Fake News: o que pode ser feito?
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Fake News: o que pode ser feito?

Entender os motivos que levam as pessoas a compartilhar informações erradas e como elas se espalham ajuda a pensar em formas de minimizar o problema.

A disseminação de notícias falsas – Fake News – pela Internet é uma grande preocupação para toda a sociedade, incluindo governo, organizações, empresas e cidadãos. Pesquisadores afirmam que muitas dessas Fake News são especificamente projetadas para semear desconfiança e, consequente, exacerbar as discussões e dinâmicas sociais e culturais, empregando mal assuntos delicados e controversos, como política e religião. Outras pesquisas afirmam que as notícias falsas têm um impacto adverso sobre os indivíduos e a sociedade, pois deliberadamente persuadem os consumidores a aceitar inverdades que são infinitamente compartilhadas com o objetivo de induzir as pessoas a agir de acordo com um objetivo específico. A propagação de notícias falsas apresenta grandes desafios para organizações e marcas. Acabam espalhando um ponto de vista ou opinião específica sobre um produto, marca ou organização, que podem não ser verdadeiras, ou pior, podem ser deliberadamente forjadas para enganar os consumidores. Dessa forma, as pessoas podem ser induzidas a boicotar ou comprar produtos e serviços com base em dados inverídicos, prejudicando, assim, as relações de consumo.

Em anos eleitorais, como é o caso do Brasil em 2022, a divulgação de informações falsas aumenta ainda mais. Nos Estados Unidos, pesquisas mostraram que as notícias inverídicas atingiram o pico no Twitter durante as eleições presidenciais de 2012 e 2016. No Brasil, um estudo da Fundação Getúlio Vargas mostrou que mensagens que contestavam o sistema eleitoral aumentou exponencialmente no ano de 2018, ano das últimas eleições presidenciais. Contudo, o ano de 2020 — quando ocorreram eleições municipais — despontou como o segundo ano com maior volume.

Mas o que são notícias falsas? Segundo pesquisadores da Universidade de Yale, notícias falsas seriam um conteúdo “totalmente fabricado e muitas vezes partidário apresentado como se fosse baseado em fatos”. A situação fica pior, quando nos recordamos do caso da Cambridge Analytica, que usou dados do Facebook para conseguir votos a favor de Donald Trump, e das recentes denúncias de uma ex-funcionária, Frances Haugen, contra a rede social – caso que ficou conhecido como Facebook Papers.

Entender os motivos que levam as pessoas a compartilhar informações erradas e como elas se espalham ajuda a pensar em formas de minimizar o problema. Nesse sentido, um estudo recente feito nos Estados Unidos analisou como as emoções das pessoas são desencadeadas por manchetes políticas falsas — e como suas reações podem determinar se a tal notícia será compartilhada com outras pessoas. Descobriu-se, também, que os indivíduos afiliados a partidos políticos acabavam sendo mais propensos a compartilhar informações negativas sobre um partido da oposição. Esse fato pode parecer normal e realmente é: de acordo com os pesquisadores Sinan Aral, Deb Roy e Soroush Vosoughi, do MIT, notícias falsas têm 70% mais chances de serem retuitadas do que a verdade, de forma ainda mais contundente se forem notícias políticas. E a pesquisa comprovou, ainda, que algumas dessas notícias são originadas por políticos, com o objetivo de obter votos, especialmente dos eleitores que enxergam as normas como ilegitimamente impostas pelo establishment. Ainda, no contexto político-eleitoral, David Rand, professor no MIT Sloan School of Mangement, afirma que muitos eleitores parecem viver em “bolhas partidárias”, acabam recebendo apenas informações parciais sobre como os outros partidos e candidatos pensam sobre importante questões políticas. Esse fato pode distorcer o que as pessoas pensam sobre os temas políticos, influenciando o voto e até mesmo o resultado das eleições. Outra constatação: segundo David Rand, pessoas que possuem um pensamento mais analítico conseguem avaliar com mais precisão se a notícia é verdadeira ou falsa, independentemente de suas opiniões políticas. Ou seja, a disseminação de notícias falsas é mais um fruto do “pensamento preguiçoso do que pelo viés partidário em si”.

Além do mais, fake news se espalham mais rapidamente: elas chegam às primeiras 1.500 pessoas seis vezes mais rápido. Os pesquisadores consideraram que essa velocidade se deve à “hipótese da novidade”, ou seja, eram mais novas que a verdade e as pessoas são mais propensas a compartilhar informações novas. Outra constatação é a de que geram respostas mais negativas – como medo, nojo, surpresa desagradável – por parte das pessoas, ao contrário da verdade. Portanto, acabam levando a maior engajamento, como o Facebook acabou “descobrindo” ao fazer que seu algoritmo desse um peso até cinco vezes maior quando se clica no ícone de raiva nos posts dos usuários, em relação ao tradicional ícone de “curtir”, influenciando diretamente no conteúdo que é exibido na linha do tempo dos usuários.

E o que pode ser feito?

Uma ação que tem sido muito comum atualmente é a checagem de notícias – como o site Lupa e o Painel de Checagem de Fake News do Conselho Nacional de Justiça —, atestando ou não sua validade e dando uma espécie de selo de veracidade. Segundo pesquisa do professor David Rand, essa prática pode ser um tiro na culatra, pois as pessoas tendem a aceitar como verdade notícias falsas que não tenham o selo de veracidade.

A questão do controle de notícias falsas, especialmente em redes sociais, não é de simples resolução. Há diversas iniciativas para tentar endereçar o problema, tanto no meio acadêmico, quanto por medidas legislativas. No Brasil, há o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, que foi aprovado pelo Senado em junho de 2020, que sofreu muitas críticas de especialistas e de deputados, que alertaram sobre o risco de violação da privacidade dos usuários e conflito com a LGPD. O PL atualmente está “aguardando constituição de Comissão Temporária pela Mesa Diretora da Câmara”.

O mundo atual e as tecnologias criaram uma quantidade gigantesca de informações com acesso e disseminação facilitada, muitas vezes de origem e conteúdo duvidosos. E se as pessoas acabam internalizando informações falsas como fatos, a verdade se torna cada vez mais subjetiva, criando um público mal-informado, o que acaba sendo prejudicial à democracia. E a verdade é que as pessoas nem sempre analisam adequadamente as informações que inundam suas vidas. Dessa forma, entendo que o melhor caminho para tratar do problema é a educação, uma alfabetização crítica desde a tenra idade, fazendo com que as pessoas exercitem cada vez mais o pensamento crítico. E, mais que isso, uma alfabetização crítica digital, ou seja, além de entender como a tecnologia funciona, compreender também a sua função social e como as redes sociais operam e as implicações do compartilhamento, processamento, internalização e consumo de informações, de forma a criar cidadãos preparados e criticamente engajados.


Este artigo foi produzido por Fabio Correa Xavier, Diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do TCESP, Mestre em Ciência da Computação, Professor e colunista da MIT Technology Review Brasil.

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