A adoção de inovações disruptivas sempre carrega consigo um ciclo previsível de entusiasmo, expectativa, desilusão e maturidade. Com a Inteligência Artificial generativa não é diferente. Após um período de “alvoroço”, com empresas de diversos tamanhos e segmentos trabalhando iniciativas para embarcar no hype da tecnologia, agora começamos a acompanhar um movimento conhecido como “o vale da desilusão da GenAI”.
Grandes corporações, em especial, enfrentam a dificuldade de implementar a tecnologia em suas operações e os desafios de adaptação são enormes. Um dos principais motivos para esse cenário? Planejamentos, muitas vezes rasos, dos custos e benefícios das iniciativas.
Segundo estimativa do Gartner, apresentada durante a conferência “Gartner CIO & IT Executive” realizada recentemente em São Paulo, 50% dos projetos de GenAI que buscavam eficiência sem um retorno sobre investimento (ROI) bem estruturado com LLMs já ficaram pelo caminho. O ROI em GenAI é complexo. Embora muitos esperem ganhos rápidos de produtividade, esse retorno nem sempre é mensurável de forma tangível e imediata.
Algumas organizações têm dificuldades em capturar todo o valor gerado pela IA, especialmente quando o ROI está ligado a melhorias intangíveis ou de longo prazo. A falta de uma estratégia clara de mensuração pode fazer com que empresas vejam seus custos crescerem sem um retorno proporcional.
Mas o investimento inicial em GenAI vai além do que está aparente à primeira vista: envolve tanto custos diretos como o consumo dos LLMs atualmente disponíveis, infraestrutura em cloud e ferramentas de IA, quanto custos indiretos, como o tempo de desenvolvimento, realocação de equipes e a gestão de mudanças. O processo de adoção raramente se limita ao orçamento previsto, uma vez que a complexidade de cada iniciativa, muitas vezes percebidas durante o andamento, pode elevar o total investido de forma significativa.
Por exemplo, um aspecto que muitas vezes passa despercebido é o custo de treinamento e requalificação dos funcionários. À medida que as empresas integram a GenAI em seus fluxos de trabalho, os colaboradores precisam desenvolver novas habilidades para interagir com essas ferramentas. Esse processo de capacitação vai além do ensino técnico – ele também exige mudanças culturais dentro da organização.
Os principais custos associados aos investimentos em IA generativa
Atualmente, podemos destacar dois perfis de empresas que investem em IA generativa: as que seguem uma estratégia “AI Accelerated” e buscam implantar IA em grande escala, inclusive em produtos; e as adeptas do chamado “AI Steady”, que tendem a focar em casos de uso mais controlados e voltados à produtividade interna.
No primeiro caso, o principal investimento por parte das organizações é a quantidade de infraestrutura e recursos necessários para treinar e, muitas vezes, desenvolver modelos personalizados. Nesse contexto, o AI Accelerated é uma abordagem que usa ferramentas e técnicas avançadas para otimizar e acelerar o processo de criação desses modelos, incluindo a aplicação de metodologias como Retrieval-Augmented Generation (RAG) e fine-tuning.
O RAG combina a geração de texto com a recuperação de informações externas, permitindo que o modelo consulte fontes externas, como bancos de dados ou a web, para enriquecer e atualizar suas respostas em tempo real. Já o fine-tuning é o processo de ajustar um modelo pré-treinado para tarefas ou domínios específicos, utilizando um conjunto de dados mais focado, o que melhora a performance do modelo em áreas especializadas.
Para as empresas do segundo grupo, o foco é aumentar a produtividade em cenários de menor escala, em tarefas que exigem eficiência e agilidade, mas que não necessitam de criação de novos modelos ou treinamento que use grandes volumes de dados. Essa abordagem faz uso de modelos já existentes e de domínio público em soluções rápidas e eficazes para situações cotidianas ou processos mais restritos.
Considerando um cenário ou outro, um custo de oportunidade que precisa ser analisado é que as empresas que hesitam em adotar a GenAI podem acabar perdendo competitividade, principalmente se seus concorrentes estão utilizando IA para otimizar operações, criar produtos ou melhorar a experiência do cliente. Nesse contexto, o custo de não investir pode ser tão significativo quanto o custo direto da adoção da tecnologia.
Por fim, também é preciso considerar que em um cenário onde quase metade dos projetos de IA focados em eficiência não geram o ROI esperado, muitas iniciativas acabam sendo repensadas ou interrompidas. A reestruturação de um projeto falho não apenas consome recursos adicionais, mas também pode impactar negativamente a moral das equipes e a confiança na tecnologia. Essas falhas podem gerar a necessidade de novos investimentos para reavaliação de abordagens, seja no âmbito da tecnologia, seja nos processos internos, aumentando o ônus financeiro.
O novo perfil da liderança de tecnologia
Diante desses cenários, novos perfis de liderança em tecnologia passam a emergir.
O Chief Data and Analytics Officer (CDAO), por exemplo, surge como uma figura estratégica dentro desse processo. É ele o responsável por garantir que o uso de dados permeie todos os aspectos da organização, desde a tomada de decisões até o desenvolvimento de novos produtos, garantindo a implementação de soluções mais estratégicas, capazes de reduzir impactos sobre custos e de garantir o sucesso das iniciativas que envolvem o uso da tecnologia.
O Gartner prevê que, nos próximos anos, o CDAO pode passar por um “rebranding”, se tornando um Chief Business Enablement Officer. Isso reflete a transição de um foco puramente analítico para uma função mais abrangente, que envolve facilitar a integração dos dados como um elemento essencial de todas as estratégias empresariais. Sem os dados devidamente estruturados e explorados, a maioria das iniciativas de IA simplesmente não funciona, e é nesse ponto que o CDAO se torna um facilitador de negócios, rompendo as barreiras entre tecnologia e estratégia.
Além disso, o mapeamento do processo decisório e dos influenciadores internos é uma das tarefas mais complexas para os CDAOs. A capacidade de liderar essa transformação envolve não apenas compreender a importância dos dados, mas também navegar pelas dinâmicas de poder dentro da empresa. O CDAO precisa estar em sintonia com os heads de outras áreas, como TI, operações e até mesmo o board, para garantir que a adoção de GenAI esteja alinhada com as metas de longo prazo da organização e seja cross-organizational – ou seja, atravessando silos e atingindo todas as áreas.
Segundo pesquisa do Gartner, o CTO/CIO continua sendo o executivo C-Level com maior protagonismo dentro das organizações na estratégia e adoção de AI, liderando esta agenda em 36% dos casos, atuando como um orquestrador da infraestrutura tecnológica, responsável por assegurar que a arquitetura de dados, a cibersegurança, os sistemas e as operações estejam preparados para lidar com o volume e a complexidade dos dados gerados e analisados pela IA.
Quanto aos líderes de negócios, seus papeis estão intrinsecamente ligados à criação de valor a partir da IA. Cabe a eles identificar onde estão as oportunidades reais de impacto nos resultados empresariais e garantir que as iniciativas de IA gerem valor mensurável. Diferentemente de líderes de tecnologia, que focam em “o que e como pode ser feito”, os líderes de negócios são responsáveis por determinar “o que deve ser feito” e como medir o sucesso dessas iniciativas.
Vale da desilusão ou de oportunidades?
À medida que a GenAI avança para o vale da desilusão, as empresas que conseguem entender e navegar por esses desafios de forma estratégica estarão mais bem posicionadas para colher os frutos a longo prazo. A adoção bem-sucedida da GenAI não se trata apenas de investir em tecnologia, mas de alinhar estratégia, cultura, processos e, principalmente, dados.
O sucesso dessas estratégias depende da capacidade de adaptação — e aqueles que conseguirem equilibrar inovação com pragmatismo terão uma vantagem competitiva inestimável. Este é o momento para repensar não apenas o que a GenAI pode fazer, mas como ela pode ser integrada de maneira coesa e significativa em um ecossistema organizacional que valoriza a colaboração entre líderes de negócios e tecnologia.
Portanto, o verdadeiro desafio não está apenas na tecnologia em si, mas na maneira como as empresas abordam essa transição. O vale da desilusão pode ser um campo fértil para a inovação, contanto que os líderes estejam dispostos a cultivar uma cultura de experimentação e aprendizado contínuo terão mais chances de transformar desilusão em novas oportunidades de crescimento e sucesso sustentável.
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