O fenômeno Round 6 explicado por meio do Data Analytics e das redes sociais
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O fenômeno Round 6 explicado por meio do Data Analytics e das redes sociais

Como a Netflix utiliza tecnologia, conteúdo, análise de comportamento e estratégias de growth marketing para produzir sucessos mundiais como a série sul-coreana.

A Netflix anunciou na primeira quinzena de outubro que cerca de 130 milhões de pessoas ao redor do mundo assistiram à, pelo menos, parte da série sul-coreana Round 6 (“Squid Game”, em inglês) apenas nos primeiros 23 dias no ar. Além disso, este fenômeno mundial pode ultrapassar em breve as séries La Casa de Papel e Stranger Things como programa mais assistido da empresa de streaming.

Como uma produção que custou “somente” US$ 21.4 milhões, deve gerar um valor de US$ 900 milhões e aumento de mais de dois dígitos nas ações da empresa? A Netflix ainda calcula que 89% das pessoas que começaram o programa assistiram a mais de um episódio e 66%, ou 87 milhões de pessoas, terminaram toda a primeira temporada da série. Ao todo, as pessoas passaram mais de 1,4 bilhão de horas assistindo ao programa em pouco mais de 3 semanas.

Para efeito de comparação, mais espectadores assistiram Round 6 do que a soma dos principais concorrentes de streaming da Netflix, com exceção da Disney+. O resultado deste aumento substancial de retenção de clientes e de novos assinantes ao streaming pode ser separado em três pilares:

Tecnologia: o streaming é o facilitador (“enabler”, um termo comum em inglês no mundo digital). Deve ser o “meio” para uma inovação e modelo de negócio digital e não o “fim”.

Experiência dos clientes: não foi a tecnologia que acabou com o modelo da Blockbuster e de outras locadoras de DVDs, mas o fato de os clientes poderem assistir aos seus programas favoritos on demand e sem sair de casa.

Conteúdo: é o core business do negócio e que atrai e retém mais assinantes na plataforma. Sem novos filmes, documentários e séries de interesse, os clientes tendem a cancelar suas contas.

Growth Marketing ou Estratégia de Marketing Digital: são as alavancas para viralizar uma série — influenciadores, mídias sociais, memes, vídeos, hashtags. Netflix, Amazon, Disney+ e outros players investem pesadamente no ambiente online

Data Analytics: utilizado para criação de novas séries.

Pertencimento social

A premissa dos algoritmos de mídias sociais, ou “bolhas sociais”, vem do termo em inglês ho·moph·i·ly, que significa que pessoas tendem a fazer conexões com outras com interesses parecidos. Ou seja, para ser aceito em um determinado grupo, preciso ter os mesmos gostos, valores, crenças ou atitudes. Há algumas décadas atrás, a final de um campeonato ou o último episódio da novela era o principal assunto em uma roda de colegas de trabalho ou em um encontro de família. Com as redes, o compartilhamento e o alcance de uma informação foram exponenciados. Uma pessoa consegue ver e ser impactado pelo post de outro usuário fora de sua rede de contatos e, inclusive, do outro lado do mundo!

Quando crianças e adolescentes, as pessoas querem fazer parte de algum grupo na escola, no colégio ou de convívio social, como clube, futebol, dança, games, igreja. Já adultos, também querem estar inteirados e conversar com amigos e familiares sobre esportes, entretenimento, notícias e outros temas. Com séries não é diferente! Imagine entrar todos os dias em seu perfil no Instagram e no TikTok e ver memes e postagens que só você não entende. Ao mesmo tempo, em grupos de Whatsapp e mesmo presencialmente, seus amigos e parentes comentam constantemente sobre um assunto que você não faz ideia do que seja.

Esse foi um dos impulsionadores para que milhares de pessoas (inclusive, o autor deste artigo) resolvessem assistir à Round 6 mesmo que contenha violência exacerbada!

“As pessoas ouvem sobre isso, falam sobre isso, as pessoas adoram e há um aspecto muito social nisso, que ajuda a desenvolver o programa além do que fazemos”, disse Bela Bajaria, chefe de TV global da Netflix.

O poder das mídias sociais alinhadas ao conteúdo certo

A combinação do roteiro da série, baseado em seis jogos infantis entre os participantes, propiciou a criação de memes e desafios em larga escala nas redes, sobretudo em TikTok, Twitter e Instagram.

A escolha por brincadeiras de criança foi proposital pelo diretor sul-coreano. A ideia era dar algo fácil de entender e identificar. Assim, os detalhes dos jogos mostram o nível de planejamento necessário a cada rodada. Já o robô foi inspirado em uma menina que aparece em livros infantis. Embora as brincadeiras remetam à cultura coreana, a história também foi pensada para ter impacto mundial.

Desta forma, o conteúdo de Round 6 facilitou a viralização na internet a partir de memes. À medida que o programa se tornava o assunto mais comentado online (“trending topic”), os memes rapidamente o seguiram. Adicionalmente milhares de pessoas têm tentado realizar seus próprios desafios de cortar formas — um círculo, um triângulo, uma estrela ou um guarda-chuva — de um doce coreano (um dos episódios). O próprio TikTok criou um filtro que permite aos os usuários ver se sobrevivem ao desafio.

Já o áudio da menina cantando “Batatinha frita 1, 2, 3” foi usado em mais de 420.000 vídeos na plataforma, muitos mostrando como as pessoas ganhariam ou perderiam no jogo.

Outro fator que tornou um fenômeno mundial é acessibilidade. Apesar de ser gravado em coreano, o streaming ofereceu legendas e dublagens em 37 e 34 idiomas respectivamente.

Análises de dados para apostar nos sucessos de bilheteria

Vamos voltar um pouco no tempo para contextualizar o uso de dados e a análise preditiva para tomada de decisão de investimentos em uma nova série e se será sucesso ou fracasso.

Em 2011, a Netflix investiu cerca de US$ 100 milhões para ter os direitos de produzir duas temporadas da versão americana de House of Cards. Antes de abrir os cofres, a empresa analisou a seguinte combinação de dados:

Milhares de usuários assistiram ao filme dirigido por David Fincher, The Social Network, do começo ao fim;

A versão britânica de “House of Cards” foi bastante assistida;

Quem assistiu à versão britânica também assistiu a filmes de Kevin Spacey e / ou filmes dirigidos por David Fincher;

A soma total representou muitos usuários nos três fatores.

Steve Swasey, VP de Comunicações Corporativas da Netflix, afirmou na época: “Por meio de nossos algoritmos, podemos determinar quem pode estar interessado em Kevin Spacey ou no drama político e dizer a eles ‘Você pode querer assistir isso’”. Swasey ainda disse que não é apenas o elenco e o diretor que preveem se o show será um sucesso. “Podemos olhar os dados do consumidor e ver qual é o apelo para o diretor, para as estrelas e para dramas semelhantes”, diz ele. Adicione isso ao fato de que a versão britânica de House of Cards foi popular para assinantes. Combinar esses fatores faz com que pareça uma decisão fácil de ser tomada pela Netflix. A única questão era quanto eles estavam dispostos a investir.

Antes do lançamento de um filme ou da estreia de um programa de TV, normalmente há um ou alguns trailers feitos e algumas pré-visualizações selecionadas. A Netflix fez 10 cortes diferentes do trailer de House of Cards, cada um voltado para públicos diferentes. O trailer que você viu foi baseado em seu comportamento de visualização anterior. Se você assistiu a muitos filmes de Kevin Spacey, viu um trailer com ele. Aqueles que assistiram a muitos filmes estrelados por mulheres viram um trailer com as mulheres no show. E os fãs de David Fincher viram um trailer com seu toque.

A série trouxe 2 milhões de novos assinantes nos EUA no 1º trimestre de 2013, um aumento de 7% em relação ao trimestre anterior. Também gerou 1 milhão de novos assinantes de outras partes do mundo. De acordo com o The Atlantic Wire, esses 3 milhões de assinantes quase pagaram a Netflix pelo custo de produção de House of Cards. Desde então, esta lógica é utilizada pela empresa para produção de novos conteúdos próprios.

Análise de desenvolvimento de conteúdo

Séries como Orange is the New Black e O Gambito da Rainha podem parecer aleatórias ou de alto risco, certo? Afinal, não é tão comum conteúdo sobre uma campeã de xadrez. No entanto, para a Netflix, essas escolhas não foram arriscadas ou ousadas. A empresa usa um modelo de análise preditiva para garantir que o projeto se enquadre em parâmetros com potencial de sucesso.

Por exemplo, os executivos sabiam que Umbrella Academy daria resultado porque atingiu uma métrica interna, representada por uma série de pontos de contato de usuários.

A Netflix tinha registrado 209 milhões de assinantes globais pela última vez e relatou uma estagnação de crescimento nos EUA e no Canadá, alegando aos investidores que estava se ramificando em videogames para manter os membros mais engajados na plataforma.


Este artigo foi produzido por Adriano Ueda, Digital Commerce & CX na BASF Agricultural Solutions, Professor de MBA na FGV, Co-fundador na Supernova (EdTech) e colunista da MIT Technology Review Brasil.

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