Conectados com o futuro
Governança

Conectados com o futuro

O Brasil deve trabalhar em parceria com a iniciativa privada para atrair investimentos em infraestrutura

Em um futuro próximo, nossas cidades estarão transformadas. Nas ruas ocupadas por veículos autônomos, os algoritmos de Inteligência Artificial estarão por trás não só no volante, mas também do controle do tráfego, da iluminação, da remoção de lixo, do fornecimento de energia, água e telecomunicações, entre outros serviços de infraestrutura pública. Eficiência lado a lado com a sustentabilidade, assim como a agilidade, deixarão de ser uma característica de empresas inovadoras baseadas em tecnologia e farão parte da própria administração pública. Pessoas e dispositivos estarão conectados como nunca, criando possibilidade de novos e melhores serviços, objetivos em comum (ou deveriam ser) do poder público e da iniciativa privada.

Parece coisa saída de utopia futurista, mas o fato é que esse cenário já está sendo desenhado. A tecnologia 5G deu uma nova dimensão à antiga ideia de smart cities, as cidades inteligentes e sustentáveis. Com velocidade até cem vezes mais rápidas que as atuais, além de ampla cobertura com qualidade e baixa latência, a quinta geração das redes móveis garantirá que o carro autônomo vire a esquina no momento certo, sem delay entre o comando e a resposta. A flexibilidade da largura da banda permitirá inúmeros aplicativos e dará o impulso que a Internet das Coisas (IoT) precisava para se disseminar no nosso dia a dia.

A 5G, além disso, economiza energia. Segundo um estudo da Juniper Research, a implementação de redes elétricas inteligentes, as chamadas smart grids, devem movimentar US$ 38 bilhões por ano até 2026, mais que o triplo dos US$ 12 bilhões investidos em 2021. Nesse período, com os algoritmos gerenciando a compra, distribuição e armazenamento de energia, evitando desperdícios e corrigindo falhas em tempo real, a estimava é que os investimentos resultem até lá em uma economia de 1,6 mil terawatts/hora – o suficiente para manter o Brasil aceso por três anos. Isso é ganho em competitividade, de negócios que estão transformando a economia e melhorando a vida das pessoas.

Os abismos do Brasil

Por aqui, o retrato futurista pode beirar a incredulidade, diante da distância social evidenciada nos grandes centros, com saneamento insuficiente, violência, enchentes e outras mazelas históricas. Espelhando as desigualdades sociais e regionais, existe um abismo digital no Brasil. A expressão dá título a um estudo da consultoria PwC e do Instituto Locomotiva, que traz dados reveladores. Segundo o documento, 81% dos brasileiros acima de 10 anos possuem acesso à internet, mas apenas 20% do total conta com uma conexão de qualidade. É um exército de milhões impedidos de ingressar na vida digital em todas as suas possibilidades, na escola e no mundo do trabalho.

O Brasil parece estar sempre alguns passos atrás desde as tardias privatizações do setor nos anos 90 – que acabaram, por exemplo com mercado negro de linhas telefônicas, numa época em que a internet já era realidade. Em novembro do ano passado, depois de correções técnicas e em meio a pressões políticas e muita burocracia, o país realizou finalmente o leilão de frequências de 5G, previstas para chegar a todo o território nacional até 2028. Foram dois anos e meio de atraso – um tempo que representou um prejuízo de US$ 2,2 bilhões para as empresas em negócios B2B até o fim deste ano, segundo estudo da consultoria IDC encomendado pela It Mídia. Para os próximos quatro anos, a previsão é que os negócios nessa área cheguem a US$ 25,5 bilhões.

O primeiro passo foi dado, agora caberá responder com a modernização urgente dessa infraestrutura de telecomunicações, que trava a competitividade das empresas brasileiras no exterior, largando atrás na criação de negócios com 5G e IA. Segundo as projeções da Juniper Research, estão previstos investimentos de US$ 70 bilhões em smart cities em todo o mundo até 2026 – o dobro do verificado em 2021. No Brasil, serão US$ 2,6 bilhões, a maior parte, de acordo do estudo, direcionada justamente às smart grids.

A guerra das antenas

A atuação do Estado é decisiva para atrair esses investimentos. E bem sabemos que o poder público, na mesma medida em que pode ajudar, pode atrapalhar. No longo processo de instalação da rede de 5G no Brasil, por exemplo, as regulamentações municipais vêm atravancando a instalação das antenas da nova geração de internet móvel. Que são muitas: entre cinco e dez vezes mais que a atual estrutura de 4G. Isso significa a instalação de 700 mil antenas em municípios de regras discrepantes.

Segundo o ranking das Cidades Amigas da Internet, realizado pela consultoria Teleco, a desburocratização começou a acontecer, com vários avanços nas concessões de licenças em 2021. Mas no cenário geral persiste a morosidade e a insegurança jurídica: 98% das cidades não cumprem o prazo legal de 60 dias para o licenciamento; 87% exigem novas licenças a cada nova tecnologia; e, principalmente, 73% ainda exigem licenciamento de equipamentos de pequeno porte, ao contrário do que prevê a Lei Geral das Antenas, sancionada em 2015. Sete anos depois, a maioria das cidades não adequou suas leis à norma federal. São Paulo só deixou de integrar essa lista em janeiro deste ano, quando sancionou a Lei 17.733/2022, regulamentando a instalação de pequenos equipamentos – os ERB (rádio-base), ERBs móveis e mini ERBs, que são necessários para ampliar o sinal de internet e telefonia.

Pelo projeto aprovado, as antenas deixam de ser consideradas áreas construídas ou edificadas, podendo ser colocadas em qualquer logradouro. No caso de imóveis tombados e públicos, apenas com autorização prévia dos órgãos competentes. A lei prevê ainda incentivos para a instalação de transmissores em bairros periféricos definidos pelas secretarias de Saúde e Educação, lugares onde – sem surpresa – o sinal de internet é tão ruim quanto os serviços básicos.

Parceria indispensável

É assim que deve ser o papel do poder público, estabelecendo regras claras para firmar uma verdadeira parceria com setor privado, sempre no interesse público. Ou assim deveria ser. Seria igualmente importante atrair capital de médias e grandes empresas para a infraestrutura, com o Estado garantindo previamente que o investidor não vai ser pego de surpresa adiante. Como é o caso da lei paulistana, que permite de antemão a instalação das antenas em espaços públicos, dispensando, por exemplo, excrescências como a exigência de Habite-se.

Segundo a ONU, nada menos que 70% da população mundial habitará as cidades em 2050, contra os 55% atuais. As ambições para as cidades do futuro são tão grandes quanto os desafios que elas nos impõem. No Brasil, segundo o Ministério das Comunicações, apenas 12 das 27 capitais estão neste momento preparadas para disponibilizar o sinal 5G, sem entraves tecnológicos ou jurídicos. Para o país, é preciso limpar a área crucial tirar o atraso, trabalhando para a inclusão dessas capitais menos ricas, as cidades que estão mais longe dos grandes centros e, também, os vilarejos nos sertões e nas florestas.

Sim, nossa dimensão continental também precisa entrar na conta. Nesse particular, movimentos já são ensaiados. Também em janeiro deste ano, a Anatel concedeu autorização para que a StarLink, de Elon Musk, ofereça internet ultrarrápida em todo o território nacional, inclusive as regiões mais distantes, via sua constelação de satélites de baixa altitude. Os satélites em órbita, que hoje são em torno de 1,7 mil, devem chegar a 12 mil nos próximos anos, a fim de alcançar cobertura global. Está prevista, sem data agendada, uma visita do empresário ao Brasil, para um projeto-piloto de monitoramento de queimadas e desmatamentos da Amazônia, além de levar internet veloz para escolas da região.

A propósito, todos os satélites da Starlink foram lançados ao espaço pelos foguetes da SpaceX, outra empresa disruptiva de Musk. Que também é dono da Tesla, que projeta parte daquele futurismo com carros autônomos, parte de uma utopia possível se fizermos a coisa certa. É preciso que o poder público deixe de dar motivos à fama de mastodonte burocrático e se torne um verdadeiro parceiro da iniciativa privada, rumo a futuro mais competitivo, que gere mais riqueza e que seja verde, inclusivo e melhor.


Este artigo foi produzido por Luana Tavares, Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford, Professora e Palestrante em Liderança e Conselheira Fiscal do Vetor Brasil.

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