A obra do economista Don Tapscott, baseada em uma pesquisa com mais de 11 mil jovens de várias partes do mundo, oferece uma análise profunda dos comportamentos, valores e habilidades da chamada “Net Generation” (composta por pessoas nascidas entre 1980 e 2000), que valorizam a flexibilidade e buscam equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Nesse contexto, uma pesquisa realizada em 2023, no Brasil, demonstra que 47% da Geração Z e 46% dos millennials estão satisfeitos com esse equilíbrio, índices superiores às médias globais. Quando olhamos o contexto tecnológico, 85% da GenZ e 94% dos Millennials acreditam que o uso da IA vai possibilitar mais tempo livre e melhorar a qualidade de vida.
Os riscos que os excessos podem trazer para a saúde mental, emocional e social
Por outro lado, a Net Generation enfrenta alguns desafios. O mais preocupante é a dependência excessiva da tecnologia. Estudos recentes indicam que o uso exagerado de tecnologia está diretamente associado ao aumento de transtornos como ansiedade, depressão e estresse digital. Tanto que a inclusão do uso abusivo de jogos eletrônicos, a chamada gaming disorder, foi incluída na nova versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11), especificamente na seção de transtornos que podem causar vício. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda não tenha oficialmente reconhecido a “Nomofobia” (medo irracional de estar sem celular ou aparelho eletrônico) como um transtorno de saúde mental, vários estudos apontam para a gravidade deste comportamento cada vez mais comum em jovens e adultos.
Um dado local deflagra o tamanho do problema: o Brasil já ocupa a 2ª posição mundial em tempo de tela do mundo, em média 9 horas por dia, com cerca de 56% do tempo gasto com utilização de redes sociais, buscadores ou apenas trabalho em frente ao computador, segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo.
Além das duas doenças citadas acima, a mesma pesquisa aponta outros comportamentos disfuncionais, como Selfitis e Phubbing – prática de ignorar a companhia de outras pessoas em favor do uso do celular, prejudicando a interação social presencial) – Síndrome do Texto Fantasma – a angústia de não receber resposta após enviar uma mensagem de texto ou ser ignorado, gerando ansiedade e insegurança nas relações virtuais –, Cyberchondria – tendência de pesquisar sintomas de doenças na internet, levando a uma interpretação exagerada e ansiosa dos resultados). Estudos sobre outro o problema, o FOMO (Fear Of Missing Out ou “Medo de perder”) sugerem, ainda, a redução do bem-estar social e ao aumento de sintomas depressivos.
Nesse rol, um estudo aprofundado sobre os fatores socioculturais que contribuem para esse fenômeno poderia enriquecer o debate e, muito provavelmente, contribuir para algumas políticas públicas focadas neste tema, como a recente restrição do uso de celulares nas escolas de ensino fundamental em todo o Brasil.
Algumas soluções estão à vista: recentemente, a Microsoft realizou um estudo que destacou a importância das pausas entre reuniões consecutivas para reduzir o estresse e a fadiga mental. Para materializar a sugestão, a empresa introduziu configurações no Microsoft Outlook que permitem agendar reuniões com intervalos automáticos, promovendo pausas regulares para os colaboradores.
Sobre as gerações anteriores
Refletindo sobre a sociedade digital contemporânea, o educador Marc Prensky apresenta uma distinção fundamental entre dois grupos de indivíduos: os nativos digitais correspondem às gerações millennials e Z. Os imigrantes digitais, por sua vez, incluem as gerações mais velhas que se adaptaram à tecnologia em um estágio posterior. Embora elas possam dominar o uso de dispositivos e plataformas digitais, seu pensamento ainda é influenciado por métodos e práticas analógicas.
Para os nativos digitais, a tecnologia é parte essencial da vida cotidiana e alterou significativamente a forma como estes jovens pensam, aprendem e se comunicam, introduzindo um desafio para educadores e organizações ao lidar com gerações que possuem diferentes níveis de fluência tecnológica.
Nesse contexto, a transformação digital é uma das áreas onde os nativos digitais exercem maior influência. Eles não apenas demandam o uso de tecnologias inovadoras, mas também desempenham um papel ativo em sua implementação, automatizando tarefas repetitivas; aumentando a produtividade; contribuindo para a tomada de decisões baseada em dados, devido à facilidade de utilizar ferramentas analíticas; e incentivando as organizações a experimentarem novas soluções tecnológicas e a se manterem à frente das tendências.
Aliado a isso, a digitalização exige que empresas adotem uma mentalidade ágil, aberta à experimentação, inovação e aprendizado contínuo. Sob a liderança de Satya Nadella, a Microsoft passou de uma cultura hierárquica e rígida para uma organização focada em um mindset de crescimento, inovação e colaboração.
A tecnologia compartilhada pelos nativos digitais facilita, ainda, a integração entre áreas, estimulando a colaboração e a transparência, e promovendo uma visão mais sistêmica e holística da organização. Um caso de sucesso é o Banco Itaú, que implementou métodos ágeis e squads multidisciplinares para acelerar a inovação, melhorando a experiência do cliente e quebrando barreiras entre setores.
Outro exemplo é a Magazine Luiza, que fez a transição de uma varejista tradicional para um ecossistema digital, investindo fortemente em omnichannel, inteligência artificial e digitalização dos vendedores.
Em suma, a introdução de novas tecnologias não só modifica processos operacionais, mas também exige mudanças profundas na cultura corporativa, no comportamento das equipes e na forma como a empresa se relaciona com clientes, colaboradores e stakeholders.
Para as organizações que buscam se manter competitivas e relevantes, abraçar as contribuições desta geração é essencial para criar um futuro mais inovador, inclusivo e conectado.
Os impactos negativos
Por outro lado, a Geração Z enfrenta algumas limitações no ambiente corporativo, especialmente em comparação com as gerações anteriores. Vejamos algumas:
- Experiência limitada: Eles carecem de experiência prática em processos organizacionais.
- Imediatismo: Acostumados à rapidez do mundo digital, podem demonstrar impaciência diante de projetos de longa duração ou processos burocráticos.
- Preferência por flexibilidade: Demandam modelos de trabalho mais flexíveis, o que pode colidir com culturas organizacionais tradicionais. No Brasil, 73% da Geração Z e 66% dos millennials preferem um modelo de trabalho híbrido.
Um exemplo de como flexibilização reforçou uma cultura de confiança e autonomia, alinhada às demandas da transformação digital é a Spotify, que adotou o modelo “Work From Anywhere”, permitindo que os funcionários escolhessem onde e como trabalhar, conforme sua preferência e em acordo com seus gestores. A empresa observou benefícios significativos com essa abordagem, incluindo uma redução de 15% na taxa de rotatividade de funcionários, aumento na diversidade da força de trabalho e melhorias na eficiência, engajamento e bem-estar dos funcionários. - Desafios na comunicação intergeracional: a geração Z acredita na maior eficiência das comunicações digitais, ao mesmo tempo em que valoriza a transparência, a autenticidade e o propósito em suas ações e relacionamentos.
Mito ou realidade?
Por outro lado, alguns pontos normalmente citados como negativos nesta geração foram desmistificados em uma pesquisa realizada pela PWC em Parceria com a FGV- EAESP, em 2024. Partindo do conceito de diversidade geracional, o estudo teve um duplo propósito: entender como o tema tem sido tratado nas empresas em termos de iniciativas, políticas e práticas de gestão; e aprofundar o conhecimento sobre como os profissionais percebem essas ações e a convivência intergeracional.
A mesma pesquisa deixa claro, também, que o trabalho é um tema central na vida de todas as gerações. No entanto, essa relação parece ser percebida de maneira distinta pelos profissionais de diferentes faixas etárias, algo que também parece ter se modificado ao longo dos anos: gerações mais jovens costumam ser mais pragmáticas quanto ao papel do trabalho em suas vidas, cumprindo o que foi determinado, dentro do tempo de trabalho especificado.
Independentemente da geração, os elementos mais valorizados ainda são remuneração e crescimento profissional. Paradoxalmente, constata-se uma insuficiência de programas de remuneração, benefícios, capacitações e desenvolvimento customizados para cada geração. Nesse cenário, a maioria das empresas não adota planos de carreira diferenciados para profissionais com mais de 40 anos, nem medidas de design ergonômico adaptadas às características dessa força de trabalho.
Quando falamos em gerações mais antigas, é importante ter em mente que o Brasil é um país que vem envelhecendo de modo exponencial desde os anos de 1980. Atualmente, metade da população do país já ultrapassou os 35 anos, e o número total de pessoas idosas cresceu 57,4% entre 2010 e 2022. Por fim, nos último 30 anos, a expectativa de vida aumentou de 66,9 para 75,5 meses (2022).
Entretanto, apesar destes e de outros indicadores disponíveis, 70% dos respondentes da pesquisa acredita que suas organizações simplesmente não levam esse fator em consideração ao planejar sua força de trabalho.
Outro dado preocupante é que apenas 25% afirmam que sua empresa possui algum tipo de iniciativa ou programa para grupos etários mais antigos, ao passo que 95% dos respondentes concordem que existem benefícios na convivência de pessoas de diferentes gerações na empresa. Isso se integra à busca de um ambiente corporativo mais democrático e integrado.
Empresas bem-sucedidas entendem que a digitalização não tem um fim. Ela representa, na verdade, uma evolução constante na cultura organizacional, precisando ser trabalhada ativamente para garantir engajamento.
Como mudar a realidade?
Para que haja engajamento e uma cultura participativa, é preciso criar um ambiente favorável à inclusão dos profissionais que já estão nas empresas, bem como das futuras gerações, implementando medidas que impactem:
- Na gestão do conhecimento, preservando seu capital intelectual;
- No aumento da inovação;
- Na sustentabilidade econômica, social e ambiental;
- Na redução de conflitos;
- No aumento do índice de satisfação do empregado;
- No aumento de produtividade;
- Em práticas de liderança inclusivas;
- Na melhoria da reputação da empresa; e
- No aumento da flexibilidade e resiliência organizacionais e no aumento da qualidade nas tomadas de decisão.
Empresas que adotam boas práticas de diversidade e inclusão ajustam suas medidas conforme fatores organizacionais. Nesse contexto, elas promovem a interação entre diferentes gerações, incentivam a troca de conhecimento intergeracional, revisam suas políticas de gestão de pessoas e discutem novos modelos de trabalho inclusivos. Além disso, combatem o etarismo com ações concretas, valorizam profissionais acima dos 40 anos e buscam prolongar sua contribuição à organização, tornando-os agentes de transmissão de conhecimento. Cabe refletir que nenhuma ação será bem-sucedida se indivíduo, organização e sociedade não desenvolverem um framework baseado em inteligência emocional, implementando autoconhecimento para identificar vieses inconscientes, criando dinâmicas de flexibilidade cognitiva e empatia para conseguir se conectar emocionalmente com o outro e entender as perspectivas diferentes das suas, e investindo em habilidades interpessoais para uma comunicação mais certeira.
Em suma, não basta investir em ferramentas digitais. É essencial mudar mentalidades, processos e práticas. Para isso, é essencial incluir diferentes gerações, estimulando a pluralidade e a inovação.