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Admito que raramente hesitei em apontar o dedo acusador para o aparelho de ar-condicionado. Já destaquei, em muitas reportagens e boletins, que ele é um contribuinte significativo para a demanda global de eletricidade, e que só vai consumir ainda mais energia à medida que as temperaturas aumentam.
Mas também serei o primeiro a admitir que pode ser uma tecnologia que salva-vidas e que talvez se torne ainda mais necessário à medida que as mudanças climáticas se intensificam. E, após a recente onda de calor mortal na Europa, tem sido estranhamente transformado em vilão.
Todos devemos estar cientes do crescente custo elétrico, mas o ódio ao eletrodoméstico é mal direcionado. Sim, o ar-condicionado consome muita energia, mas aquecer nossas casas também consome, e raramente é criticado da mesma forma que o resfriamento. Ambas são ferramentas para o conforto e, mais importante, para a segurança. Então, por que ele é retratado como um vilão por alguns?
Nos últimos dias de junho e nos primeiros dias de julho, as temperaturas atingiram recordes históricos em toda a Europa. Mais de 2.300 mortes nesse período foram atribuídas à onda de calor, segundo uma pesquisa preliminar da World Weather Attribution (Atribuição do Clima Mundial, em português), uma colaboração acadêmica que estuda eventos climáticos extremos. E as mudanças climáticas causadas pelo ser humano foram responsáveis por 1.500 dessas mortes, concluíram os pesquisadores. (Ou seja, o número de fatalidades teria sido inferior a 800 se não fosse o aumento das temperaturas provocado pelas mudanças climáticas).
Não teremos o número oficial de mortes por alguns meses, mas esses dados preliminares mostram o quão letais as ondas de calor podem ser. A Europa é vulnerável, porque em muitos países, especialmente na parte norte do continente, o ar-condicionado não é comum.
Ligar um ventilador ou abrir as janelas nos dias mais quentes costumava ser suficiente em muitos países europeus. Mas isso já não funciona. O Reino Unido foi 1,24 °C mais quente na última década do que entre 1961 e 1990, segundo o Met Office, o serviço nacional de meteorologia e clima do país. Um estudo recente constatou que as residências estão desconfortavelmente ou perigosamente quentes com muito mais frequência do que no passado.
A realidade é que algumas partes do mundo estão enfrentando um aumento nas temperaturas que não é apenas desconfortável, é perigoso. Como resultado, o uso de ar-condicionado está aumentando em todo o mundo, inclusive em países que historicamente tinham taxas baixas.
A reação a essa tendência de longo prazo, sobretudo diante da recente onda de calor, tem sido de indignação. Pessoas estão condenando o ar-condicionado nas redes sociais e em artigos de opinião, argumentando que devemos simplesmente suportar e lidar com um pouco de desconforto.
Antes de tudo, deixo claro que moro nos Estados Unidos, onde cerca de 90% das residências hoje contam com ar-condicionado. Então, talvez eu tenha uma certa inclinaçãoa favor do seu uso. Mas me surpreende quando vejo as pessoas falando sobre ar-condicionado dessa forma.
Passei boa parte da minha infância no sudeste dos Estados Unidos, onde é muito claro que o calor pode ser perigoso. Eu estava acostumado com muitos dias em que as temperaturas ultrapassavam os 32 °C, e a umidade era tão alta que as roupas grudavam no corpo assim que você colocava os pés para fora de casa.
Para algumas pessoas, ser ativo ou trabalhar nessas condições pode levar à insolação. A exposição prolongada, mesmo que não cause danos imediatos, pode resultar em problemas cardíacos e renais. Idosos, crianças e pessoas com condições crônicas podem ser ainda mais vulneráveis.
Em outras palavras, o ar-condicionado é mais do que uma conveniência — em certas condições, é uma medida de segurança. Isso deveria ser um conceito fácil de entender. Afinal, em muitas partes do mundo esperamos ter acesso à calefação em nome da segurança. Ninguém quer morrer de frio.
E é importante esclarecer aqui que, embora o ar-condicionado consuma muita eletricidade nos Estados Unidos, o aquecimento tem, na verdade, uma pegada energética ainda maior.
Nos Estados Unidos, cerca de 19% do consumo residencial de eletricidade vai para o ar-condicionado. Isso parece muito, e é significativamente mais do que os 12% da eletricidade destinados ao aquecimento de ambientes. No entanto, precisamos ampliar a visão para entender o contexto, porque a eletricidade representa apenas uma parte da demanda total de energia de uma residência. Muitas casas nos EUA usam gás natural para aquecimento. Isso não entra na conta da eletricidade consumida, mas certamente faz parte do uso total de energia do lar.
Quando olhamos para o total, o aquecimento de ambientes representa 42% do consumo de energia residencial nos Estados Unidos, enquanto o ar-condicionado responde por apenas 9%.
Não estou isentando completamente o ar-condicionado aqui. Há, obviamente, uma diferença entre usá-lo (ou outras tecnologias menos intensivas em energia) quando necessário para manter a segurança e deixar os sistemas funcionando na capacidade máxima só porque você prefere o ambiente gelado. E ainda há muito planejamento de rede elétrica a ser feito para garantir que conseguiremos lidar com o aumento esperado no uso de ar-condicionado ao redor do mundo.
Mas o mundo está mudando, e as temperaturas estão subindo. Se você está à procura de um vilão, olhe além do ar-condicionado. Olhe para a atmosfera.