O futuro da previsibilidade
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O futuro da previsibilidade

À medida que o nosso mundo se torna cada vez mais complexo, a incerteza em relação ao futuro aumenta. Será que a Inteligência Artificial pode fornecer soluções para essas incertezas, ou serão necessárias ferramentas alternativas para lidar com a imprevisibilidade?

O que você encontrará neste artigo:

Disrupção sistêmica
Até onde um bom julgamento facilita a previsão?
Previsões além de incentivos e dados

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A disrupção sistêmica gera imprevisibilidade

A disrupção sistêmica, caracterizada por uma cascata de disrupções constantes no nosso mundo hiperconectado, nos obriga a enfrentar a imprevisibilidade. A pandemia de Covid-19 serviu como um exemplo claro. Seguiram-se mudanças geopolíticas, crises energéticas e disrupções na cadeia de abastecimento. Até mesmo o domínio tecnológico não está imune, como evidenciado pelas interrupções em grande escala causadas por atualizações de software aparentemente inofensivas em julho de 2024. O incidente da CrowdStrike ilustra como um único deslize pode provocar grandes disrupções, mesmo sem interações complexas de IA ou intenções maliciosas. A disrupção sistêmica está se manifestando de maneira intensa em todo o mundo hoje.

Essa é apenas a ponta do iceberg quando se trata da imprevisibilidade intrínseca do mundo. Um único evento, ou uma combinação de mudanças interseccionais, pode transformar o panorama econômico global, afetando o destino de setores inteiros, empresas, profissões e nações.

À medida que o nosso mundo se torna mais complexo, a incerteza inerente ao futuro aumenta. Eventos considerados “históricos” ou “únicos” estão se tornando comuns. Nesse ambiente em que o “sem precedentes” virou rotina, nossa compreensão do mundo deve evoluir.

O fim das tendências: metatendências ou metadisrupções?

Em seu livro Megatendências, de 1982, John Naisbitt definiu megatendências (“megatrends”) como processos transformadores de grande escala com alcance global e impacto significativo. As megatendências são forças motrizes de alto nível que impulsionam mudanças amplas na sociedade, sendo percebidas como relativamente inevitáveis e estáveis.

Da mesma forma, as metatendências (“metatrends”) vão além das mudanças individuais, representando um impacto global transformador resultante da confluência de vários fatores determinantes. O prefixo “meta” representa um nível superior de abstração. Elas podem envolver mudanças significativas na economia global, geopolítica, guerras, políticas governamentais e no setor energético.

Embora as definições de tendências, megatendências ou metatendências sejam subjetivas, os relatórios de tendências trazem características em comum. Primeiro, extrapolam a história para antever o futuro. Segundo, mesmo que não estejam interligadas, as tendências são apresentadas como se interagissem de maneira previsível. Terceiro, a análise de tendências não leva em conta implicações mais complexas.

Extrapolar tendências é perigoso, principalmente com base em suposições equivocadas. Com o tempo, as suposições se amplificam. Suposições equivocadas se acumulam e se tornam problemáticas. Quanto maior o ritmo da mudança, mais difícil será compreender a trajetória de longo prazo de uma metatendência ao analisar o passado.

Em contraste com as tendências, as disrupções não são contínuas. Elas reconhecem futuros que estabelecem novos paradigmas, que podem evoluir de forma inesperada. A incapacidade de compreender o impacto inicial é a razão pela qual a disrupção só se torna evidente em retrospectiva.

Metadisrupções causam disrupção sistêmica

Em Disrupt With Impact, Roger Spitz cunhou o termo metadisrupções (“metaruptions”), combinando disrupção com o prefixo “meta”, para contrastar com as megatendências de Naisbitt. Uma metadisrupção é uma família multidimensional de disrupções sistêmicas que causam efeitos generalizados e autoperpetuadores, modificando a própria noção de disrupção. As metadisrupções são caracterizadas pelas interações dinâmicas de fatores subordinados de mudança.

À medida que as mudanças iniciais se alastram, os impactos das metadisrupções se combinam para modificar outros elementos, acabando por perturbar a própria disrupção.

Metadisrupções desafiam os manuais. Precisamos antecipar as perguntas a serem feitas e investigar as questões fundamentais por trás delas. As metadisrupções exigem a capacidade de identificar problemas de forma adaptativa em meio à incompreensão. Dominar a linguagem das metadisrupções implica manter-se engajado enquanto os paradigmas mudam.

Até onde um bom julgamento facilita a previsão?

Em 2015, Philip Tetlock e Dan Gardner descobriram que previsores amadores eram frequentemente mais precisos do que os especialistas. O livro deles, Superforecasting, foi baseado em dados do Good Judgment Project (GJP).

A pesquisa do GJP descobriu que determinadas pessoas (“superprevisores”) são extremamente hábeis na atribuição de probabilidades a resultados possíveis, porque assumem perspectivas diferentes, conciliam argumentos conflitantes e revisam suas crenças.

Mas a previsão é inerentemente especulativa. Portanto, para compreender por que os superprevisores são tão qualificados, temos de reformular os graus de incerteza, assim como a própria natureza da previsibilidade.

Reformulação da previsibilidade

Figura 1: Risco, incerteza, incerteza profunda

Avaliar a previsibilidade requer uma compreensão dos graus de certeza:

  • Risco: mais previsível – Todos os parâmetros, resultados e probabilidades podem ser conhecidos. Por exemplo, o risco de um fumante morrer de câncer de pulmão.
  • Incerteza: alguma previsibilidade – A natureza dos acontecimentos futuros é conhecida, mas as suas probabilidades são incalculáveis. Por exemplo, as chances de uma recessão, de a China se tornar a primeira economia do mundo ou de uma pandemia. É aqui que os superprevisores prosperam.
  • Incerteza profunda: menos previsível – As partes interessadas não conseguem chegar a um acordo sobre a natureza dos potenciais estados futuros, muito menos sobre as suas probabilidades. Os resultados possíveis são numerosos e impossíveis de saber. À medida que os eventos ocorrem, sua interação com outros cenários dinâmicos pode ser inimaginável. Exemplos incluem o grau de elevação do nível do mar e a submersão global, a colonização de Marte, a Singularidade ou a Inteligência Artificial em geral e a forma como essas possibilidades podem interagir.

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A incerteza profunda impede a previsibilidade

Quando os parâmetros são conhecidos, nós (e os superprevisores) somos capazes de fazer previsões. No entanto, na incerteza profunda, inúmeras variáveis desconhecidas dificultam a previsibilidade.

O aspecto mais desafiador do prognóstico é que nosso mundo complexo é profundamente incerto e está se tornando cada vez mais. Responder a perguntas específicas e baseadas em probabilidade, como a pergunta do GJP “A Coreia do Norte lançará um novo míssil multiestágio no próximo ano?”, é diferente de responder a perguntas sobre possíveis estados futuros em ambientes profundamente incertos.

Figura 2: Previsão × Prospectiva

A incerteza profunda significa que, muitas vezes, não teremos visibilidade em termos dos tipos de eventos que poderão acontecer. Exemplos incluem:

  • clima (Quais são as consequências futuras das alterações climáticas? Que cidades ficarão submersas e em que momento e intensidade? Quais são os impactos dos desastres naturais, como inundações e incêndios, principalmente se o mundo continuar sem a devida preparação? Quais são as repercussões e os efeitos dos perigos compostos?);
  • eventos raros, mas de alto impacto (Quais podem ser? A natureza e os impactos de eventos raros, incluindo crises financeiras sistêmicas, um surto de guerra biológica ou um colapso extremo da internet e da conectividade global? Quais são os seus riscos compostos?);
  • espaço (Quando começará a comercialização do espaço? Até que ponto ela se tornará comum e quais serão as consequências para a vida na Terra e no espaço? Como a ascensão da China se refletirá no espaço?);
  • Inteligência Artificial geral, ou AGI (Como compreender os desenvolvimentos tecnológicos futuros, como as chances de uma Singularidade (IA excedendo os níveis humanos) e as ramificações da inteligência das máquinas emao nível humano? Quais desenvolvimentos tecnológicos futuros são imagináveis (ou inimagináveis)? Alcançar a AGI é realmente possível?);
  • sistemas de IA superinteligentes (O que acontecerá se a nossa criação ultrapassar a inteligência humana combinada e superar nossa capacidade de controlá-la? Ela poderia buscar metas que representem uma ameaça à sobrevivência da nossa espécie?);
  • futuro da vida e da humanidade (Quais são os impactos dos avanços na genômica e na longevidade, das inovações em biologia sintética e dos desenvolvimentos na criação de vida artificial?); e
  • cascatas de impacto (Como essas incertezas profundas se transformam em uma bola de neve à medida que colidem, se cruzam-se e se combinam?).

A tabela abaixo compara os fatores que impulsionam a previsibilidade e a imprevisibilidade.

Fonte: Disruptive Futures Institute

Previsões além de incentivos e dados

As previsões sobre o futuro devem ser esmiuçadas – ninguém sabe como o futuro vai se desdobrar. Qualquer pessoa paga para fazer previsões tem interesse nos resultados. Além disso, consultores, economistas, banqueiros, analistas, previsores e algoritmos que afirmam ter capacidades preditivas baseadas em dados extrapolam, de alguma forma, o passado.

Apesar do exagero, a Inteligência Artificial pode não ser muito melhor do que os humanos em sistemas não lineares, dinâmicos e complexos (por enquanto). A força preditiva da IA reside em situações relativamente estáveis que podem ser compreendidas pelo reconhecimento de padrões em escala, considerando resultados bem definidos. Aqui, enfrentamos um ambiente linear, portanto, há uma série de respostas certas, incógnitas conhecidas e relações diretas de causa e efeito, que podem ser analisadas para avaliar a melhor resposta ex-ante. Por outro lado, em ambientes profundamente incertos, a causalidade só pode ser avaliada retrospectivamente, as relações são imprevisíveis, e os elementos móveis são interdependentes.

Embora haja uma grande quantidade de dados, eles não foram suficientes para evitar os maiores índices de inflação em décadas. O poderoso Tesouro dos EUA admitiu a sua total falta de compreensão daquilo que chamou de choques “inesperados” na economia.

Cenários como alternativa à previsão

As abordagens tradicionais de planejamento pressupõem um mundo previsível. Tentar prever uma resposta é razoável ao abordar questões claramente definidas em ambientes estáveis. No entanto, quando as variáveis e as suas interações são desconhecidas, confiar apenas nas previsões pode ser prejudicial, principalmente quando as decisões dependem da sua precisão. O futuro não está mapeado; não se pode confiar na modelagem de incertezas para gerar certeza.

As suposições são inevitáveis, portanto, mentalidades voltadas para futuros não impedem a sua utilização. Apesar disso, com a prospectiva, não procuramos um resultado singular. A prospectiva é a capacidade de explorar sistemicamente os futuros possíveis, bem como os fatores determinantes da mudança, a fim de fundamentar a tomada de decisões de curto prazo. Perguntamos “Por quê?”, “Por que não?”, “E se?”. Para essas questões focadas no futuro, não há dados.

Figura 3: Plano Estratégico × Futuros

Na prospectiva, os insights da análise histórica e das tendências são úteis para a criação de sentido, mas apenas para fornecer uma imagem instantânea do mundo atual como base. Nossa imaginação constrói diferentes cenários, resultados e futuros possíveis.

O planejamento de cenários foi originalmente desenvolvido nas décadas de 1950 e 1970 e se baseia no planejamento estratégico linear. As principais diferenças são que os futuros são diferentes do passado, os prazos mais longos têm importância, e os impactos de ordem seguinte devem ser considerados. Bons cenários ajudam a resolver problemas de maneira diferente, porque podem revelar novas possibilidades e despertar esperança.

Pensar no futuro a longo prazo não deve comprometer o presente. Só o presente existe, por isso, todas as nossas decisões relativas a futuros a longo prazo precisam ser traduzidas para o agora.

Liderança antecipatória utilizando a imprevisibilidade

Em sistemas complexos, não existem interações simples. As mudanças em uma área podem produzir resultados aparentemente não relacionados em outra, o que pode ser um desafio para a tomada de decisões. O líder com uma visão antecipatória reconhece que os sistemas se autorregulam pelo feedback. O resultado de uma interação influencia a próxima interação.

Para enfrentar o ambiente imprevisível de hoje, todos precisamos ser tomadores de decisão ágeis. Conciliar as prioridades de curto prazo com as aspirações de longo prazo pode ser complicado quando a mudança é o padrão. Isso demanda a implementação de uma governança antecipatória, a criação de bases antifrágeis e o uso ativo da nossa agência, estando sempre preparados para agir com rapidez em novos ambientes.

Prospectiva é preparação, não previsão

O objetivo do desenvolvimento de cenários é a preparação, não a previsão. Essa preparação ajuda a lidar com qualquer eventualidade, além dos poucos cenários futuros que foram imaginados.

À medida que avaliamos as oportunidades e os riscos dos nossos cenários, examinamos minuciosamente as suas potenciais consequências. Assim, conseguimos construir resiliência para sustentar até mesmo os resultados mais críticos.

A prospectiva não tem bola de cristal. Ela prepara você para os imprevistos. O futuro da previsão é a imaginação.

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