O que vem a seguir para a energia nuclear
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O que vem a seguir para a energia nuclear

Mudanças globais, avanços tecnológicos e demanda de data centers: veja o que está por vir em 2025 e nos próximos anos.

Embora reatores nucleares estejam gerando energia ao redor do mundo há mais de 70 anos, o momento atual representa uma possível transformação radical para essa tecnologia.

Com o aumento da demanda por eletricidade no mundo inteiro — impulsionada por veículos elétricos, data centers e muito mais — há um interesse renovado em ampliar a capacidade nuclear, estender a vida útil de usinas existentes e até reabrir instalações que haviam sido desativadas. Também crescem os esforços para repensar os projetos de reatores, e 2025 marca um teste importante para os chamados reatores avançados, que começam a sair do papel e entrar na fase de construção.

Isso é significativo porque a energia nuclear oferece uma fonte estável de eletricidade, justamente quando as mudanças climáticas elevam as temperaturas globais a novos patamares e a demanda por energia dispara em todo o mundo. Veja o que esperar a seguir para o setor.

Um mosaico global

Nos últimos dois anos, houve um novo compromisso com a energia nuclear em diversas partes do mundo, incluindo um acordo firmado nas negociações climáticas da ONU no qual 31 países se comprometeram a triplicar a capacidade global de energia nuclear até 2050. No entanto, as perspectivas para o setor variam bastante dependendo de onde se observa.

Os Estados Unidos atualmente abrigam o maior número de reatores nucleares operacionais do mundo. Se o país de fato triplicasse sua capacidade instalada, isso significaria adicionar cerca de 200 gigawatts de nova capacidade de energia nuclear aos aproximadamente 100 gigawatts atuais — um número impressionante. E isso sem contar a substituição dos reatores antigos que devem ser desativados. Mas o país parece estar em uma espécie de impasse. Um novo reator na usina de Vogtle, na Geórgia, entrou em operação no ano passado (após longos atrasos e estouros de orçamento), mas atualmente não há grandes reatores convencionais em construção ou em análise pelos órgãos reguladores nos EUA.

Este ano também traz um clima de incerteza para a energia nuclear nos Estados Unidos, com a posse do novo governo Trump. Embora a tecnologia tenda a contar com amplo apoio político, é possível que políticas como tarifas de importação afetem o setor ao aumentar o custo de materiais de construção, como o aço, afirma Jessica Lovering, cofundadora do Good Energy Collective, uma organização de pesquisa em políticas públicas que defende o uso da energia nuclear.

Globalmente, a maioria dos reatores em construção ou em fase de planejamento está na Ásia, e o crescimento da China é particularmente impressionante. A primeira usina nuclear do país foi conectada à rede elétrica em 1991 e, em apenas algumas décadas, a China construiu a terceira maior frota nuclear do mundo, atrás apenas da França e dos EUA. O país deve conectar quatro grandes reatores à rede ainda este ano, e outros estão programados para entrar em operação em 2026.

Neste ano, tanto Bangladesh quanto a Turquia iniciarão a operação de seus primeiros reatores nucleares. O Egito também está construindo sua primeira usina nuclear, embora não se espere que ela entre em operação por vários anos.

Avanços em curso

Os reatores nucleares comerciais atualmente conectados à rede elétrica — e a maioria dos que estão em construção — seguem, em geral, um projeto semelhante: o combustível que alimenta o reator é urânio pouco enriquecido, e a água é usada como refrigerante para controlar a temperatura interna.

Mas os reatores avançados, mais modernos, estão cada vez mais próximos do uso comercial. Uma ampla variedade desses chamados reatores da Geração IV está em desenvolvimento ao redor do mundo, todos se desviando de alguma forma do projeto convencional, na tentativa de melhorar a segurança, a eficiência — ou ambos. Alguns usam sal fundido ou um metal como o chumbo como refrigerante, enquanto outros utilizam uma versão mais enriquecida do urânio como combustível. Frequentemente, há uma combinação personalizada de tipos de combustível e métodos de resfriamento.

Os próximos anos serão cruciais para a tecnologia nuclear avançada, à medida que propostas e projetos caminham rumo à fase de construção. “Estamos vendo reatores de papel se transformarem em reatores reais”, diz Patrick White, diretor de pesquisa da Nuclear Innovation Alliance, um think tank sem fins lucrativos.

Grande parte do financiamento e da atividade industrial em reatores avançados está concentrada nos Estados Unidos, onde várias empresas estão próximas de demonstrar suas tecnologias.

A Kairos Power está construindo reatores resfriados por sal fundido, especificamente um material com flúor chamado Flibe. A empresa recebeu uma licença de construção da Comissão Reguladora Nuclear dos EUA (NRC) para seu primeiro reator de demonstração no final de 2023, e uma segunda licença para outra planta no final de 2024. A construção de ambas as instalações ocorrerá ao longo dos próximos anos, e o plano é concluir a primeira unidade de demonstração em 2027.

A TerraPower é outra empresa sediada nos EUA que trabalha com reatores da Geração IV, embora o projeto de seu reator Natrium utilize sódio líquido como refrigerante. A empresa também está adotando uma abordagem um pouco diferente para a construção: ao separar as partes nucleares e não nucleares da instalação, conseguiu iniciar as obras de parte do seu complexo em junho de 2024. Ela ainda aguarda a aprovação da NRC para iniciar a construção da parte nuclear, o que a empresa espera conseguir até 2026.

Um projeto do Departamento de Defesa dos EUA pode ser o primeiro reator da Geração IV em desenvolvimento a gerar eletricidade — embora em escala bastante reduzida. O Project Pele é um microrreator transportável que está sendo fabricado pela BWXT Advanced Technologies. A montagem está prevista para começar no início deste ano, com o transporte até o local final, no Laboratório Nacional de Idaho, esperado para 2026.

Os reatores avançados certamente não se limitam aos Estados Unidos. Mesmo enquanto a China continua construindo rapidamente reatores convencionais, o país também começa a se destacar em diversas tecnologias avançadas. Grande parte do foco está nos reatores resfriados a gás de alta temperatura, afirma Lorenzo Vergari, professor assistente da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign. Esses reatores utilizam gás hélio como refrigerante e alcançam temperaturas acima de 1.500 °C — muito superiores às de outros projetos.

O primeiro reator comercial de demonstração desse tipo na China entrou em operação no final de 2023, e uma série de reatores maiores que empregam essa tecnologia já está em fase de planejamento ou em construção.

Aumentando a capacidade

Levará anos — ou até décadas — para que mesmo os projetos de reatores avançados mais adiantados realmente tragam retorno em forma de grandes volumes de eletricidade na rede. Por isso, diante da crescente demanda global por energia, há um interesse renovado em extrair o máximo possível das usinas nucleares já existentes.

Uma tendência que ganhou força em países com frotas nucleares relativamente antigas é a extensão de licenças. Embora muitas usinas construídas no século XX tenham sido originalmente licenciadas para operar por 40 anos, não há razão para que muitas delas não possam funcionar por mais tempo — desde que sejam bem mantidas e alguns equipamentos sejam substituídos.

Órgãos reguladores nos Estados Unidos concederam extensões de 20 anos para grande parte da frota de reatores, elevando a vida útil esperada de muitos deles para 60 anos. Alguns poucos reatores tiveram suas licenças estendidas ainda mais — para até 80 anos. Países como França e Espanha também prorrogaram recentemente as licenças de operação de reatores além do limite inicial de 40 anos. Essas extensões devem continuar, e os próximos anos podem ver mais reatores nos EUA sendo relicenciados para operar por até 80 anos.

Além disso, há interesse em reabrir usinas desativadas, especialmente aquelas que foram fechadas recentemente por motivos econômicos. A usina nuclear de Palisades, em Michigan, é alvo de um desses esforços, e o projeto conseguiu um empréstimo de US$ 1,52 bilhão do Departamento de Energia dos EUA para ajudar nos custos de reativação. A Holtec, proprietária e operadora da usina, pretende colocá-la novamente em operação em 2025.

No entanto, a NRC informou a possibilidade de danos em alguns equipamentos da usina, especificamente nos geradores de vapor. Dependendo da extensão dos reparos necessários, o custo adicional pode tornar a reabertura economicamente inviável, afirma White.

Um reator da antiga usina nuclear de Three Mile Island também está na mira. O proprietário do local afirma que o reator poderia voltar a operar até 2028, embora disputas sobre sua reconexão à rede elétrica possam se desenrolar ao longo do próximo ano. Por fim, os proprietários do Duane Arnold Energy Center, em Iowa, estariam considerando reabrir a usina nuclear, que foi desativada em 2020.

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O grande apetite da Big Tech

Um dos fatores que impulsionam o crescente interesse pela energia nuclear é o crescimento impressionante da inteligência artificial, que depende de data centers com altíssimo consumo de energia. No ano passado, gigantes da tecnologia demonstraram novo interesse na energia nuclear como uma possível solução para a crise energética provocada pela IA.

A Microsoft teve um papel importante nos planos de reabertura do reator de Three Mile Island — a empresa assinou, em 2024, um acordo para comprar energia da usina, caso ela consiga voltar a operar. E isso é só o começo.

O Google assinou um contrato com a Kairos Power em outubro de 2024 para que a startup construa até 500 megawatts em usinas até 2035, com o Google adquirindo essa energia. A Amazon foi além desses acordos, investindo diretamente na X-energy, uma empresa que desenvolve pequenos reatores modulares. O investimento será usado diretamente no desenvolvimento, licenciamento e construção de um projeto no estado de Washington.

O financiamento por parte das grandes empresas de tecnologia pode ser de grande ajuda para manter reatores existentes em operação e tirar projetos avançados do papel, mas muitos desses compromissos ainda são vagos, afirma Jessica Lovering, do Good Energy Collective. Segundo ela, os marcos importantes a serem observados incluem compromissos financeiros robustos, contratos assinados e pedidos submetidos aos órgãos reguladores.

“A energia nuclear teve um 2024 incrível, provavelmente o ano mais empolgante para o setor em muitas décadas”, diz Staffan Qvist, engenheiro nuclear e CEO da Quantified Carbon, uma consultoria internacional focada na descarbonização da energia e da indústria. Implantá-la na escala necessária será um grande desafio, mas o interesse está crescendo rapidamente. Como ele resume: “Há um mundo enorme lá fora com fome de energia.”

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