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As Conferências das Partes (COPs) são reuniões anuais realizadas sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), que teve sua primeira edição em 1995. Desde então, as COPs têm sido um fórum para negociações globais, reunindo representantes de quase todos os países do mundo para discutir e implementar ações de combate às mudanças climáticas. Um dos marcos mais significativos e conhecidos foi a COP21, em 2015, quando foi adotado o Acordo de Paris, que tem como objetivo limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2°C, com esforços para limitar a 1,5°C. As COPs têm evoluído ao longo dos anos, abordando questões como financiamento climático, adaptação, mitigação e, mais recentemente, a inclusão de novas tecnologias e soluções energéticas para alcançar as metas globais.
A COP30, marcada para novembro de 2025, em Belém do Pará, será especial por ser o marco de dez anos do Acordo de Paris e um momento em que os países discutem suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contribution, ou NDCs), com metas de redução de emissões até 2035. As NDcs são parte do acordo de Paris e representam o compromisso de cada país para a ação climática. É nesse documento que são detalhadas as metas especificas de redução de emissão além de medidas de adaptação as consequências da mudança climática. Elas devem ser atualizadas a cada cinco anos e o prazo final da próxima submissão é este mês.
Segundo a UNFCCC, essas atualizações são cruciais para manter viva a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. O Brasil, anfitrião da COP30, submeteu a sua contribuição em novembro de 2024. As NDCs do país preveem uma redução absoluta de 53% nas emissões até 2030, um aumento das reduções até 2035 e seguem o alvo de atingir o zero-líquido de emissões em 2050. Para que essas metas sejam viáveis, no entanto, é preciso ampliar o leque de soluções energéticas, e é aí que a energia nuclear entra em cena.
Muitas vezes marginalizada em pautas ambientais, ela é uma aliada estratégica para a descarbonização e o fortalecimento das NDCs.
Energia nuclear: uma aliada estratégica
Vários países já incluíram energia nuclear em suas NDCs para atingir as metas climáticas, geralmente vinculados a projetos específicos de redução de emissões. A meta do Canadá inclui o uso de Reatores Modulares Pequenos (Samll Modular Reactors, ou SMRs), que devem contribuir significativamente para a meta de emissões líquidas zero até 2050. A China planeja expandir sua frota nuclear, incluindo reatores avançados. O Reino Unido menciona projetos como Hinkley Point C em sua estratégia de descarbonização da geração elétrica, além de outros países como Ucrânia, Suécia, Índia que têm essa solução incluída ou como parte de suas NDCs ou ainda nas estratégias de longo prazo.
A energia nuclear também é reconhecida por organismos como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change, ou IPCC) e a Agência Internacional de Energia (IEA) como essencial para atingir a neutralidade de carbono até 2050. As características dessa tecnologia oferecem:
- Baixas emissões de carbono: em todo o ciclo de vida, a geração nuclear emite em média tanto quanto fontes renováveis como solar e eólica.
- Estabilidade na geração: diferente das fontes intermitentes, a nuclear fornece energia contínua, favorecendo a segurança energética e sendo ideal para contribuir com a estabilidade de um sistema com alta inclusão de fontes intermitentes como o Brasileiro.
- Aplicações além da eletricidade: pode ser usada para dessalinização, produção de hidrogênio, calor industrial entre outros setores que são difíceis de descarbonizar.
Além disso, as tecnologias emergentes como os SMRs e micro-reatores viabilizam aplicações descentralizadas, especialmente em localidades remotas e de difícil acesso, como a região amazônica, integrando segurança energética com preservação ambiental.
SMRs e Micro-Reatores: inovação que aproxima
Essas novas tecnologias de SMRs e micro-reatores estão mudando o paradigma da energia nuclear. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), essas soluções têm menor custo inicial e podem ser fabricadas em série, além de serem mais seguras e permitirem a instalação em áreas remotas, sem necessidade de grandes redes de transmissão.
Atualmente, existem mais de 70 projetos de SMRs estão em desenvolvimento globalmente segundo a AIEA. Eles estão em diferentes fases de desenvolvimento e países como Canadá, EUA, Inglaterra, França e etc, já avançam em planejamento, licenciamento e construção.
No caso do Canadá, o país desenvolveu uma estratégia nacional para SMRs coordenada pela Plano de Ação para SMRs, que se baseia na SMR Roadmap de 2018. O Plano de Ação envolve mais de 100 parceiros, incluindo governos federais e provinciais, comunidades indígenas, empresas de serviços públicos, instituições acadêmicas e a indústria.
A implementação dessa tecnologia no país está direcionada para geração de eletricidade em larga escala, indústria pesada, aquecimento distrital e comunidades remotas.
No caso de regiões remotas, ela é vista como uma ferramenta de substituição de carvão e geradores a diesel oferecendo energia confiável e não emissora para comunidades fora da rede elétrica (off grid). Para garantir uma implementação inclusiva, o país lançou em 2021 um Conselho Consultivo Indígena nacional para SMRs, composto por membros das Primeiras Nações, Métis e Inuit de todo o país.
Amazônia: bioma crítico
A escolha de Belém como sede da COP30 coloca a Amazônia no centro do debate climático, destaca os biomas críticos e a necessidade de soluções energéticas de baixo carbono que preservem essas regiões. No Brasil, sabemos que a região enfrenta desafios de acesso à energia, desmatamento e vulnerabilidade climática.
No campo energético, a região sofre com insegurança no abastecimento, dependência de combustíveis fósseis (como óleo diesel) e exclusão energética que afeta cerca de 990 mil pessoas, especialmente em comunidades indígenas e ribeirinhas, segundo pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) em um artigo publicado em fevereiro desse ano.
A pobreza energética não se limita à ausência de eletricidade, mas impacta diretamente saúde, educação e qualidade de vida, criando um ciclo de vulnerabilidade social
Vendo exemplos de outros países mencionados e entendendo aspectos únicos da região amazônica, a tecnologia de micro-reatores pode ser uma solução para:
- Reduzir a dependência de diesel em comunidades isoladas.
- Evitar a expansão de linhas de transmissão em áreas sensíveis.
- Promover desenvolvimento sustentável com energia limpa e estável.
Essa tecnologia é especialmente promissora em países em desenvolvimento e regiões como a Amazônica.
O papel da diplomacia técnica
Durante a participação em inúmeros fóruns e nas últimas quatro Conferências das Partes (COPs) pude observar que a exclusão da energia nuclear das NDCs muitas vezes se dá por barreiras políticas e culturais, não técnicas.
A aceitação pública ainda é um desafio, que deve ser enfrentado com diálogo inclusivo, transparência e engajamento local. É necessário criar e/ou ampliar diálogos multissetoriais entre governos, organismos reguladores e sociedade civil para que essa fonte energética seja reconhecida como parte da solução.
Além disso, a cooperação internacional é essencial para harmonizar padrões regulatórios e dar buscar alternativas de suporte financeiro em especial para países em desenvolvimento de modo a acelerar a implantação de tecnologias como SMRs e micro-reatores. Com dezenas de designs em desenvolvimento, não é viavel que cada país considere todos. O Reino Unido, por exemplo, criou uma estratégia através da Great British Nuclear (uma entidade pública patrocinada pelo Departamento de Segurança Energética e Zero Emissões Líquidas), que lançou uma competição de SMR em julho de 2023. Após uma triagem inicial, seis propostas foram pré-selecionadas, com quatro finalistas avançando para a fase de propostas finais. Em junho de 2025, a Rolls-Royce SMR foi escolhida como fornecedora preferencial, com apoio do governo inglês para desenvolver uma frota de reatores modulares.
Em meio às discussões climáticas cada vez mais complexas e interdependentes, é crucial reconhecer o papel central da diplomacia técnica nas negociações climáticas da COP. Em um ambiente onde decisões políticas moldam o futuro energético global, a diplomacia técnica atua como elo entre ciência, inovação e formulação de políticas públicas, garantindo que o debate seja orientado por evidências.
A inclusão da energia nuclear nas discussões climáticas é um exemplo claro da importância dessa abordagem. Tecnologias como essa que tem um alto potencial de mitigação, não podem ser ignoradas por barreiras políticas ou falta de compreensão técnica. Ao abrir espaço para essas soluções nos fóruns multilaterais, a diplomacia técnica assegura que todas as ferramentas disponíveis para enfrentar a crise climática sejam consideradas, promovendo uma transição energética mais justa, eficaz e inclusiva. Excluir qualquer tecnologia com potencial comprovado é comprometer os próprios objetivos do Acordo de Paris.
Caminhos para a integração nas NDCs
Para que a energia nuclear seja incluída nas NDCs e utilizada de maneira efetiva para o alcance das metas estabelecidas, é preciso reconhecer formalmente seu papel nas metas climáticas, A iniciativa NetZero Nuclear, liderada pela World Nuclear Association, propõe triplicar a capacidade nuclear global até 2050, alinhada ao Acordo de Paris e já está assinada por 31 países sendo os mais recentes a entrar El Salvador, Cazaquistão, Quênia, Kosovo, Nigéria e Turquia anunciados durante a COP29 em Baku.
Um outro fator fundamental é acompanhamento da evolução tecnológica e a criação de políticas adaptativas, especialmente no caso de soluções emergentes como os SMRs. Embora sejam propostas mais custo-efetivas a longo prazo, essa tecnologia ainda está em fase de desenvolvimento, o que torna os primeiros projetos mais caros e complexos, um desafio particularmente relevante para países em desenvolvimento.
Nesse contexto, outro ponto crítico é o financiamento, frequentemente um fator limitante para países com menos recursos. A viabilidade econômica de projetos nucleares depende de mecanismos de financiamento inovadores, cooperação internacional e políticas públicas que reduzam riscos e atraiam investimentos. O diálogo multilateral combinado com a diplomacia técnica pode desempenhar um papel importante nesse processo, facilitando parcerias e garantindo que o acesso à tecnologia não seja restrito por barreiras econômicas.
E com o avanço da adoção dessas tecnologias o investimento em capacitação técnica torna-se essencial. A formação de profissionais qualificados para operar, regular e comunicar sobre tecnologias nucleares é um passo decisivo para garantir segurança, eficiência e aceitação pública. Sem essa base técnica, mesmo os países que reconhecem o valor da energia nuclear podem enfrentar dificuldades na implementação.
Portanto, a integração dessa solução nas estratégias climáticas globais, permite e necessita um esforço coordenado que envolva política, ciência, capacitação e financiamento, com atenção especial às necessidades e realidades dos países em desenvolvimento.
A COP30 pode ser decisiva para definir o rumo da transição energética global. Ignorar o potencial da energia nuclear é limitar as opções de descarbonização. Com inovação, cooperação, segurança e diálogo, essa fonte deve ser expandida e integrada às estratégias climáticas dos países.
A Amazônia, símbolo da biodiversidade e da urgência climática, pode também ser palco de soluções energéticas sustentáveis e inovadoras como SMRs e Micro-reatores.
Temos que agir agora para garantir um futuro sustentável para a Amazônia e para o planeta. Reconhecer e implementar a energia nuclear como aliada das NDCs é um passo essencial para alcançar as metas climáticas globais e proteger nossos ecossistemas mais preciosos.
Referencias
https://www-pub.iaea.org/MTCD/Publications/PDF/PAT-002_web.pdf
https://www.wri.org/ndcs/tracking-progress
https://netzeronuclear.org/cop/road-to-cop30
https://www-pub.iaea.org/MTCD/Publications/PDF/p15790-PUB9062_web.pdf