Europa finalmente está levando a sério os foguetes comerciais
Natureza e espaço

Europa finalmente está levando a sério os foguetes comerciais

A primeira tentativa do continente de realizar um lançamento orbital comercial marcou o início de uma nova era ousada, encerrando a dependência europeia da SpaceX, de Elon Musk, e dos Estados Unidos.

A Europa está à beira de um novo amanhecer na tecnologia espacial comercial. À medida que as tensões políticas globais se intensificam e as relações com os Estados Unidos se tornam cada vez mais tensas, diversas empresas europeias agora planejam realizar seus próprios lançamentos, numa tentativa de reduzir a dependência do continente dos foguetes americanos.

No dia 30 de março, a Isar Aerospace, uma empresa sediada em Munique, lançou seu foguete Spectrum a partir de um local na gelada ilha de Andøya, na Noruega. Um porto espacial foi construído ali para dar suporte a pequenos foguetes comerciais, e o Spectrum foi o primeiro a ser testado.

Segundo a empresa, após aproximadamente 30 segundos de voo, o veículo foi desligado e caiu no mar de forma controlada. Além disso, a plataforma de lançamento permaneceu intacta. “Nosso primeiro voo de teste atendeu todas as nossas expectativas, alcançando um grande sucesso. Tivemos uma decolagem limpa, 30 segundos de voo e até conseguimos validar nosso Sistema de Término de Voo. Demonstramos que podemos não apenas projetar e construir, mas também lançar foguetes”, declarou Daniel Metzler, CEO e cofundador da Isar Aerospace.

“É um marco importante”, afirma Jonathan McDowell, astrônomo e especialista em voos espaciais do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica, em Massachusetts. “Já passou da hora de a Europa ter uma verdadeira indústria de lançamentos comerciais.”

O Spectrum tem 28 metros de altura — o equivalente ao comprimento de uma quadra de basquete. O foguete possui dois estágios, ou partes: o primeiro com nove motores — movidos por uma combinação incomum de combustível, oxigênio líquido e propano, que, segundo a Isar, oferece desempenho superior —, e o segundo com um único motor responsável por dar o impulso final aos satélites rumo à órbita.

O objetivo final do Spectrum é transportar satélites de até 1.000 quilos para a órbita terrestre baixa. No entanto, neste primeiro lançamento, não havia satélites a bordo, pois o sucesso está longe de ser garantido. “Era improvável que chegasse à órbita”, diz Malcolm Macdonald, especialista em tecnologia espacial da Universidade de Strathclyde, na Escócia. “O primeiro lançamento de qualquer foguete tende a falhar.”

Independentemente de ter sido bem-sucedido, a tentativa de lançamento marca um momento importante, à medida que a Europa tenta impulsionar sua própria indústria privada de foguetes. Outras duas empresas — a britânica Orbex e a alemã Rocket Factory Augsburg (RFA) — também devem realizar tentativas de lançamento ainda este ano. Esses esforços podem oferecer à Europa múltiplos caminhos para alcançar o espaço sem depender dos foguetes dos Estados Unidos.

“A Europa precisa estar preparada para um futuro mais incerto”, afirma Macdonald. “A incerteza sobre o que acontecerá nos próximos quatro anos com a atual administração dos EUA amplifica a situação para as empresas europeias de lançamentos.”

Seguindo o rastro dos Estados Unidos

Há anos, a Europa vem ficando para trás em relação aos Estados Unidos nos esforços espaciais comerciais. O lançamento bem-sucedido do primeiro foguete da SpaceX, o Falcon 1, em 2008, marcou o início da dominação americana no mercado global de lançamentos. Em 2024, das 263 tentativas de lançamento no mundo, 145 foram realizadas por entidades dos EUA — e a SpaceX foi responsável por 138 delas. “A SpaceX é o parâmetro atualmente”, diz Jonas Kellner, chefe de marketing, comunicação e assuntos políticos da RFA. Outras empresas americanas, como a Rocket Lab (que lança tanto dos EUA quanto da Nova Zelândia), também têm obtido sucesso, enquanto os foguetes comerciais também ganham força na China.

A Europa vem lançando seus próprios foguetes Ariane e Vega, financiados por governos, há décadas a partir do Centro Espacial de Kourou, um porto espacial operado na Guiana Francesa, na América do Sul. Mais recentemente, em março de 2024, a Agência Espacial Europeia (ESA) lançou de lá, pela primeira vez, seu novo foguete de grande porte Ariane 6. No entanto, o histórico de lançamentos de foguetes a partir da própria Europa é muito mais limitado. Em 1997, a empresa americana de defesa Northrop Grumman lançou um foguete Pegasus de um avião que decolou das Ilhas Canárias. Em 2023, a empresa americana Virgin Orbit fracassou em atingir a órbita com seu foguete LauncherOne após uma tentativa de lançamento a partir da Cornualha, no Reino Unido. Nunca foi feita uma tentativa de lançamento orbital vertical a partir da Europa Ocidental.

A Isar Aerospace é uma das poucas empresas que esperam mudar esse cenário com a ajuda de agências como a ESA, que fornece financiamento para empresas de lançamento de foguetes por meio do programa Boost desde 2019. Em 2024, a agência concedeu €44,22 milhões (US$ 48 milhões) à Isar, Orbex, RFA e à empresa alemã HyImpulse. A expectativa é que uma ou mais dessas empresas comecem em breve a realizar lançamentos regulares a partir da Europa, em dois locais potenciais: o local escolhido pela Isar, em Andøya, e o Porto Espacial SaxaVord, nas Ilhas Shetland, ao norte do Reino Unido, de onde RFA e Orbex pretendem realizar suas tentativas.

“Espero que quatro ou cinco empresas cheguem ao ponto de lançar foguetes, e então, ao longo dos anos, a confiabilidade e a cadência [ou frequência] dos lançamentos determinarão qual ou quais delas sobreviverão”, diz McDowell.

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Vantagens únicas

Na sua forma inicial, esses foguetes não vão rivalizar com o que a SpaceX oferece em termos de tamanho e frequência. A SpaceX, por vezes, lança seu foguete Falcon 9, de 70 metros de altura, várias vezes por semana e está desenvolvendo seu veículo Starship, muito maior, para missões à Lua e a Marte. No entanto, os foguetes europeus menores podem permitir que empresas do continente lancem satélites em órbita sem precisar atravessar todo o Atlântico. “Há uma vantagem em estar mais perto”, afirma Kellner, que diz que a RFA leva três ou quatro dias para transportar seus foguetes até SaxaVord, em comparação com uma ou duas semanas para cruzar o Atlântico.

Lançar a partir da Europa também é útil para alcançar órbitas específicas. Tradicionalmente, muitos lançamentos de satélites ocorrem próximos ao equador, em locais como Cabo Canaveral, na Flórida, para aproveitar o impulso adicional da rotação da Terra. Espaçonaves tripuladas também são lançadas desses locais para alcançar estações espaciais em órbitas equatoriais ao redor da Terra e da Lua. A partir da Europa, no entanto, satélites podem ser lançados rumo ao norte, sobre trechos desabitados de oceano, para alcançar órbitas polares — o que permite que satélites de imagem observem toda a superfície terrestre girando sob eles.

Cada vez mais, afirma McDowell, as empresas querem colocar satélites em órbita heliossíncrona, um tipo de órbita polar onde o satélite permanece constantemente iluminado pelo Sol. Isso é útil para veículos movidos a energia solar. “De longe, a maior parte do mercado comercial atualmente está em órbita polar heliossíncrona”, diz McDowell. “Ter um local de lançamento em alta latitude, com boas conexões de transporte com os clientes na Europa, realmente faz diferença.”

A longo prazo, as ambições espaciais da Europa podem evoluir para veículos mais comparáveis ao Falcon 9, por meio de iniciativas como o Desafio Europeu de Lançadores da ESA, que concederá contratos ainda este ano. “Esperamos desenvolver [um veículo maior] dentro do Desafio Europeu de Lançadores”, afirma Kellner. Talvez a Europa até considere lançar humanos ao espaço um dia, com foguetes maiores, diz Thilo Kranz, gerente de programa da ESA para transporte espacial comercial. “Estamos analisando essa possibilidade”, afirma. “Se um operador comercial apresentar uma forma inteligente de viabilizar o acesso [tripulado] ao espaço, isso seria um desenvolvimento favorável para a Europa.”

Um projeto separado da ESA, chamado Themis, está desenvolvendo tecnologias para reutilização de foguetes. Essa foi a inovação-chave do Falcon 9 da SpaceX, que permitiu à empresa reduzir drasticamente os custos de lançamento. Algumas empresas europeias, como a MaiaSpace e a RFA, também estão investigando a reutilização. Esta última planeja utilizar paraquedas para trazer o primeiro estágio de seu foguete de volta para um pouso no mar, onde poderá ser recuperado.

“Assim que você chega a algo como um concorrente do Falcon 9, acho que já está claro que a reutilização é essencial”, afirma McDowell. “Eles não conseguirão competir economicamente sem reutilização.”

O objetivo final da Europa é ter uma indústria de foguetes soberana, que reduza sua dependência dos Estados Unidos. “O momento geopolítico mais amplo provavelmente torna essa questão ainda mais relevante do que seria há seis meses”, diz Macdonald.

O continente já demonstrou ser capaz de se diversificar em relação aos EUA de outras formas. A Europa opera agora sua própria alternativa bem-sucedida ao sistema americano de GPS, o Galileo — um sistema baseado em satélites, lançado em 2011, que é quatro vezes mais preciso que seu equivalente americano. A Isar Aerospace, e as empresas que vierem em seguida, podem ser o primeiro sinal de que os foguetes comerciais europeus podem se desvincular dos EUA de maneira semelhante.

“Precisamos garantir o acesso ao espaço”, afirma Kranz, “e quanto mais opções tivermos para lançamentos espaciais, maior será a flexibilidade.”

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