Escassez de profissionais: empresas estão criando braços de educação para profissionalizar pessoas
Humanos e tecnologia

Escassez de profissionais: empresas estão criando braços de educação para profissionalizar pessoas

Metodologias de trabalho e fit cultural são alguns dos motivos para as companhias formarem especialistas dentro de casa

Um dos principais desafios dos gestores é ter um time qualificado e engajado com a cultura da companhia. Esse desafio aumentou ainda mais durante os últimos dois anos, por conta dos impactos causados pela pandemia e com a busca agressiva das startups por talentos, causando uma escassez no mercado.

Para contextualizar esse cenário, o ecossistema de startups no Brasil recebeu mais de R$ 34 bilhões, em mais de 230 empresas, somente no último ano, e isso representa três vezes mais do que o recorde anterior registrado no ano de 2020.

No total, em 2021 o Brasil registrou um crescimento de 7% no número de vagas, gerando mais de 2,7 milhões de empregos com carteira assinada. O segmento que puxou isso foi o de tecnologia, que deslanchou com as vendas online, serviços de entrega, call centers e infraestrutura para o home office.

Mas ainda assim, o baixo número de pessoas qualificadas para ocupar essas vagas impactará no crescimento do mercado e, consequentemente, no desenvolvimento do país. Por isso, empresas estão construindo, cada vez mais, verticais de formação de pessoas, para criar “dentro de casa” profissionais capazes de atenderem suas necessidades.

Tecnologia

Com a Transformação Digital acelerada, especialmente nos últimos 24 meses, a área de tecnologia foi uma das mais impactadas nesse período, positiva e negativamente. Isso porque abriu um cenário gigantesco de oportunidades e crescimento, aumentando o portfólio dessas companhias e gerando milhares de empregos na área.

Porém, paralelamente, o aumento repentino causou um gap e essas empresas ficaram sobrecarregadas, não conseguindo dar conta da oferta e afetando as vendas de outros nichos, como, por exemplo, a indústria automotiva.

Com a retomada da produção por parte das fabricantes de automóveis, foi registrado também um aumento significativo nas vendas de aparelhos eletrônicos como laptops, smartphones, tablets, televisores, que também precisam de semicondutores — ou microchips — para a fabricação.

O impacto disso foi a escassez de veículos ou mesmo de componentes em alguns deles. Para ter uma ideia, em 2020 a Chevrolet ficou mais de 5 meses sem produzir o Onix, e a Volkswagen teve que retirar a central multimídia do Fox. Marcas de luxo também foram impactadas, como é o caso da Audi, que anunciou que a escassez de componentes a forçou a entregar ao cliente apenas a chave de lâmina tradicional, sem o sistema presencial.

Esse impacto diz muito sobre a falta de mão de obra na área. Um estudo, realizado pelo núcleo de engenharia organizacional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela Agência Alemã de Cooperação Internacional, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), aponta que nos próximos dois anos, a demanda do setor de tecnologia será de 401 mil profissionais, porém só haverá 106 mil disponíveis, o que representa uma lacuna de 74%.

Mercado

Atualmente o país conta com mais de 422 mil empresas na área de softwares e serviços digitais, dados são do Tech Report 2021, realizado pela Associação Catarinense de Tecnologia e pela Neoway. Entre os estados que mais possuem empresas do nicho, estão: São Paulo (48%), representando quase metade do mercado, seguido por Rio de Janeiro (10%), Minas Gerais (6,3%), Paraná (5,8%) e Rio Grande do Sul (5,4%).

(Fonte: Neoway & Acate Tech Report 2021)

Expectativa x Realidade

Com o alto volume de contratação no mercado digital, também percebemos um gap entre os novos profissionais que saem das universidades e a realidade do mercado — e aqui falo sobre capacidade de aprendizado e não sobre experiência.

Uma pesquisa realizada em 2020 por uma empresa de pesquisa de opinião norte-americana, a GALLUP, mostra um abismo entre a academia de ensino e o mercado de trabalho. Enquanto 96% dos gestores acadêmicos acreditam que a metodologia de ensino atualmente aplicada pelas Universidades é adequada para suprir as necessidades do mercado de trabalho, apenas 11% dos líderes empresariais concordam com a afirmação.

Esse abismo é ainda maior se formos comparar a realidade de ensino na América Latina. No último ano, entre as cinco melhores universidades do mundo, segundo o ranking internacional da QS Quacquarelli Symonds, empresa de análise do Ensino Superior, quatro são norte-americanas. O Brasil só aparece na 115ª posição, com a Universidade de São Paulo (USP). A melhor academia de ensino da América Latina aparece apenas na 66ª com a Universidad de Buenos Aires (UBA). O ranking das 5 melhores universidades do mundo abaixo:

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(Fonte: QS Top Universities)

Formação de pessoas

Em virtude desse cenário, cada vez mais companhias estão abrindo verticais de ensino dentro da estrutura da organização para formar e qualificar pessoas para trabalhar na operação.

Utilizando a minha empresa como exemplo, que tem com foco em Marketing Digital, setor tradicional e que há um gargalo entre o profissional formado nas instituições de ensino e o que o mercado realmente precisa, foi necessário investir e criar um squad apenas com foco na formação de pessoas.

Isso porque na era da digitalização, o marketing também mudou e a forma tradicional de campanhas como conhecemos há décadas não é mais o suficiente. E isso não é recente: nos anos de 1990, o então diretor de marketing da Coca-Cola, Sergio Zyman, disse que o marketing como nós conhecemos acabou, pois as metodologias das agências de publicidade, custando muito dinheiro e sem analytics com foco nas vendas, não serve para nada.

No período da pandemia nunca se falou tanto sobre os profissionais da ciência, que desenvolvem teses a partir de questionamentos e observações, seguido de hipóteses para conseguir resultados mais assertivos. É nesse conceito que eu passei a chamar o “novo” profissional de comunicação como “Cientista do Marketing” — mas as universidades não se adequaram a esse novo cenário.

O mercado passou a exigir mais resultados com menos recursos. Por isso, produzir campanhas com foco em arte para ganhar prêmios não é mais o foco. O objetivo central da pauta passou a ser as empresas e como utilizar poucos recursos para escalar as vendas dessas companhias.

O marketing então viu a necessidade de ter profissionais com foco em performance, capazes de analisar dados e mensurar campanhas digitais com o objetivo de entender o cliente final, sem achismo, e sim com o mindset data driven, metodologia aplicada hoje pelas principais empresas do mundo como Google, Apple, Amazon, Alibaba entre outras.

Você percebe que as empresas que cito acima possuem algo em comum: já nasceram no ambiente digital. Mas não para por aí, a Apple possui programas de formação de pessoas, especialmente na área de tecnologia, como a Apple Developer Academy, inaugurada no Brasil em 2013.

O Google, por meio do seu fundo Black Founders Fund, do Google for Startups Brasil, já investiu R$ 5 milhões em 33 startups fundadas e lideradas por pessoas negras, com o objetivo de fomentar a inclusão e diversidade e criar mais profissionais, não à toa 85% dessas empresas criaram 170 novos empregos nos últimos meses. Recentemente a companhia anunciou mais de R$ 8,5 milhões em investimento nessas startups que serão distribuídos pelos próximos 18 meses.

O fato é que essa realidade não será apenas das grandes corporações, mas também das empresas que queiram continuar crescendo e expandindo seus negócios, independentemente do segmento de atuação.

Ainda no setor de marketing digital, por exemplo, área que, no Brasil, reúne pelo menos 20 mil agências, segundo a Associação Brasileira de Agências de Publicidade, a projeção é que as companhias invistam cerca de R$ 40 bilhões em campanhas digitais até 2025. Conforme os dados abaixo:

(Fonte: Livro Cientista do Marketing. Autor: Dener Lippert)

Para atingir essa expectativa, será necessário formar profissionais em maior volume nos próximos meses, e esse dever não será mais só das universidades. Por isso, quando os gestores olharem para os dados da companhia e projetarem as prioridades do planejamento anual, terão que incluir a área de people e criar um setor para qualificação de pessoas.

As empresas que entenderem essa necessidade e se adequarem à nova realidade, vão disparar no mercado e expandir seus negócios. Caso contrário, em pouco tempo vão começar a ter dificuldade com a retenção de talentos e ficarão sem mão de obra a longo prazo. Então, será questão de tempo para colocar em jogo tudo o que construiu, após anos de trabalho.


Este artigo foi produzido por Dener Lippert, CEO e fundador da V4 Company.

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