Finanças Regenerativas são o lado (ainda) impopular da Web3
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Finanças Regenerativas são o lado (ainda) impopular da Web3

Ainda incipientes, as ReFi têm potencial para transformar não só o mercado de ativos digitais, mas também de gerar impacto sobre as ações de preservação ambiental.

O senso comum sobre o mercado de criptomoedas se limita, geralmente, ao aspecto especulativo dos ativos digitais. Imagina-se um mundo onde ‘cachorro come cachorro’, baseado em negociações, contratos futuros e outras práticas agressivas típicas de um mercado financeiro. Felizmente, essa é apenas uma das facetas do mercado cripto.

A Web3 é a comunidade do setor nesse mercado que foca em enriquecer as relações humanas, primeiramente no âmbito digital, mas também fora dele. Dentro da Web3 existem outros setores, e um deles é o de Finanças Regenerativas, comumente conhecido como ReFi.

Em suma, as ReFi valorizam os ativos naturais com base em suas propriedades de regeneração e preservação. Diferente da parte especulativa do mercado de criptomoedas, as Finanças Regenerativas não se baseiam apenas no fluxo de capital resultante da utilização destes ativos.

Embora as ReFi também tenham suas ramificações, como a melhoria nas relações de trabalho e a valorização do ser humano, o presente artigo tem o objetivo de abordar o impulso que a Web3 é capaz de dar às causas ambientais.

Entendendo a Web3

Antes de entender as ReFi, é necessário entender o conceito de Web3, sobre o qual as Finanças Regenerativas se baseiam. A Web1 é o nome dado ao período inicial da Internet que ocorreu entre o fim dos anos 90 e o início dos anos 2000. Esse período da Web é caracterizado pelo isolamento das plataformas online, onde cada plataforma pedia um login e senha, e não se focava tanto na parte social.

A partir de 2004, com o surgimento das primeiras redes sociais, teve início a Web2, que dura até os dias atuais. É a fase caracterizada pelas redes sociais e pela integração de uma mesma identidade em diferentes plataformas. Um exemplo prático é a possibilidade de usar uma conta Google para entrar, por exemplo, em um site de e-commerce. Nota-se um apreço pela interoperabilidade e pelas interações sociais.

Apesar da evolução exibida entre a Web1 e a Web2, uma consequência controversa ganhou forma: o domínio das grandes empresas de tecnologia, as big techs, sobre a vida digital das pessoas. Usuários deixaram de ser donos de seus dados e daquilo que produzem no ambiente digital. Sob o risco de cair em um clichê, mas a comodidade cobrou seu preço inerente.

Em 2014, porém, Gavin Wood, um dos criadores do Ethereum e idealizador da blockchain Polkadot, falou pela primeira vez sobre o conceito de Web3. Trata-se de uma fase da Internet que mantém toda a interoperabilidade conquistada durante a Web2, mas luta para devolver ao usuário o controle do que é seu.

A Web3 é caracterizada por processos sem intermediários, ágeis e altamente transparentes, traços que tornam esse ambiente ideal para relações sociais. Não espanta que um dos pilares desse movimento de transformação da Internet sejam as organizações autônomas descentralizadas (DAO, na sigla em inglês), onde desconhecidos se reúnem e votam sobre alinhamentos em comum em ambiente totalmente transparente.

Apesar dos gargalos de performance, reduzidos constantemente, a Web3 já apresenta avanços significativos nos menos de dez anos desde que a ideia foi mencionada por Wood. E é nesse ecossistema que as Finanças Regenerativas floresceram e fizeram sua morada.

O que é ReFi, afinal?

Finanças Regenerativas são iniciativas voltadas à preservação do meio ambiente. O consenso dos entusiastas de ReFi sobre o seu surgimento aponta para outubro de 2020, quando surgiu o protocolo Open Forest. Desde então, diferentes iniciativas relevantes impulsionaram o desenvolvimento do setor.

É importante ressaltar que as Finanças Regenerativas também têm previsão de financeirização, feita através da emissão de tokens. A parte financeira de ReFi, no entanto, não é focada em lucros. Os tokens são mecanismos de quantificação e aferição da efetividade das medidas regenerativas.

Uma rede que rastreia o combate à emissão de gases do efeito estufa através de créditos de carbono, por exemplo, pode usar tokens para representar cada tonelada desses poluentes que foi impedida de ser emitida na atmosfera. Ainda sobre a emissão de tokens, ela só é possível em razão da blockchain, tecnologia focada em transparência.

Uma vez que os dados enviados em uma blockchain são públicos e imutáveis, torna-se mais fácil avaliar a efetividade de uma medida de preservação, sem que haja a preocupação de dados serem adulterados.

A quem interessa?

Idealmente, a ideia de preservar os recursos naturais necessários para a vida humana deveria interessar a todos. A falta de foco em lucro, contudo, faz com que aqueles mais atraídos pelo aspecto financeiro ‘selvagem’ vejam ReFi com certo preconceito. Mas não um dos maiores e mais ativos fundos de capital de risco, o Andreessen Horowitz, também conhecido pela sigla a16z.

Em seu quarto fundo, avaliado em US$ 4,5 bilhões, voltado a investimentos em startups do mercado de criptomoedas, o a16z afirmou, conforme noticiado pelo Decrypt em maio de 2022, que haverá um montante dedicado às Finanças Regenerativas.

Uma das iniciativas que receberam investimento da a16z e hoje se dedicam às Finanças Regenerativas é a Celo. Trata-se de uma blockchain, com emissão negativa de carbono, que ativamente fomenta o desenvolvimento de aplicações voltadas às ReFi. Atualmente, existem pelos menos quatorze iniciativas dentro do ecossistema Celo, e muitas outras em diferentes blockchains.

ReFi na prática

A Ekonavi é uma plataforma brasileira focada em mapear e conectar diferentes iniciativas regenerativas, e já existe desde 2020. Dentro de seu site, é possível ver os projetos voltados à preservação do meio ambiente e quais são os instrumentos da Web3 utilizados. O projeto inclusive, foi um dos vencedores de uma iniciativa nacional de inovação em Web3 chamada Tokenize sua Ideia, idealizada pelo Mercado Bitcoin. Demonstrando o potencial de impacto positivo dessa plataforma ao utilizar a blockchain como espinha dorsal.

A Mata, por exemplo, é uma coleção de tokens não-fungíveis (NFTs) idealizados pela renomada artista Nila do Cerrado que destina parte do valor das vendas à preservação florestal. Através do próprio token, o comprador pode acompanhar o processo de reflorestamento e preservação apoiado pelo valor da compra.

A Kanna (KNN) quer beneficiar solos degradados e permitir que as pessoas realizem impacto ambiental positivo utilizando a tecnologia da blockchain e do Cânhamo para beneficiar o meio ambiente, reduzindo os efeitos da emissão de gás carbônico na atmosfera. O token KNN é o ativo digital da Kanna que corresponderá à uma área de cultivo de cânhamo, agregando ao token um lastro em impacto ambiental e social no mundo real

O Toucan Protocol é uma das aplicações desenvolvidas sobre a rede Celo, focada na compra e venda de créditos de carbono tokenizados. Isto é, os créditos são registrados e rastreados usando tecnologia blockchain. A iniciativa tem como parceiros notórios, além da Celo, o Fórum Econômico Mundial. O objetivo é viabilizar a sustentabilidade do meio ambiente através da distribuição de créditos de carbono.

Dentro do ecossistema Ethereum, a Giveth está presente fomentando projetos com foco no coletivo, fazendo com que muitos projetos relacionados às ReFi sejam acelerados pela iniciativa. A ideia da Giveth é auxiliar na redistribuição de recursos para essas iniciativas, o que impacta diretamente no fomento dessas causas.

A Regen Network é uma blockchain baseada no ecossistema Cosmos, que também fomenta a negociação de créditos de carbono. Ela acrescenta, todavia,o uso de créditos de biodiversidade, a fim de proteger a fauna e a flora de diferentes regiões, chamados de “eco credits”.

Esses são apenas alguns dos muitos exemplos de iniciativas dedicadas a criar mecanismos de preservação do meio ambiente, a fim de usar as mais recentes tecnologias para preservar o planeta no qual vivemos. E novamente a blockchain é fator chave de transformação e potencialização dessas iniciativas.

O potencial das ReFi

O último relatório da Organização das Nações Unidas sobre a efetividade das medidas para conter o aquecimento global, publicado em outubro de 2022, aponta que a meta de manter o aquecimento global abaixo de 2ºC até 2100 está longe de ser cumprida. No ritmo atual, a previsão é de que o aumento seja de 2,8ºC, com uma possível queda entre 2,4ºC e 2,6ºC.

A Web3, através das Finanças Regenerativas, já possui ferramentas para auxiliar não apenas o cumprimento das metas climáticas, mas também para auxiliar a preservação florestal, a preservação de espécies em risco de extinção e outras questões envolvendo a produção, como a agricultura sustentável. A blockchain é capaz de ser a infraestrutura de coleta e distribuição justa e transparente de capital para projetos inovadores com potencial de salvar o planeta para as próximas gerações.

Embora já seja um setor que tem conquistado popularidade dentro do ecossistema Web3, é necessário que mais olhos se voltem às ReFi, a fim de potencializar a sua efetividade na preservação no mundo em que vivemos. Afinal de contas, esse é um tema que interessa a todos nós, mesmo aqueles que não são entusiastas de Web3.

Existe muita oportunidade de inovação e transformação quando tiramos a lente da especulação financeira dos criptoativos. A Web3 e a blockchain têm o potencial de evoluir não somente as finanças e economia, mas também o lar que habitamos como seres humanos para as futuras gerações.


CMO do Mercado Bitcoin; Co-Founder da Alma DAO e Conselheiro da Mobile Marketing Association e do Grupo de Mídia de São Paulo

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