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“O resultado do seu exame está disponível.” Ao receber essa mensagem, um paciente em meio a uma investigação clínica dificilmente conterá a curiosidade. Por meio de um aplicativo móvel ou do site, ele acessa o documento, mas compreende pouco do que está descrito ali, em linguagem técnica. O próximo passo é quase inevitável: pesquisar o significado dos achados médicos na internet. No entanto, nem sempre as respostas encontradas correspondem à realidade, tampouco oferecem uma interpretação precisa dos resultados, tornando essa busca pouco resolutiva.
Agora, imagine essa ansiedade prolongada por uma ou duas semanas, até a consulta com o médico que poderá esclarecer as informações e definir o melhor encaminhamento. E se, ao receber esse laudo, uma inteligência artificial pudesse traduzir os dados para uma linguagem acessível, oferecer insights relevantes e compartilhar o resultado diretamente com o profissional de saúde, auxiliando na tomada de decisão sobre o tratamento? Segundo o Head de Tecnologia e Inovação da Blue Plano de Saúde, Filemom Fernandes, essa é uma das soluções desenvolvidas pela empresa para aprimorar a assistência aos seus beneficiários.
“Temos diversas iniciativas assim, a maioria com o uso de automação e inteligência artificial. São soluções que nós desenvolvemos internamente, a partir do uso de tecnologia de terceiros, como OpenAI, Anthropic, Google. Todos os dias estamos testando modelos. O DeepSeek [modelo de inteligência artificial chinês], que recentemente ganhou destaque, já havia sido implementado em algumas soluções internas da empresa. Como ainda não está regulamentado no Brasil, seu uso é restrito e não envolve dados de beneficiários”, explica.
Segundo o executivo, oferecer a tecnologia como um instrumento vantajoso para o cuidado do paciente, sendo apresentada de maneira intuitiva, amigável e confiável, é a grande aposta da operadora de plano de saúde.
“A ideia é trazer facilidades, inovações que fazem o dia a dia ser mais ágil, mais produtivo. Nós temos, por exemplo, uma assistente de IA para atendimento ao usuário final. A Bloom, como é chamada, funciona no WhatsApp e no site. Ela consegue fazer todo o primeiro atendimento sem intervenção humana. Se você pede algum serviço, ela inicia a autenticação de dados. Uma vez autenticados, ela executa diversas ações, como indicar os prestadores da rede credenciada, por exemplo. Se o usuário precisa marcar um médico em determinada cidade, de determinada especialidade, ela te dá as opções vinculadas ao seu produto, ao seu plano”, diz o Head de Inovação.
A Bloom, segundo Filemom, possui um índice de 72% de resolução sem a necessidade de intervenção humana. Quando isso não ocorre, observa o executivo, o atendimento é direcionado para uma área especializada, em vez de um call center generalizado. “Isso representa uma grande eficiência. Temos 100 mil vidas e cerca de 300 funcionários, e essa proporção não existe em outras operadoras do mercado. Ou seja, somos altamente eficientes no que nos propomos a fazer. As tarefas repetitivas são automatizadas, enquanto as pessoas ficam alocadas em atividades que exigem análise crítica para a tomada de decisão”, explica.
Até mesmo a maior organização intergovernamental em saúde, a OMS – Organização Mundial da Saúde –, tem não só promovido discussões sobre o tema, como também está explorando as novas ferramentas digitais para ampliar sua comunicação.
Sarah (Smart AI Resource Assistant for Health) é uma assistente virtual com aparência de uma jovem mulher de pele clara, olhos castanhos e cabelo escuro preso em um coque. Ela veste uma camiseta azul simples, tem um sorriso amável e uma aparência realista. Criada com tecnologia de inteligência artificial, Sarah é descrita pela OMS como “um protótipo de promotora de saúde digital, disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, em oito idiomas, por meio de vídeo ou texto. Ela pode fornecer dicas para aliviar o estresse, adotar uma alimentação saudável, parar de fumar e abandonar o uso de cigarros eletrônicos, além de oferecer informações sobre diversos outros temas relacionados à saúde.”
Assim que o público começa a interagir, a assistente virtual deixa claro que ainda está em processo de aperfeiçoamento: “Sou nova e ainda estou aprendendo, mas posso te orientar com a melhor informação disponível. A boa notícia é que sou atualizada com frequência e estou sempre melhorando.”
Ao final da interação, além de fornecer links com materiais para aprofundamento dos temas abordados, ela também recomenda uma consulta com um profissional de saúde. No contexto brasileiro, entre as empresas desenvolvedoras desse tipo de tecnologias para o setor de saúde, a concepção é de que foi dado um novo passo no uso de IA, que vai além do suporte ao paciente, com modelos mais robustos que possam também ofertar apoio aos profissionais e gerar economia por meio de uma gestão mais eficiente.
“Engajamos todos da empresa na discussão sobre inteligência artificial, porque acreditamos na cultura da inovação dentro do nosso ecossistema. Esse é o futuro. Na saúde, a IA será uma ferramenta extremamente poderosa”, afirma Filemom Fernandes.
IA generativa e os copilotos
A Nama, empresa de soluções baseadas em IA generativa, ampliou sua atuação na área da saúde como parte de um reposicionamento estratégico de mercado. Fundada em 2014 com o propósito de simplificar e aprimorar a experiência do consumidor em grandes empresas, a startup hoje se dedica ao uso aplicado de IA em modelos avançados.
“Nós percebemos que focar apenas no atendimento ao consumidor não fazia mais sentido para o nosso core de P&D. Então, começamos a explorar novas possibilidades e identificamos que seria mais interessante capacitar as empresas a utilizarem seus próprios dados, em vez de simplesmente criar fluxos automatizados de atendimento”, explica Rodrigo Scotti, CEO da Nama, em entrevista à MIT Technology Review Brasil.
O alinhamento com o setor de saúde aconteceu de forma natural, pois era uma demanda crescente dos usuários. “A tecnologia nos permitiu expandir para diferentes segmentos da saúde, como laboratórios, por exemplo, além de viabilizar a correlação entre bulas de medicamentos, pesquisas acadêmicas e sintomas relatados por pacientes. Essa integração de informações, incluindo dados de pagers e bulas, se tornou uma das nossas principais soluções atualmente”, exemplifica Scotti.
O boom da IA generativa tem impactado a área da saúde de diversas maneiras. Esse avanço tecnológico permitiu que empresas como a Munai Inteligência em Saúde, especializada em soluções para o setor, ganhassem maior destaque após cinco anos no mercado. Atualmente, a empresa monitora em tempo real mais de três mil leitos de diferentes clientes, utilizando algoritmos de IA preditiva e generativa para alertar médicos sobre pacientes com risco de piora clínica.
“Conseguimos identificar para o médico quais pacientes precisam de intervenção, como uma possível transferência para a UTI. Também sinalizamos quando há a possibilidade de ajustar o tratamento com antibióticos. Por exemplo, se um paciente está recebendo medicação endovenosa, que tem um custo elevado, mas já apresenta estabilidade, podemos indicar a troca para a via oral. Isso permite que o paciente tenha alta mais cedo, reduzindo o tempo de internação e os custos hospitalares. Dessa forma, conseguimos otimizar recursos, gerar economia para o hospital e beneficiar o paciente”, explica Cristian Rocha, sócio-fundador e CEO da Munai.
A criação de copilotos inteligentes e personalizados é o principal negócio da empresa e a principal demanda dos clientes. Treinados pela tecnologia para serem capazes de trazer eficiência para o sistema, os produtos geram para hospitais uma economia mensal de R$ 2 mil por leito, segundo Cristian, além de otimizarem os atendimentos por profissionais de saúde e garantirem maior segurança para os pacientes.
O executivo prevê que, em breve, esses copilotos estarão amplamente adotados no setor de saúde: “Não tenho dúvida alguma de que, em um prazo de cinco a dez anos, todos os hospitais utilizarão IA na tomada de decisões clínicas. Isso se tornará um padrão. Não adotar a IA será como nadar contra a corrente.”
Confirmando a tendência, de acordo com um relatório da Precedence Research, empresa canadense-indiana especializada em pesquisas de mercado, o segmento de produtos e serviços baseados em IA para a área da saúde deve crescer cerca de 37% ao ano até 2030, atingindo um valor global de US$ 187,9 bilhões.
Aposta no futuro
Para os executivos entrevistados pela MIT Technology Review Brasil, o avanço da IA na saúde é irrefreável, mas uma questão se impõe: quais empresas liderarão esse setor? A resposta é crucial, uma vez que as principais preocupações com essa tecnologia — como vieses e alucinações — derivam, em grande parte, das diferenças estruturais entre os países.
Enquanto China e Estados Unidos disputam a hegemonia da IA, países como o Brasil têm grande potencial de evolução com inovações baseadas em código aberto. Apesar de o setor da saúde exigir um tempo maior de maturação para a adoção de novas tecnologias, o caminho se mostra viável.
“Se não tivermos nossas próprias soluções, seremos meros consumidores do que é desenvolvido lá fora. E, na saúde, isso significa que a epidemiologia dos Estados Unidos, por exemplo, não é a mesma do Brasil. O que funciona bem lá pode não ser eficaz aqui”, alerta Cristian Rocha, da Munai.
Rodrigo Scotti, da Nama, compartilha da visão de que o país tem capacidade para desenvolver sua própria tecnologia e criar sistemas compatíveis com os padrões internacionais. No entanto, ressalta a importância de uma estratégia nacional: “É fundamental que tanto o setor público quanto o privado se empenhem no fomento ao desenvolvimento de IA e aproveitem o ‘ouro’ que são os dados. Precisamos garantir que esses dados gerem valor para os usuários, permaneçam em solo nacional e assegurem nossa soberania no desenvolvimento da inteligência artificial.”