Do varejo à saúde: blockchain é sobre casos de uso que vão evoluir a humanidade e a sociedade
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Do varejo à saúde: blockchain é sobre casos de uso que vão evoluir a humanidade e a sociedade

Experiências em andamento em diversos setores mostram amadurecimento do mercado e possibilidades oferecidas pelas tecnologias exponenciais.

Até outubro de 2022, 44 das 100 maiores companhias de capital aberto já utilizavam a tecnologia blockchain, apontam dados publicados pela Blockdata naquele mês. As aplicações se dividem em seis grandes setores: finanças, saúde, materiais básicos e industriais, varejo e consumo, mídia, consumo e tecnologia, e energia e utilidades. Através destes dados, é possível avaliar não só a chegada da tecnologia blockchain a grandes players do mercado tradicional, como também a versatilidade da tecnologia, capaz de ser empregada nos mais diversos setores. Até mesmo bancos centrais começaram a flertar com a tecnologia de cadeia de blocos, ao apresentarem o conceito de moedas digitais emitidas por bancos centrais, conhecidas pela sigla em inglês CBDC. 

Descomplicando a cadeia de blocos 

Como a tradução livre do termo blockchain sugere, trata-se de uma tecnologia caracterizada pela formação de uma cadeia de blocos. De forma mais elaborada, cada novo bloco da cadeia deve remeter ao anterior, mantendo uma estrutura de coesão nas informações. 

Bloco é o nome dado ao recipiente que recebe informações e é altamente protegido por criptografia. Uma vez incluídas no bloco, as informações não podem ser alteradas. Para garantir a integridade dos dados, cada dispositivo executando o software da blockchain, conhecido como nó, mantém uma versão atualizada do estado da rede. Os nós se comunicam em uma rede peer-to-peer, ou de pessoa para pessoa, em português. 

O resultado, na prática, é um modelo de armazenagem imutável e compartilhado, que torna mais eficiente o registro de informações. Embora sejam públicas no geral, blockchains também podem ser privadas, podendo também se diferenciar em relação ao modelo de consenso que empregam. 

O consenso por prova de trabalho, por exemplo, mantém a segurança da rede através de um sistema onde validadores precisam utilizar dispositivos para resolver complexas equações matemáticas. Já na prova de participação, o validador precisa alocar uma quantia mínima do criptoativo nativo da rede para validar as transações. Outro exemplo conhecido é a prova de autoridade, quando a validação de transações na rede é feita por validadores conhecidos pelos organizadores da rede. 

A blockchain na estrutura financeira soberana 

As moedas digitais de banco centrais (CBDC, na sigla em inglês) são, atualmente, o principal atestado de que a tecnologia blockchain conquistou a confiança de nações. Um grande exemplo é a China, que já baniu a negociação de criptomoedas do país em diferentes ocasiões, mas lançou a versão digital de sua moeda, o yuan digital, em 2022. 

As aplicações das CBDCs variam de acordo com cada país. Uma apresentação do Banco Central do Brasil (BCB), compartilhada durante o evento IDP Summit em fevereiro de 2023, aponta que as principais aplicações das CBDCs são: para pagamentos instantâneos; para pagamentos no atacado; e para o fomento de novos negócios. A última aplicação está sendo explorada pelo Brasil nos planos envolvendo o Real Digital, aponta o documento. 

O fomento a novos negócios através do Real Digital ocorre, principalmente, na ‘economia tokenizada’. Este é o nome dado à estrutura financeira construída a partir de ativos reais, que são migrados para o meio digital na forma de tokens. Esse processo faz com que os ativos tokenizados ganhem mais liquidez, sejam emitidos de forma menos burocrática e tenham maior rastreabilidade dentro da estrutura financeira. 

Embora o Pix seja um arranjo de pagamentos eletrônicos que cresce no Brasil, principalmente no varejo, ele ainda está fora do circuito digital quando há a necessidade de liquidar esses ativos tokenizados. Para manter a efetividade da tokenização, o Real Digital atuaria como agente de liquidez em ambiente totalmente digital, segundo o BCB. 

Agenda de Tecnologia Banco Central do Brasil – Transformação Digital e Democratização do Sistema Financeiro, p. 23

Nota-se, desta forma, uma presença ainda mais forte da tecnologia blockchain: no desenvolvimento do Real Digital e na criação de uma economia tokenizada reconhecida pelo Banco Central do Brasil. E esta pode ser apenas uma das facetas da CBDC brasileira em termos de fomento de novos negócios. 

No fim de fevereiro de 2023, um protótipo de blockchain pública, organizado por Mercado Bitcoin, CPQD, Cheesecake Labs, ClearSale e Stellar foi aprovado. Além da possibilidade de liquidação em ambiente totalmente digital de ativos tokenizados, o projeto também possibilita a conexão do sistema de pagamentos brasileiro com o ambiente de finanças descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês). 

Quando o presidente de um banco central de um país alega que está abraçando a blockchain, visando melhorar a intermediação financeira com ela, fica mais do que claro o poder que existe nessa inovação. Em uma entrevista concedida em outubro de 2022, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil, avaliou que o país está evoluindo para um mundo tokenizado, e que a blockchain tem alto potencial de transformação nesse novo contexto.  

Um exemplo nacional demonstra o quanto a tecnologia blockchain pode ser aproveitada dentro do sistema financeiro de um país. A relevância é ainda maior, quando consideramos o fato de que o Brasil é a maior economia da América Latina. 

Produto Interno Bruto (PIB) dos países da América Latina e Caribe em 2021, em bilhões de dólares, Statista

Impulsionando o varejo 

Os programas de fidelidade têm grande impacto no varejo. Um estudo da empresa de consultoria Invesp aponta que 69% dos consumidores são influenciados pela presença de tais programas. Outro estudo, este da empresa Access Development, indica que 63% dos membros das gerações Millennials e Z não se comprometem com uma marca que não tenha algum programa de fidelização de clientes. Esses são apenas dois dos diversos impactos que as medidas de fidelização de consumidores no varejo causam. 

No varejo, a tecnologia blockchain também tem conquistado seu espaço. Em 1º de março de 2023, o banco digital Nubank, que conta com cerca de 65 milhões de usuários na América Latina, anunciou a Nucoin. É um criptoativo que será distribuído aos seus usuários que engajaram nos últimos meses nos programas de fidelidade já disponibilizados pelo banco. De acordo com o litepaper do projeto, acumular Nucoins aumentará o nível de fidelidade dos clientes do banco digital, dando acesso a mais benefícios. 

O litepaper do projeto também aponta a possibilidade futura de trocar Nucoins por dinheiro, ou negociar o criptoativo com outros clientes do banco. Após a distribuição inicial, é possível obter mais unidades do token através do programa de cashback criado, onde cada real gasto com cartões do banco digital é convertido em Nucoin. O projeto foi criado sobre a blockchain Polygon, usando a solução Polygon Edge. 

Outro programa semelhante foi anunciado pelo Mercado Pago, um dos principais veículos de pagamento da América Latina, em setembro de 2022. Trata-se do Mercado Coin, um token obtido através de compras realizadas no marketplace Mercado Livre, também com base em um sistema de cashback. A utilidade do Mercado Coin é sua utilização como moeda válida dentro do Mercado Livre, podendo ser utilizado para comprar produtos. 

O projeto criado pelo Mercado Pago também utiliza tecnologia blockchain, dada sua criação sobre a blockchain Ethereum, segunda maior blockchain pública em valor de mercado. 

Saindo da área das instituições financeiras e dos tokens, há o programa Starbucks Odyssey, criado pela Starbucks, que utiliza tokens não-fungíveis (NFTs, na sigla em inglês) para fidelizar clientes. A empresa criou um sistema nomeado de “jornadas” dentro de seu aplicativo, que são ações interativas que se relacionam com os NFTs dos usuários.  

Ao interagir com o sistema de jornadas, o cliente do Starbucks acrescenta um ‘selo’ em seu NFT, que é um avatar personalizável. Este modelo gera dois efeitos imediatos: o primeiro é o senso de pertencimento, gerado através da criação de uma comunidade que se identifica pelos avatares do programa Odyssey; o segundo é a geração de recompensas exclusivas para os clientes da marca. 

Assim como nos outros dois casos, os colecionáveis digitais do Starbucks são criados sobre tecnologia blockchain, mais precisamente sobre a estrutura da Polygon. Os novos modelos de fidelização renovam os programas de fidelidade do varejo, criando experiências mais interativas, gerando um senso de comunidade, e dando flexibilidade aos ativos criados.  

Aplicações na saúde e na logística 

A versatilidade da tecnologia blockchain ganha contornos mais fortes quando sua aplicação não está diretamente relacionada a aspectos financeiros. A VitaDAO é um desses casos de uso. DAO é a sigla em inglês para organização autônoma descentralizada que, como o nome sugere, é uma entidade que não possui um ponto centralizado de liderança. As deliberações do coletivo são propostas e decididas por meio de votações. 

No caso da VitaDAO, o token VITA representa o poder de voto dos membros da organização, e seu objetivo é financiar pesquisas sobre métodos para aumentar a longevidade. Um dos projetos financiados pela DAO, por exemplo, é um método para detectar a Doença de Alzheimer através do escaneamento da retina. 

A proposta da VitaDAO tem atraído o interesse de fundos de capital de risco, inclusive da Pfizer, que participou de uma rodada de investimentos no fim de janeiro de 2023, na qual a organização captou US$ 4,1 milhões. O valor será utilizado para financiar mais iniciativas de pesquisa que busquem tratar doenças ligadas ao envelhecimento, buscando aumentar a longevidade humana. 

As votações e as injeções de capital em projetos de pesquisa são públicas, validadas pela tecnologia blockchain. Pode-se dizer, então, que a tecnologia de cadeia de blocos tem relação direta com o financiamento de pesquisas científicas. 

Outra famosa instituição do ramo de saúde envolvida com a tecnologia blockchain é a fabricante de produtos farmacêuticos Roche. A empresa tem buscado implementar uma organização em cadeia de blocos para gerenciar sua relação com fornecedores e instituições de pagamento, devido à transparência, resistência à fraude e automatização de processos de pagamento característicos desta tecnologia. 

Em um artigo publicado pelo Deutsche Bank, o gestor sênior da tesouraria da Roche, Stefan Windisch, deu mais detalhes sobre o que levou a empresa até a tecnologia blockchain. “Chegamos à conclusão de que a tecnologia blockchain nos permitiria compartilhar e criar transparência nas informações sob múltiplas perspectivas.” 

Empregando blockchain em seu processo logístico, a Roche reconheceu que pode organizar informações de diversos fornecedores e instituições financeiras em um único recipiente de dados. Além disso, o processo pode ser automatizado através da implementação de contratos inteligentes, que são códigos auto executáveis que operam sob condições pré-estabelecidas.  

“Podemos processar mais ordens de pagamento de forma mais rápida, reduzindo a mutabilidade dos dados, o que é essencial para reduzir os riscos de fraude. Acreditamos que a solução também é escalável. Sob a perspectiva de um comerciante, existem menos processos manuais, e o acesso a valores é tornado mais rápido, com a mesma visibilidade sobre os contratos que temos na Roche”, acrescentou Windisch sobre aplicar blockchain na cadeia logística da empresa. 

Além da aplicação em sua cadeia de suprimento, a Roche firmou uma parceria para utilizar sua plataforma blockchain para otimizar processos hospitalares. O objetivo é reduzir o tempo de espera de pacientes, gerar diagnósticos mais rápidos, e criar uma estrutura de pagamento justa para os serviços oferecidos. 

Perspectivas e oportunidades 

A blockchain prospera mesmo nos setores onde não existe crença sobre o potencial das criptomoedas e muito menos especulação financeira. Embora tenha sido popularizada pelo seu papel de espinha dorsal dos ativos digitais, essa tecnologia já ultrapassou significativamente esta aplicação.  

Em 2022, o tamanho total da indústria blockchain foi avaliado em US$ 10,02 bilhões, apontam dados de um relatório da Grand View Research. Entre 2023 e 2030, no entanto, espera-se que o setor tenha uma taxa de crescimento anual composta de 87,7%. O motivo, de acordo com o documento, é o crescente interesse dos fundos de capital de risco sobre esta tecnologia. 

Além disso, as aplicações de blockchain podem ter ainda mais desdobramentos, dada sua versatilidade. É possível combinar o modelo distribuído de registrar informações com Inteligência Artificial, Internet das Coisas e realidade aumentada, setores da tecnologia que também crescem em aplicação. Não é possível esquecer também da Web3, o movimento de descentralização da internet que também se apoia sobre a blockchain. 

Dada a flexibilidade dos casos de uso da cadeia de blocos, não é exagero afirmar que seu destaque dentre as inovações tecnológicas deve perdurar por, pelo menos, mais uma década. Além de que é muito certo que essa inovação vai evoluir e impactar de maneira profunda toda uma era, humanidade e sociedade. É peremptório estar atento e com apetite de experimentação para que possamos estar na vanguarda dessa transformação no Brasil. Uma oportunidade única para empreender e prosperar nesse novo ciclo das tecnologias exponenciais.  


CMO do Mercado Bitcoin; Co-Founder da Alma DAO e Conselheiro da Mobile Marketing Association e do Grupo de Mídia de São Paulo

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