Em 1999, o químico da Rice University (EUA), Jim Tour, co-fundou a Molecular Electronics Corporation, uma empresa que pretendia usar moléculas individuais para construir um novo tipo de memória eletrônica. Mas Tour tinha sonhos ainda maiores. Em uma matéria da Wired do ano 2000, ele previu um futuro em que a eletrônica molecular ultrapassaria os circuitos feitos de silício, permitindo que os chips de computador ficassem cada vez mais consistentes e poderosos. Essa visão teve uma curta vida cinco anos depois, as memórias flash conquistaram o mercado de memória, o silício continuou a dominar a tecnologia de chips e Tour deixou o negócio de eletrônica molecular. O campo antes bem financiado quase entrou em colapso.
Agora, a startup Roswell Biotechnologies, com sede em San Diego (EUA), espera dar uma segunda chance à eletrônica molecular, e Tour, que faz parte do conselho consultivo científico de Roswell, está pronto para defendê-la novamente. “Eu sempre disse que isso pode dar certo”, diz ele.
Em vez de mirar em circuitos de computação, Roswell está se concentrando na integração de moléculas em circuitos de biossensores eletrônicos, uma abordagem que espera em breve fornecer uma maneira barata e conveniente de detectar vírus, toxinas ambientais e avaliar os efeitos de produtos farmacêuticos em tempo real.
Em janeiro, a empresa relatou um avanço crucial na revista PNAS: um conjunto de 16.000 biossensores moleculares funcionais totalmente integrados ao circuito de um chip semicondutor. Isso mostra que esses chips podem ser feitos usando métodos de fabricação existentes em escala comercial e, de acordo com Barry Merriman, cofundador e diretor do departamento de ciências da Roswell, eles podem custar apenas alguns dólares por unidade.
“É uma ótima ideia. Acho que já estava na hora dos fabricantes de chips fazerem algo por nós, das biociências”, diz Nils Walter, químico da Universidade de Michigan (EUA) e cofundador da aLight Sciences, uma empresa que também está desenvolvendo biossensores moleculares, exceto que sua abordagem é usar fluorescência, ou a emissão de luz, em vez de sinais elétricos para ler os resultados.
Mas Roswell não é a única empresa em busca de biossensores integrados em chips. Por exemplo, a Dynamic Biosensors, com sede em Munique, Alemanha, oferece chips com sensores baseados em DNA que usam luz. Mas a abordagem de fabricação de Roswell produz sensores precisos que são flexíveis o suficiente para prever um eventual “biossensor universal” que pode ser produzido em massa com técnicas modernas de fabricação de chips, diz Merriman.
A peça central dos circuitos de Roswell é um fio molecular feito de uma cadeia de aminoácidos que está conectada ao resto do chip da mesma forma que um fio metálico normal. Para criar um sensor, o laboratório prende uma molécula à outra extremidade do fio e quando esta molécula interage com seu alvo designado, que pode ser uma fita de DNA, um anticorpo ou qualquer uma de várias outras moléculas biologicamente relevantes, sua condutividade elétrica muda. O chip registra essa mudança e o software extrai os detalhes de interação correspondentes.
ROSWELL BIOTECHNOLOGIES
Para montar milhares de sensores, Roswell começa com um chip de silício cravejado de nanoeletrodos pré-fabricados, depois usa voltagem elétrica para transportar as moléculas da solução para dentro do chip. Esta parte do processo de montagem leva menos de 10 segundos; no passado, processos moleculares semelhantes levavam horas ou até dias.
A abordagem de Roswell poderia reviver algumas das esperanças que os pesquisadores de eletrônica molecular tinham 20 anos atrás. Naquela época, parecia que o pequeno tamanho das moléculas poderia ajudar a diminuir o tamanho dos componentes do circuito e tornar os chips computacionais mais densos. Curiosamente, um fabricante de chips moleculares poderia, em teoria, automatizar a montagem de circuitos, adicionando moléculas sob condições altamente controladas e permitindo que elas se montem nas estruturas desejadas por si mesmas, explica George Church, geneticista de Harvard (EUA) e membro do conselho consultivo científico de Roswell.
A empolgação sobre tais propriedades moleculares levou a um rápido crescimento do campo da eletrônica molecular no final da década de 1990. Parecia o momento perfeito. “Houve todas essas previsões ao longo dos anos 80 e 90, sobre como o silício daria de cara em uma parede”, lembra Tour. Mas não; engenheiros continuaram avançando. “Não estávamos atirando em um alvo estático. O silício foi ficando cada vez melhor”, diz ele. Philip Collins, físico da Universidade da Califórnia, Irvine, que já foi consultor de Roswell, diz que a queda da eletrônica molecular foi bastante drástica: “Eu diria que nove em cada 10 pesquisadores desistiram”.
Com o novo chip, Roswell está focando em uma aplicação para a qual o silício não é adequado. As moléculas são especiais porque “elas podem ser muito mais complexas do que as binárias”, diz Collins. “Elas podem codificar todos esses diferentes e interessantes estados, como na bioquímica, que simplesmente não temos outras maneiras de acessar”.
A nova visão, compartilhada por Roswell e outros fabricantes de chips com tecnologia molecular, é a de biossensores que permitiriam às pessoas verificar seus biomarcadores, como níveis de vitaminas ou evidências de uma infecção, com a mesma facilidade que temos atualmente para verificar nossos batimentos cardíacos em um smartwatch. No caso de Roswell, milhares de biossensores poderiam detectar diferentes interações moleculares simultaneamente, e os chips seriam descartáveis.
Walter, da Universidade de Michigan, observa que, embora o dispositivo de Roswell possa acomodar mais de 10.000 biossensores em um chip, ter centenas de milhares ou milhões de biossensores a mais levaria o dispositivo a uma funcionalidade mais comercializável, especialmente quando se trata de detectar baixas concentrações de biomarcadores no início de uma doença.
O CEO da Roswell, Paul Mola (à esquerda) e Barry Merriman, CSO e cofundador. /BIOTECNOLOGIAS ROSWELL
O mercado de biotecnologia comercial não é terreno novo para Church, Merriman e outros líderes de empresas. Mas a experiência e o conhecimento da equipe de Roswell não tornaram a jornada de financiamento da empresa tão fácil quanto o CEO Paul Mola esperava. Ele esperava que o capital de risco chegasse logo após a publicação do artigo feita em janeiro, mas isso não aconteceu. Embora Roswell tenha levantado mais de US$ 60 milhões até agora, principalmente de investidores estratégicos e representantes de famílias ricas, ela teve que reduzir quase pela metade sua força de trabalho em fevereiro.
Mola fica frustrado com a falta de investimento na empresa quando ela está, diz ele, tão próxima da comercialização. “Sentimos que realmente fizemos muito com tão pouco”, diz ele. “Agora, realmente precisamos que a comunidade nos apoie e nos acompanhe até o fim”.
Mola, que é negro, diz que parte do problema está no histórico problemático da indústria de biotecnologia com a diversidade, uma preocupação que a Stat publicou no início de março. “Se você pensar em empreendedores e idealizadores, eles geralmente tiveram um empreendedor em sua família, eles têm conexões e acesso a investidores. Do ponto de vista sistêmico e fundamental, os idealizadores negros não têm isso”, diz Mola. “Eu não tenho isso”.
Mola afirma que a Roswell ainda pretende lançar um dispositivo comercial até o final do ano. A startup está prestes a iniciar sua próxima série de financiamentos. Também está criando um serviço que pode atrair clientes antes que seja possível vender chips diretamente a eles: os cientistas agora poderão enviar amostras para Roswell e fazer com que seus biossensores moleculares trabalhem nelas internamente, coletando dados valiosos sobre, por exemplo, a função em tempo real de novos medicamentos.
Para Tour, o trabalho de Roswell continua a ser um símbolo do renascimento da eletrônica molecular: “É bom poder ver algo acontecer e dizer: OK, funcionou, apenas demoramos mais do que pensávamos”.
Karmela Padavic-Callaghan é uma jornalista freelancer em Brooklyn, Nova York.