O corte de aportes financeiros reduziu a vantagem competitiva das startups no que diz respeito à inovação. O capital de risco ficou mais caro e, portanto, mais escasso, o que impacta na capacidade dessas empresas desenvolverem soluções criativas, especialmente aquelas em estágio inicial.
Uma das vantagens de ter liderado organizações de tecnologia com características tão diversas é poder perceber as forças e ameaças de cada tipo de organização — sejam as grandes ou pequenas; nativas digitais ou tradicionais; aquelas cujo produto é totalmente tecnológico e as de produto físico.
As que ainda não são digitais estão buscando se reinventar e desenvolvendo canais de venda e relacionamento de forma digital. Mas para todas elas uma coisa não muda: testar é fundamental para inovar. No entanto, testes de hipóteses de negócio demandam muito dinheiro.
E nos últimos anos, após a euforia de 2021, o capital de risco se tornou mais escasso, consequência de um cenário global de juros altos, guerras e alta incerteza econômica. Segundo estudo do Sling Hub, plataforma de inteligência de dados sobre o ecossistema de startups latino-americano, o volume total de investimentos em rodadas de Série C caiu aproximadamente 18,82% no Brasil. Foi de US$49,52 milhões em 2022 para US$40,20 milhões em 2023.
O fato é que os ventos mudaram e trouxeram desafios para as startups de tecnologia. Mas esses desafios podem ser oportunidades para outras empresas.
De “crescimento a qualquer custo” para “o caminho para ser rentável”
De acordo com um estudo da McKinsey publicado no ano passado, 30% das startups na América Latina possuem caixa suficiente apenas para 18 meses. Paralelamente, os investidores estão mais cautelosos. E três em cada dez startups ainda rodam no vermelho. Nesse cenário, encontrar equilíbrio entre crescimento e lucro é um dos maiores desafios.
Captar mais oportunidades existentes no core ou investir na incerteza? Isso tem gerado um comportamento mais cauteloso: necessidade de evidências mais robustas de retorno financeiro antes de comprometer recursos.
Ou ainda, manter-se com seu próprio caixa e não depender da incerteza de novos investimentos. Isso fez com que as startups invertessem uma lógica anterior: elas passaram a priorizar movimentos mais austeros. É o chamado “back to basics” (de volta ao básico, em português), buscando, primeiro, rentabilizar seu core, sem abrir mão da inovação.
Inovar vs errar menos e mais barato
Apesar do cenário pouco amistoso, evoluções tecnológicas como as mais recentes no ramo da Inteligência Artificial — o boom dos Large Language Models (LLMs) — abrem uma janela de oportunidade incrível: inovação em produtos, versões melhores. Com isso, essas empresas que se veem diante da redução de investimentos podem obter vantagens competitivas sobre os seus concorrentes.
Isso impõe certa urgência em inovar, para não perder o momento. Mas diante de um capital mais limitado, surge também a necessidade de equilibrar a liberdade para cometer erros no processo de inovação e o impacto financeiro desses erros.
Sabemos que não há como experimentar sem errar. Mas a questão é: para que isso não crie barreiras para a inovação, o que é possível ser feito para errar menos?
Conectar os processos internos de desenvolvimento aos feedbacks dos clientes, criar pontos de contato para escuta, trazer esses clientes para a cocriação de produtos. Tudo isso pode diminuir a discrepância entre as expectativas da empresa ao introduzir inovações e as expectativas reais dos clientes. O alinhamento consistente nesse sentido pode minimizar erros e, consequentemente, reduzir os custos associados aos experimentos.
Planejar o necessário nunca foi tão necessário
Planejamento não é exatamente o forte de boa parte das startups. Um estudo da Efund Investimentos, operadora de Equity Crowdfunding, revela que 17% delas não têm plano de negócio.
Inclusive, há grandes nomes do mercado, como Airbnb, que não nasceram com um plano estruturado — a startup começou tudo com um colchão de ar na sala, improvisando uma acomodação para pernoite e só depois foi estruturada como negócio.
Por conta de histórias como essa, muitos pensam que “o esforço para criar um plano é em vão. Não temos tempo para isso”. Mas é nessa linha de pensamento que se perde tempo com transformações que nunca chegam ao objetivo desejado.
Uma análise divulgada na Harvard Business School sugere que um plano é, sim, importante para startups, mas que há um momento certo para fazer isso. De acordo com o estudo, os empreendedores mais bem-sucedidos são aqueles que elaboram seu planejamento de negócios entre 6 e 12 meses após decidirem iniciar o empreendimento. Ou seja, quando já estão conversando com clientes e preparando seu produto para o mercado. Isso mostrou aumentar as chances de viabilidade de uma startup em 27%.
Portanto, planejamento faz diferença. Também se faz necessário para não rasgarmos o (já escasso) dinheiro: conectar a proposta de valor do negócio ao cliente, fazer os desdobramentos necessários de metas (OKRs ou qualquer outra abordagem) entre as diversas camadas até chegar ao time, ter disciplina de acompanhamento e saber ajustar rotas quando necessário.
Ter dimensionamentos adequados e evitar mudanças desnecessárias de contexto também ajuda, assim como respeitar a “cognitive load” das pessoas. Cognitive Load é, na tradução para o português, a carga cognitiva: a quantidade de esforço mental necessária para processar uma informação. A teoria da Carga Cognitiva, proposta pelo psicólogo australiano John Sweller, na década de 1980, sugere que o planejamento e a estruturação de qualquer aprendizado devem considerar essa capacidade para que o aproveitamento seja eficiente. Em outras palavras, não sobrecarregar os times.
Portanto, um time de engenheiros que alterna códigos o tempo inteiro, por exemplo, ou que tenta abranger uma carga muito maior de esforço do que consegue, passa a ser um time sem profundidade. Isso gera consequências em qualidade e custo para o negócio.
Uma janela de oportunidade para as já consolidadas
As empresas muito disruptivas, quase sempre menores, são mais ágeis porque tiveram suas “dificuldades de execução” bancadas por acionistas e fundos de investimentos fartos (por vezes, financiando desperdícios e ações passionais ou sem embasamento). Conforme esses investimentos ficam mais escassos, parte dessa agilidade em “golpear” outros players tende a ficar mais comprometida.
Numa lúdica analogia à história de Sansão — figura bíblica conhecida por sua força extraordinária, porém condicionada à promessa de nunca cortar o cabelo —, as startups seriam como Sansão; a força delas seria sua agilidade e criatividade; e os investimentos, seus cabelos. Uma vez que os aportes financeiros estão sendo cortados, ficando cada vez menores, menos previsíveis e frequentes, podemos dizer que, nestes últimos dois anos, estão cortando os cabelos de Sansão.
Portanto, inovar de verdade está mais complexo. As pequenas e médias empresas de tecnologia estão “de volta ao básico” bem feito. Podemos observar isso nos resultados do Innovative Workplaces (IW) nos últimos anos. A chancela da MIT Technology Review que reconhece as empresas mais inovadoras experimentou uma queda no número de pequenas e médias organizações entre as vencedoras entre 2022 e 2023. A diminuição do capital de risco é um dos fatores que levaram a isso.
Assim, temas que antes eram pouco priorizados por pequenos negócios, como redução de custos de infraestrutura/cloud, layoffs de talentos e processos otimizados, gradualmente viram uma prioridade.
Esse novo comportamento entra em conflito com a capacidade de inovação desses negócios, dificulta o casamento perfeito entre suas propostas de valor e a experiência dos clientes.
Mas para as empresas maiores, já consolidadas e que precisam se reinventar para não sofrerem com a disrupção, surge uma janela de oportunidade interessante neste momento — uma janela temporal cujo tamanho não sabemos ainda. Elas devem procurar ser mais leves, ágeis e criativas, flexibilizar a rigidez processual, melhorar os investimentos em portfólio, dentre outras ações, para impulsionarem novos produtos e se posicionarem como inovadoras também.
Podemos citar como exemplo o iFood — que, aliás, foi um dos selecionados pelo IW, em 2022. O negócio tem três pilares internos para ser inovador: cultura, visão e tecnologia. De acordo com informações da própria empresa, mais da metade dos funcionários são engenheiros e cientistas de dados e já desenvolveram mais de cem modelos de IA internamente. O aplicativo de delivery hoje movimenta 0,53% do PIB brasileiro, segundo a Fipe, o que corresponde a R$ 97 bilhões.
O empoderamento de times autônomos para resolver desafios, por exemplo, é um dos caminhos. Acelerar a migração para funding por linhas de produtos, buscar estruturas que reflitam a real geração de valor (value streams) são mudanças que deveriam estar na pauta de prioridade das grandes organizações — pelo menos, daquelas que querem tirar proveito deste momento em que Sansão está com os cabelos curtos.
A maravilha de tudo isso é justamente essa dualidade: o que é desafio para uns, pode ser oportunidade para outros. E em ambos os casos, o aprendizado é certo.