Falta pouco para a propaganda virar tech, mas os desafios de mentalidade, processos antigos e incentivos assimétricos ainda atrapalham.
Humanos e tecnologia

Falta pouco para a propaganda virar tech, mas os desafios de mentalidade, processos antigos e incentivos assimétricos ainda atrapalham.

Acostumadas a assessorar seus clientes (anunciantes) sobre os melhores investimentos em compra de mídia, criação, sites e plataformas, muitas agências de propaganda ainda sofrem no caminho “data-driven”, no qual há desafios, mas também atalhos.

Em seu livro “Degoladores da Avenida Madison”, Michael Farmer conta a história dos grandes grupos de comunicação e propaganda – as chamadas “holding companies”. Entre elas, há o grupo IPG, dono de diversas agências, como a McCann Erickson. No livro, ele conta que o grupo tinha uma frota de cinco aviões, chamada de Força Aérea Harper (em homenagem ao CEO Marion Harper). O [avião] DC-7 era dedicado ao chefe e tinha uma suíte com cama king-size, biblioteca privada e banheira”.

O livro continua dizendo: “Harper não se preocupava em falar sobre sua visão de luxo: ‘Nós não suportamos pessoas com pensamentos pequenos ou sonhos pequenos’, disse ele em 1984”.

Outra fotografia interessante que retrata o mundo da propaganda dos anos 80 é uma cena do seriado Mad Men, em que Don Draper, diretor da agência, apresenta os departamentos da sua empresa ao novo cliente. Após mostrar a criação e tantos outros, ele abre a porta do departamento de mídia e diz: “Agora, o departamento que paga as contas”.

Em comum, os exemplos acima demonstram um modelo extremamente eficiente de gerar receita para as agências. Bastava encontrar lugares para mostrar propagandas criativas e ganhar uma comissão sobre essa veiculação, que pagava a conta.

Quanto mais o anunciante gastava, mais a agência ganhava.

Esta foi a “era da comissão” na propaganda.

Como isso nem sempre estava alinhado com os objetivos dos anunciantes, muitos departamentos de compras (Procurement) entraram na jogada negociando e reduzindo remunerações. As frotas de avião foram abandonadas.

O atraente mercado para agências ajudou na sua proliferação, criando um excesso de agências no mercado, segundo Michael. Este foi outro motivo para a redução dos preços.

O que não foi deixado de lado foi a existência das grandes holdings de comunicação. Esses grandes grupos, como WPP, Publicis, Omnicom e S4, seguem firmes e fortes no mundo todo e tiveram de se reinventar muitas vezes.

Embora tenham mudado muito seu modelo de trabalho até aqui, algumas heranças seguem presentes. Como Michael comenta no livro, carregam um enorme “custo de staff”, ou seja, adicionam o custo das pessoas nas organizações internacionais. São camadas de gerentes e diretores regionais, de países ou contas globais, que no dia a dia não entregam valor diretamente para os anunciantes.

Uma cascata de pessoas que dirigem enormes organizações internacionais, envolvidas em processos e mais processos internos e de relatoria.

O resultado: para todo valor que o anunciante paga, há uma cobertura de custos indiretos sem impacto na entrega. Imersos nesta ineficiência, bastou aos grupos comprarem empresas independentes e mais eficientes. Em sequências de aquisições, encontram talentos que dão novo gás às operações.

Holding companies não se transformaram em grupos de comunicação, mas em grupos de aquisição. Quando as margem eram altas na “era da comissão”, graças aos altos custos de mídia off-line (TV, Rádio etc.), o excesso de pessoas que não trabalhavam para os clientes poderia passar despercebido.

Porém, com o avanço dos meios digitais, em que as margens são menores, o “cobertor ficou curto” e levou a mais questionamentos dos anunciantes. Tudo isso impulsiona três eventos importantes:

1. In-house

Diversos anunciantes decidiram internalizar seus times de dados, propaganda, analytics etc., tendo mais controle, eficiência e transparência em uma área que, cada vez mais, vem gerando negócios diretamente.

No relatório “A revolução das agências in-house” , realizado pela consultoria Oliver, o destaque fica para o crescimento dos grandes anunciantes com agências in-house nos EUA, chegando a mais de 80%, de acordo com a Association of National Advertisers (ANA).

No Brasil, dos dez maiores anunciantes do país, ao menos cinco já trabalham com algum tipo de agência in-house, entre eles Genomma, Unilever Brasil, Caoa, Hypera Pharma e Ambev.

A Danone foi uma das empresas que adotou o modelo no Brasil. Segundo Daniel Gunji, head de Data & Media: “O modelo traz redução de custos. Mas este não é o foco. A economia é consequência da eficiência”.

Na comunicação via meios digitais é necessária uma proximidade maior entre o anunciante e as ações de marketing, já que há uma troca de dados acontecendo o tempo todo. A priorização do uso dos dados first party para diversas aplicações – entre elas, a melhor compra de mídia – obriga que exista uma relação rápida, ágil e automática. Este artigo na MIT Technology Review fala sobre isso.

É por isso que o digital impulsiona o in-house: há a necessidade de encurtar processos, ter pessoas próximas e trocas enxutas e rápidas. Não existe mais o mundo onde se espera um mês após uma inserção de mídia na TV para analisar sua efetividade.

2. Fees e equipes Dedicadas

Enquanto alguns clientes querem equipes internas, outros preferem equipes externas, porém dedicadas. Assim conseguem beber da fonte da criatividade com times nas agências, ao mesmo tempo que garantem a dedicação exclusiva, evitando desperdícios ou gestão ineficiente do lado da agência.

O pagamento por fee reduz a chance de viés para recomendações de produtos mais caros em que a comissão é maior. Em alguns casos, o comissionamento continua existindo, porém a conta é transparente e o valor da comissão é descontado do custo da equipe dedicada.

Em comum com o modelo in-house, estão a necessidade de aproximação do digital e o objetivo de reduzir a assimetria de incentivos entre anunciante, “broker” e veículos de mídia.

3. Educação e big techs

Google, Meta, Amazon, Adobe e Salesforce aprenderam que há um poder incrível na educação. Apenas ensinando as empresas sobre os benefícios dos negócios digitais e da conexão com suas plataformas é que podem criar e sustentar negócios.

Iniciativas estão por todos os lados. Uma das melhores foi a do Google em parceria com o BCG, em que foi criado um modelo de maturidade digital. Um espelho colocado na frente dos anunciantes ajuda a entender onde estão e para onde podem ir. Ótimo atalho.

Este framework é importante e ajuda na educação e no aconselhamento.

Um dos destaques é o do aconselhamento para que agências e anunciantes possuam departamentos de dados, com engenheiros e arquitetos, técnicos, não publicitários. Só eles podem, por exemplo, criar audiências com dados first party.

Exemplo clássico é o da compra de mídia baseado em perfis de pessoas que se assemelham a compradores que pagam boletos em dia. Só engenheiros e cientistas de dados conseguem criar tal lógica e disponibilizar para a compra de mídia.

O próximo passo.

De acordo com Juliano Martinez, diretor de produtos da empresa alemã líder em delivery de comida na Europa (DeliveryHero): “Quanto mais você olha para seu concorrente, mais parecido com ele você se torna”.

Este é o limite do gráfico de maturidade. Quanto uma empresa se torna “multi-monento”, é hora de procurar novos modelos de negócio, gestão e parceria.

Custo de aquisição

O questionamento sobre o aconselhamento de investimento de mídia de quem se beneficia do investimento do cliente é natural e compreensível. E é neste momento que as métricas de CAC (Custo de Aquisição) e LTV (Lifetime Value) predominam as discussões, e os “brokers” devem, de verdade, se mostrar conselheiros dos clientes.

Em relatório recente, outra consultoria, a Hypr, traz luz à inflação do CAC nas big techs. A partir de uma comparação entre a receita das big techs por usuário e sua comparação com o número de usuários, chegaram ao ARPU (Average Revenue Per User) e ao CAC, mostrando que a inflação do CAC, entre 2017 e 2022, foi de 58,9% na Meta e 97,7% no Google.

Conclusão

Cada empresa no seu tempo, cada agência do seu modo, mas todos com olhar para o CAC (Custo de Aquisição) e o LTV (Life Time Value – valor do cliente no tempo) devem trazer seriedade, foco e transparência para o processo de criação e compra de mídia digital.

Os materiais do Google para educação são brilhantes e ajudam no entendimento da maturidade digital. Mais do que se prender ao estágio onde a empresa está, é preciso entender os motivos de tal maturidade e avançar a partir deles.

Por fim, baseado nas inflações de CAC, vale sempre lembrar da máxima que diz: “No mundo digital, a única constante é a mudança”. Isso dito, ter seus próprios relatórios, testando diversos modelos, veículos e formatos, sem parar, como cientistas, é a chave do sucesso com o tempo.


Esse artigo foi produzido por Fernando Teixeira, SVP de Dados na Media.Monks e colunista da MIT Technology Review Brasil.

Último vídeo

Nossos tópicos