de permitir a produção eficiente de alimentos, abrigo, bens de consumo, automóveis, combustível e outros produtos, exceto importações exóticas (café, bananas, semicondutores avançados)”, escreveu ele em seu wiki da Open Source Ecology.
A filosofia do GVCS lembra o “Whole Earth Catalog”, uma publicação contracultural que combinava resenhas, manuais “faça você mesmo” e guias de sobrevivência entre 1968 e 1972. Fundado por Stewart Brand, o catálogo tinha o slogan “Acesso a ferramentas” e ficou famoso por promover a autossuficiência. Ele destacava amplamente o trabalho de R. Buckminster Fuller, arquiteto americano conhecido por suas cúpulas geodésicas (estruturas leves que podem ser construídas com materiais reciclados) e por cunhar o termo “efemerização”, que se refere à capacidade da tecnologia de nos permitir fazer mais com menos material, energia e esforço.
Jakubowski possui toda a coleção impressa da publicação, mas oferece uma crítica contundente ao seu legado na atual cultura de utopismo tecnológico. “As primeiras estruturas que construímos foram cúpulas. Boas ideias. Mas a parte open source disso ainda não existia. Fuller patenteou suas criações”, diz ele. Fuller e o Whole Earth Catalog podem ter popularizado uma importante filosofia de autossuficiência, mas, para Jakubowski, o fracasso deles em defender a colaboração aberta impediu que a visão definitiva de sustentabilidade se concretizasse. “O fracasso dos tecno-utopistas em se organizar em um movimento maior de produção colaborativa, aberta e distribuída resultou em um aborto da tecno-utopia”, afirma.
Ao contrário do software, o hardware não pode ser reproduzido infinitamente nem testado instantaneamente. Ele requer infraestrutura de fabricação e materiais específicos, sem mencionar uma documentação exaustiva. Existem limitações físicas, diferentes padrões de portas, variações na disponibilidade de materiais e muito mais. E agora que as cadeias de produção estão tão globalizadas que fabricar uma banheira de hidromassagem pode exigir peças de sete países diferentes e 14 estados, como podemos esperar que algo seja reproduzível no nosso próprio quintal? A solução, segundo Jakubowski, é tornar a tecnologia “apropriada”.
O termo se refere àquela projetada para ser acessível e sustentável em um contexto local específico. A ideia vem da filosofia de Gandhi de swadeshi (autossuficiência) e sarvodaya (elevação de todos) e foi popularizada pelo economista Ernst Friedrich “Fritz” Schumacher em seu livro Small Is Beautiful, que discutia o conceito de “tecnologia intermediária”: “Qualquer tolo inteligente pode tornar as coisas maiores, mais complexas e mais violentas. É preciso um toque de genialidade, e muita coragem, para seguir na direção oposta.” Como diferentes ambientes operam em diferentes escalas e com diferentes recursos, faz todo o sentido adaptar a tecnologia a essas condições. Lâmpadas solares, bicicletas, bombas d’água manuais, qualquer coisa que possa ser construída com materiais locais e mantida pela comunidade local, estão entre os exemplos mais citados de tecnologia apropriada.
Esse conceito tem sido historicamente discutido no contexto de facilitar o crescimento econômico em países em desenvolvimento e adaptar tecnologias intensivas em capital às suas necessidades. Mas Jakubowski espera torná-lo universal. Ele acredita que a tecnologia precisa ser apropriada mesmo em locais suburbanos e urbanos, com acesso a supermercados, lojas de ferragens, entregas da Amazon e outras formas de infraestrutura. Se a tecnologia for projetada especificamente para esses contextos, ele diz, a reprodução completa será possível, abrindo mais espaço para colaboração e inovação.
O que torna a tecnologia de Jakubowski “apropriada” é o uso de materiais reaproveitados e peças prontas de prateleira para construir suas máquinas. Ao utilizar materiais locais e componentes amplamente disponíveis, ele consegue contornar as complexas cadeias globais de suprimentos que a tecnologia proprietária costuma exigir. Ele também estrutura seus esquemas em torno de conceitos já familiares à maioria das pessoas interessadas em hardware, tornando suas instruções de construção mais fáceis de seguir.
Tudo o que você precisa para construir as máquinas de Jakubowski deve estar disponível ao seu redor, assim como tudo o que você precisa saber para reparar ou operar a máquina está online, de plantas e listas de materiais a instruções de montagem e protocolos de teste. “Se você tem uma chave inglesa, você tem um trator”, diz o manual.
Esse espírito remonta aos anos 1970, quando a ideia de construir coisas “saiu da garagem de aposentados e passou para a relação dos jovens com o Volkswagen”, diz Brand. Ele cita o livro de John Muir, de 1969, “How to Keep Your Volkswagen Alive: A Manual of Step-by-Step Procedures for the Compleat Idiot” (Como manter seu Volkswagen vivo: um manual de procedimentos passo a passo para o idiota completo, em tradução livre), e recorda com carinho como o design simples do Fusca e suas peças facilmente intercambiáveis tornavam comum que os donos trocassem a carroceria de um carro pelo chassi de outro. Ele também menciona o impacto dos carros Ford Model T, que, com algumas peças extras, eram transformados em tratores durante a Grande Depressão.
Para Brand, o foco na capacidade de reparo é fundamental no contexto moderno. Houve um tempo em que os tratores John Deere eram “apropriados”, nos termos de Jakubowski, diz Brand: “Um século antes, John Deere se preocupava muito em garantir que suas lâminas de arado pudessem ser desmontadas e parafusadas novamente, que fosse possível desfazê-las e refazê-las, substituir peças e assim por diante.” A empresa “atraía clientes incrivelmente fiéis porque cuidava tanto dos agricultores”, afirma Brand, “mas realmente inverteram essa lógica.” Ecoando a motivação inicial de Jakubowski para fundar a OSE, Brand insiste que a tecnologia é apropriada na medida em que é reparável.
Mesmo que seja possível encontrar todas as peças necessárias na Lowe’s, construir o próprio trator ainda é algo intimidador. Mas, para alguns, a enorme vantagem de custo já é razão suficiente para encarar o desafio: um trator GVCS custa cerca de 12 mil dólares para ser construído, enquanto um trator comercial custa, em média, 120 mil dólares, sem incluir os reparos individuais que podem ser necessários ao longo de sua vida útil, variando de 500 a 20 mil dólares cada. E, embora a tarefa possa parecer gigantesca, construir um trator GVCS ou outra máquina é viável: poucos anos após o lançamento do projeto, em 2008, mais de 110 máquinas já haviam sido construídas por entusiastas no Chile, na Nicarágua, na Guatemala, na China, na Índia, na Itália e na Turquia, só para citar alguns lugares.
Entre as muitas máquinas desenvolvidas, a que mais despertou interesse entre os entusiastas do GVCS é a apelidada de “The Liberator” (O libertador, em português) — uma prensa que compacta solo local em blocos de terra comprimida, ou CEBs, um tipo de tijolo econômico e eficiente em energia, capaz de resistir a condições climáticas extremas. Ela tem sido especialmente popular entre aqueles que desejam construir suas próprias casas: um homem chamado Aurélien Bielsa replicou a prensa de tijolos em uma pequena vila no sul da França para construir uma casa para sua família em 2018, e, em 2020, um grupo de voluntários ajudou um membro da comunidade Open Source Ecology a construir uma minicasa usando blocos de uma dessas prensas em uma vila de pescadores no norte de Belize.
Jakubowski recorda ter recebido um e-mail sobre uma das primeiras reproduções completas da prensa de blocos de terra comprimida (CEB), construída por um texano chamado James Slate, que acabou abrindo um negócio vendendo os tijolos: “Quando [James] me enviou uma foto [da nossa prensa de tijolos], achei que fosse uma cópia feita no Photoshop da nossa máquina, mas era a dele. Ele simplesmente baixou os planos da internet. Eu não sabia de nada.” Slate contou ter pouca experiência prévia em engenharia antes de construir a prensa. “Fiz algumas aulas de mecânica no ensino médio. Venho basicamente do mundo da computação e TI”, disse em uma entrevista à Open Source Ecology. “Praticamente qualquer pessoa pode construir uma, se se dedicar.”
Andrew Spina, um dos primeiros entusiastas do GVCS, concorda. Spina passou cinco anos construindo versões do trator e do Power Cube do GVCS, ansioso para criar meios de autossuficiência em escala individual. “Estou construindo meu próprio trator porque quero entendê-lo e ser capaz de mantê-lo”, escreveu em seu blog Machining Independence. A curiosidade de Spina aponta para uma questão mais ampla: a alfabetização tecnológica. Quanto mais terceirizamos para tecnologias proprietárias, menos entendemos como as coisas funcionam, reforçando ainda mais nossa dependência dessas mesmas tecnologias. A transparência é essencial para a filosofia de código aberto justamente porque nos ajuda a sermos autossuficientes.
Desde que fundou a Open Source Ecology, Jakubowski tem sido o principal arquiteto por trás das dezenas de máquinas disponíveis em sua plataforma, testando e aperfeiçoando seus projetos em um terreno que ele chama de Factor e Farm, em Maysville. A maioria dos entusiastas do GVCS reproduz as máquinas de Jakubowski para uso pessoal; apenas alguns poucos contribuíram diretamente para o conjunto. Entre esses poucos, muitos fizeram visitas dedicadas à fazenda por semanas a fio para aprender a construir a coleção GVCS de Jakubowski. James Wise, um dos primeiros e mais antigos colaboradores do GVCS, recorda ter montado tendas e dormido em seu carro para participar das sessões no ateliê de Jakubowski, onde os visitantes se reuniam para iterar sobre os projetos: “Tínhamos uma tela na parede mostrando nossa melhor ideia do momento. E então discutíamos sobre ela.” Wise não se considera particularmente experiente em engenharia, mas, após trabalhar com outros participantes visitantes, sentiu-se mais confiante para contribuir. “A maior parte do [meu] conhecimento veio dos [meus] colegas”, diz ele.
O objetivo de Jakubowski de fortalecer a colaboração depende de um certo grau de proficiência coletiva. Sem uma comunidade com habilidades em hardware, a inovação orgânica que a abordagem open source promete dificilmente florescerá, mesmo que os projetos de Jakubowski sejam perfeitamente apropriados e detalhadamente documentados.
“É por isso que estamos abrindo uma escola!”, disse Jakubowski, ao ser questionado sobre seu plano para desenvolver alfabetização em hardware. No início deste ano, ele anunciou a Future Builders Academy, um programa de aprendizagem no qual os participantes serão ensinados em todas as habilidades necessárias para desenvolver e construir as casas acessíveis e autossustentáveis que são seu mais novo empreendimento. As Seed Eco Homes, como Jakubowski as chama, são casas modulares “em escala humana e painelizadas”, equipadas com biodigestor, bateria térmica, sistema de resfriamento geotérmico e energia solar. Cada casa é totalmente independente em termos energéticos e pode ser construída em cinco dias, a um custo de cerca de 40 mil dólares. Mais de oito dessas casas já foram construídas em todo o país, e o próprio Jakubowski vive na primeira versão do projeto. As Seed Eco Homes são a culminação de seu trabalho com o GVCS: a estrutura de cada casa combina partes da coleção e incorpora sua filosofia modular. O empreendimento representa o objetivo maior de Jakubowski de tornar a tecnologia cotidiana acessível. “A moradia [é o] maior custo na vida de uma pessoa e a chave para muito mais”, diz ele.
O objetivo final da Open Source Ecology é uma sociedade de “custo marginal zero”, em que produzir uma unidade adicional de um bem ou serviço custe quase nada. A interpretação de Jakubowski desse conceito (popularizado pelo economista e teórico social americano Jeremy Rifkin) parte da premissa de que, ao eliminar taxas de licenciamento, descentralizar a manufatura e promover a colaboração por meio da educação, podemos desenvolver uma tecnologia verdadeiramente equitativa que nos permita ser autossuficientes. O hardware de código aberto não se trata apenas de ajudar agricultores a construir seus próprios tratores; para Jakubowski, é uma completa reorientação da nossa relação com a tecnologia.
Na primeira edição do Whole Earth Catalog, uma das principais inspirações para o projeto de Jakubowski, Brand escreveu: “Somos como deuses e é melhor aprendermos a agir como tal.” Em 2007, num livro sobre a publicação, ele se corrigiu: “Somos como deuses e temos que aprender a agir como tal.” Hoje, Jakubowski desenvolve essa ideia: “Estamos nos tornando deuses com a tecnologia. No entanto, a tecnologia tem falhado terrivelmente conosco. Vimos grandes avanços com a civilização. Mas quão livres as pessoas são hoje em comparação com outros tempos?” Advertindo contra nossa dependência da tecnologia proprietária que usamos diariamente, ele propõe uma nova abordagem: o progresso deve significar não apenas alcançar avanços tecnológicos, mas também tornar a tecnologia cotidiana equitativa.
“Não precisamos de mais tecnologia”, diz ele. “Só precisamos colaborar com o que já temos.”



