Do TECH ao TOUCH: por que é preciso cuidar da experiência do colaborador
Humanos e tecnologia

Do TECH ao TOUCH: por que é preciso cuidar da experiência do colaborador

As questões da inovação e da transformação digital das organizações vão muito além do investimento em tecnologias cada vez mais sofisticadas.

A maioria dos CEOs no Brasil e no mundo tem metas relacionadas à satisfação do cliente, engajamento de funcionários e automação ou digitalização incluídas em suas estratégias de longo prazo, porque esses resultados não financeiros estão vinculados ao desempenho dos negócios. Esse dado, apresentado durante a 25ª CEO Survey 2022, realizada pela PWC, ratifica que as questões da inovação e da transformação digital das organizações vão muito além do investimento em tecnologias cada vez mais sofisticadas.  

Assim como as estratégias cada vez mais colocam o cliente no centro, fazendo com que a Experiência do Cliente seja a mais positiva possível, sabe-se que estas estratégias dependem de colaboradores cada vez mais satisfeitos não apenas com a empresa em si, mas com o seu próprio trabalho, de forma a garantir o engajamento em processos de mudanças, inovação e consolidação desta nova cultura.   

Experiência Positiva do Empregado 

A Experiência do Empregado (EX) precisa ser positiva e cada vez mais personalizada para gerar percepção de valor do empregado (EVP) e fortalecer a marca empregadora, não apenas como estratégia de engajamento, mas repensando toda a jornada do empregado — desde a sua atração até o seu desligamento da organização.  

Jacob Morgan identifica três dimensões que influenciam a Experiência do Empregado: a cultural, a física e a tecnológica. Sobre esta última, além de uma velocidade muito acelerada de inovações, já incorporadas por grandes corporações, fazendo com que toda a rotina e processos de gestão de pessoas, sejam cada vez mais automatizados, acessíveis a qualquer hora, de qualquer lugar e numa perspectiva global, não restrita ao local de contratação daquele empregado, que hoje pode prestar serviços a qualquer área e unidade da empresa, mesmo geograficamente distante, quando a atividade pode ser realizada de forma remota.  

A dimensão física também está sendo repensada não apenas pela tendência de modelos híbridos de trabalho, que levou à redução de espaços físicos dos escritórios, mas essencialmente pelo entendimento de que os novos modelos exigem cada vez mais espaços colaborativos de trabalho e que o ambiente físico afeta o bem-estar das pessoas. 

A mais desafiadora é a dimensão cultural, pois está totalmente dependente do padrão de comportamento das pessoas na organização (difícil de ser modificado) e ainda não há dados científicos (devido ao pouco tempo desde a adoção deste modelo), para poder avaliar o impacto do trabalho remoto a médio e longo prazos na cultura organizacional. Hoje, existem tanto dados que evidenciam vantagens (produtividade, economia de tempo de mobilidade, flexibilidade etc.) como dados que demonstram desvantagens (sobrecarga de trabalho, falta de limite entre trabalho e vida pessoal, enfraquecimento do espírito de equipe, dentre outros), dependendo de um conjunto de varáveis como geração, natureza da atividade, condições de trabalho em casa etc. 

No entanto, já existem algumas evidências como The Big Resignation (A grande renúncia), Quiet quitting (A demissão silenciosa) e o aumento expressivo dos índices de burnout e outras disfunções mentais, de que será preciso trabalhar fortemente a cultura das organizações para assegurar uma experiência positiva do empregado, na medida em que o sentimento de pertencimento, o relacionamento com as lideranças e o alinhamento de propósito e valores organizacionais são elementos determinantes no estado de bem-estar dos profissionais. 

As duas primeiras evidências acima surgiram nos EUA e, a princípio, podem parecer não se aplicar a nossa realidade devido às diferenças cultural e econômica. Entretanto, dada nossa diversidade e especialmente desigualdade social, começa-se a perceber já no Brasil alguns casos, talvez em proporções e velocidades diferentes. Mas, já existem motivos para nos preocuparmos com isto, especialmente no que diz respeito às doenças mentais, já que o Brasil tem dados alarmantes, como mostrado em artigo anterior.

Mudança de modelos mentais 

Considerando-se que as organizações possam estar em diferentes níveis de maturidade em termos de políticas e práticas de gestão de pessoas, os desafios vão variar de empresa para empresa, mas alguns paradigmas merecerão ser revisados, tais como: 

Entender que a experiência do empregado não é responsabilidade apenas da área de RH, mas de todos os stakeholders de uma organização, inclusive o próprio colaborador, cujo comportamento mantém ou transforma a cultura organizacional. Um exemplo é a inclusão da diversidade, que não ocorre meramente por deliberação exclusiva do CEO ou políticas de RH, mas pela atitude individual de cada um em relação a como lidar com as diferenças de qualquer natureza, até meramente de opiniões, ou seja, os vieses inconscientes estão presentes em todas as decisões e ações que tomamos em relação aos outros. 

Perceber que o sucesso de uma organização não depende, necessariamente, de pessoas talentosas, mas de pessoas com mentalidade de crescimento (“MINDSET: a nova psicologias do sucesso”), que segundo a autora Carol Dweck, são movidas por desafios, abertas a críticas, entendem que esforço é natural e fundamental para superar adversidades. Este entendimento é importante, pois existem muitas divergências sobre o que é talento, geralmente ele se confunde com desempenho e potencial, especialmente na hora de avaliar, e falta de clareza e transparência destes aspectos podem levar a decisões e políticas injustas, que certamente afetarão a percepção de sua experiência na relação com a empresa. 

Compreender que a digital literacy será cada vez mais exigida, pois envolve mais do que conhecimento sobre novas tecnologias e seu uso, mas de ser capaz de redesenhar processos de trabalho com este mindset digital e analisar os impactos deles nas experiências dos empregados e dos clientes. 

Ter consciência do impacto da tecnologia sobre a gestão dados, já que cada vez mais eles serão a base para tomada de decisões crescentemente mais ágeis. 

Saber que hoje as pessoas, especialmente as das gerações mais novas, valorizam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, por isso demandam mais flexibilidade e adaptações nos ambientes corporativos e na relação com o trabalho. A flexibilidade aplicada não apenas ao modelo de trabalho (presencial, remoto, híbrido), a jornada de trabalho, ao dress code, mas aplicada à remuneração, benefícios e políticas de reconhecimento em geral, pois as necessidades e expectativas são diferentes não apenas na perspectiva geracional, mas também na social. 

Entender que independente de determinados fenômenos (The Big Resignation e Quiet quitting) iniciarem em culturas e economias diferentes das nossas, existem alguns elementos que precisam ser considerados, por serem tendências relacionadas a uma nova concepção do ser humano menos fragmentada e mais holística, como é o caso, da busca pelo trabalho significativo imbuído de algum propósito. Primeiro cabe diferenciar as palavras sentido e significado: 

Segundo pesquisadores Richard Hackmen e Greg Oldhan, em artigo cientifico publicado em 1975 e Ester Morin, estudiosa do tema, em artigo publicado quase 21 anos após, o sentido do trabalho é “uma estrutura afetiva formada por três componentes: o significado, a orientação e a coerência. O significado refere-se às representações que o sujeito tem de sua atividade, assim como o valor que lhe atribui. A orientação é sua inclinação para o trabalho, o que ele busca e o que guia suas ações. E a coerência é a harmonia ou o equilíbrio que ele espera de sua relação com o trabalho”.

Pensando sob esta perspectiva, apesar da banalização da palavra propósito na atualidade, cabe aqui trazer alguns pontos de reflexão sobre o tema, tanto na dimensão individual ou na organizacional, cujo alinhamento será crucial para a jornada positiva do empregado ou servidor, no caso da gestão pública. 

Alinhamento entre Propósito Pessoal/Profissional e Propósito Organizacional 

O dicionário Oxford define propósito como “a razão pela qual algo é feito ou criado ou para o qual algo existe”. O propósito é o “porquê” de uma atividade, serviço ou prática, expressa a identidade e a razão de existência. Yuval Noah Harari, historiador e escritor, afirma que “quando buscamos o sentido de vida, queremos uma narrativa que explique qual o meu papel particular no drama cósmico. Esse papel faz com que eu me torne parte de algo maior e dá significado às minhas experiências e escolhas.” Ideia colocada em outras palavras com maestria pelo personagem principal do filme A Invenção de Hugo Cabret numa icônica cena, quando dialoga com outra criança sobre seu propósito. 

Segundo pesquisa realizada em 2016, 37% das pessoas consideram-se orientadas por um propósito, e destas 73% sentem-se satisfeitas com seus trabalhos, percentual que cai para 64% de satisfação entre aqueles que não são orientados pelo propósito. Contrariando alguns discursos atuais, do ponto de vista geracional, a orientação por propósito ficou assim distribuída: 30% millenials, 38% geração X e 48% baby boomers. Em consonância, o estudo de Erik Erikson, Richard Barret considera que na maturidade a necessidade de contribuição social é ainda maior.  

Propósito profissional é uma experiência subjetiva das pessoas de que seus empregos, trabalho ou carreiras têm um propósito em harmonia com o significado de vida pessoal, em que através da sua atuação promovem e se beneficiam do bem maior pela sua atuação.  

Os japoneses têm um modelo chamado IKIGAI, que mostra que todo trabalho precisa atender a 4 dimensões: gerar prazer, utilizar nossos melhores recursos, contribuir para algo que o mundo precise e ter valor reconhecido.  

Michael Steger, professor e Diretor administrativo na Colorado State University, e outros autores que contribuiram com pesquisas neste campo, abordam o modelo SPIRE – Strengths, Personalization, Integration, Resonance, Expansion, para ajudar a descobrir um trabalho mais significativo. 

Os indivíduos que têm propósito com seu trabalho apresentam menor risco de rotatividade, maior comprometimento com a organização e maior envolvimento em ações de cidadania dentro da empresa (STEGER, DIK e DUFFY, 2012). A experiência de significado no trabalho está positivamente associada ao bem-estar e reduz o risco de ausência por doença de longa duração e rotatividade, segundo os pesquisadores Thomas Clausen e Vilhelm Borg. 

O propósito organizacional atende à necessidade das pessoas por um trabalho significativo, fazer parte de algo maior que a própria pessoa, criar o compromisso cognitivo, emocional e espiritual das pessoas com uma causa dentro da organização de forma partilhada, na opinião de diferentes estudiosos sobre o tema, inclusive os já citados anteriormente. 

Propósito e Resultados Sustentáveis 

Segundo pesquisa realizada por Raj Sisodia, D Wolfe e J. Sheth detalhada no livro O Segredo das empresas mais queridas, as organizações orientadas por Propósito tiveram resultado dez vezes superior ao das empresas do S&P 500 (índice que agrega as 500 ações mais relevantes para o mercado norte-americano) entre os anos de 1996 e 2011. Além disso, 58% das empresas trazem um retorno muito maior para os acionistas e asseguram maior fidelização do cliente. Segundo os autores isso ocorre porque as empresas com o propósito claro e difundido por meio de uma cultura organizacional consistente, atraem maior número de talentos e conseguem engajar melhor seus colaboradores e eles permanecem por mais tempo ativos na organização. 

Após estas reflexões, ficam mais claras as recomendações feitas pela pesquisa da PWC, citada no início deste artigo, com 4.400 executivos, em 89 países (com uma participação expressiva de líderes do Brasil) sobre as cinco prioridades que devem ajudar os CEOs a gerar os resultados sustentáveis, exigidos cada vez mais pelos diferentes stakeholders: 

  1. Conversa Franca (afeta diretamente a experiência do colaborador). 
  2. Desenvolvimento de novas habilidades (além das digitais, a empatia e a disposição para o debate e aceitação de divergências nunca foram tão importantes). 
  3. Sucessão Reavaliada (a liderança necessária para compreender os desafios atuais deverá incorporar diferentes conjuntos de competências, a partir de contratações externas e da formação de novos talentos de diversas origens). 
  4. Reformulação de Incentivos (a adequação entre prioridades a serem conduzidas, o sistema de gestão de desempenho em vigor e os relatórios que esses sistemas geram). 
  5. Colaboração Repensada (enfrentar os desafios mais urgentes da sociedade não será uma preocupação individual. Será preciso um nível inédito de cooperação entre líderes empresariais, governos e sociedade em geral). 

Este post foi produzido por Denize Dutra, Doutora em Administração. Consultora, Coach, Professora Convidada da FGV e colunista do MIT Technology Review do Brasil.

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