“O esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte”, afirmou a ministra do Esporte, Ana Moser. “O atleta de eSports treina, mas a Ivete Sangalo também treina para dar um show e ela não é um atleta, ela é uma artista que trabalha com entretenimento”, analisou em entrevista recente ao portal UOL. Para a ex-jogadora de vôlei, os jogos eletrônicos não são “imprevisíveis”: “é desenhado por uma programação digital, cibernética. É uma programação, ela é fechada, diferente do esporte”.
Foi com essa declaração, em 10 de janeiro, que a ministra e ex-atleta Ana Moser tirou a modalidade e seus atletas de investimentos e benefícios públicos.
De entretenimento a esporte Olímpico
O vôlei, modalidade que revelou Ana Moser, tornou-se esporte olímpico apenas em 1964. Quatro anos antes dela nascer, mas, surgiu mesmo em 1895. Quando criado por Willian George Morgan, nos Estados Unidos, chamava-se Mintonette e tinha como objetivo formar equipes, sem contato físico entre os adversários, de modo a minimizar os riscos de lesões.
De forma contemporânea, nascia em 1963 uma competição associada a outro esporte, o Skate. Em Hermosa Beach, Califórnia, aconteceria o primeiro campeonato de Surf do Asfalto. Coube a Tóquio, palco da mesma Olimpíada que revelou o vôlei, transformar o Skate definitivamente em esporte olímpico em 2021. Levou menos tempo do que o vôlei, portanto. Cerca de 60 anos. Mas isso não significa que o esporte teve vida fácil, especialmente na cidade de São Paulo.
Em 1988, o então prefeito, Jânio Quadros, tomou a decisão de proibir o uso de Skate. A emblemática capa do Caderno “Cidades” da Folha de São Paulo de 20 de Maio de 1988 estampava o fato do prefeito proibir skates e bicicletas no Parque do Ibirapuera.
eSports e sua contribuição para o esporte de alta performance
A Fórmula 1 desde muito tempo vem tentando diminuir os custos associados à competição. Mas foi em 2007 que a regra que limitava os testes começou a aparecer. Naquele ano, limitada a 30.000km e, dois anos depois, foram definitivamente banidos. Curiosamente surgia de forma conjunta, em 2009, aquele que talvez hoje ainda represente a melhor versão de Metaverso da atualidade: Minecraft.
Sem poder testar com um carro físico real, as equipes de Fórmula 1 passaram a desenvolver seus testes usando simuladores.
Pierre Gasly, então na Fórmula 2 e piloto de testes da RedBull, em 2016, demonstrou que a equipe fazia uso dos simuladores para testar modificações de setups aerodinâmicos e treinar seus pilotos no desafio de cada circuito, em entrevista cedida para Sarah Holt da CNN. À época, o simulador era incomparável aos jogos disponíveis. O Playstation 4 possuía um título editado pela CodeMasters que embora surpreendesse seus jogadores pelo aparente realismo, ainda estava longe da realidade.
Contudo, a implacável Lei de Moore, que possui extensa bibliografia e permite explicar a evolução da capacidade de processamento e a sua correlação com a redução do preço, uma vez que afirma que dobraremos a quantidade de componentes por circuito integrado a cada dois anos, faz com que nos dias atuais, qualquer simulador doméstico possa emular condições reais de pista.
Não à toa, o treinamento de pilotos em simuladores tornou-se absolutamente cotidiano e passou mesmo a revelar talentos digitais para o esporte analógico.
Em 2014, o The Guardian, com Giles Richards, cobriu a história de Jann Mardenborough, campeão da academia Nissan de Playstation em 2011 e que se tornou piloto oficial da tradicionalíssima corrida de Le Mans. A pandemia atingiu em cheio a Fórmula 1 em 2020. Vários Grandes Prêmios foram cancelados ou adiados. Neste contexto, pilotos profissionais como Charles LeClerc, George Russell, Alex Albon se juntaram a pilotos de teste e pilotos de outras gerações, como Johnny Herbert e protagonizaram o único esporte viável à época, com distanciamento, cada um em sua residência, em seu próprio simulador, com transmissão oficial via Youtube. É o que pode ser assistido em “2020 Bahrain Virtual Grand Prix Highlights | F1 Esports”:
Assista ao vídeo aqui.
O mercado potencial de eSports
O mercado brasileiro possui 101 milhões de jogadores. Algo próximo de 50% da população. É muito difícil de imaginar algo tão democrático e com tamanha penetração como os jogos eletrônicos.
É claro que boa parte destes jogadores são casuais, assim como são os jogadores de peladas aos finais de semana se comparados aos atletas de eSports. E, assim como a plateia de uma partida entre amigos é nula, quando falamos da audiência de um evento oficial de eSports ela se compara a verdadeiros Maracanãs cheios.
A audiência de eSports está prevista para alcançar 640 milhões de pessoas ao redor do mundo até 2025 de acordo com pesquisa revelada pela Statista e continua a crescer a quase dois dígitos ao ano.
eSports como fator de inclusão social e o futuro
A final do campeonato de F1 2022 eSports Series Pro teve audiência superior a 100.000 pessoas como demonstra o canal oficial no Youtube. E, o que surpreende é que o campeão, Lucas Blakeley, não venceu sozinho. Ele pertence a uma equipe de pelo menos 9 pessoas diretamente envolvidas nas corridas em que disputa.
Corroborando com ele, vem uma declaração de um grande atleta brasileiro de eSports conhecido como Nobru: “Senhora ministra, eu queria falar em nome de todos os atletas de eSports, que são muitos aliás, que eSports é um esporte sim!”. E, adicionou ao final de sua declaração: “Tenho certeza que os jogos eletrônicos apareceram para dar novas esperanças para a criançada, mostrar que a gente consegue vencer na vida, assim como eu venci. Hoje em dia consigo sustentar a minha família e tenho uma empresa com 200 funcionários”.
Nobru, ou Bruno Goes, nasceu em uma favela, na região de Campo Limpo, na cidade de São Paulo, e se hoje fatura cerca de R$ 1 milhão de reais ao mês com sua empresa, deve tudo isso aos eSports.
Jogos eletrônicos possuem intrinsicamente a beleza de serem inclusivos e permitirem a participação de qualquer pessoa, independente de idade, sexo, credo, cor ou limitações físicas.
E, enquanto o COI cria os primeiros jogos olímpicos eletrônicos, programados para acontecer em junho de 2023, em Cingapura, em sinal de reconhecimento à sua importância, o Brasil, no atual posicionamento, vai mantendo-se na posição de nação praticamente mono-esportiva e, condenando a geração que representará o país em 2040, em Jogos Olímpicos que provavelmente integrarão uma modalidade de eSports em seu programa, a serem heróis reclamando da falta de incentivo, fruto de decisões tomadas nos dias de hoje.
Charles Schweitzer é Head de Inovação do Grupo Carrefour, com histórico profissional de mais de 20 anos em grandes corporações como Leroy Merlin, Embratel, SAP, IDC e Alcoa Alumínio.