Tech Review Explica: Nossos escritores desvendam o mundo complexo e confuso da tecnologia para ajudá-lo a entender o que vem a seguir. Leia mais sobre o assunto aqui.
Assim que acordo, pego meu telefone para verificar as mensagens que chegaram durante a noite e passo os olhos pelos inúmeros alertas de notícias antes de dar uma conferida rápida no Twitter e no Instagram. No trabalho, fico presa ao Slack e ao e-mail, além do ocasional vídeo do TikTok ou meme que envio aos meus amigos pelo WhatsApp. E se, à noite, eu acabar assistindo a reality shows idiotas (como Ilha do Amor), com certeza voltarei ao Twitter para ver se os outros estão tão irritados quanto eu com as últimas ações dos concorrentes.
Nada disso faz com que eu me sinta particularmente mal. Mas também não faz com que eu me sinta bem. É fácil perder horas da minha vida só rolando pelos feeds, sem tirar nenhum tipo de proveito disso.
Soa familiar?
Buscando maneiras de reduzir o tempo desnecessário online, fui conversar com alguns especialistas sobre como criar uma relação mais saudável e feliz com meus aparelhos e a internet. Aqui está o meu mini-guia sobre como se desconectar.
Se questione
Primeiro, vale a pena investigar o motivo de você querer se desconectar. O tempo de tela já é considerado um vilão na sociedade, e há muitas manchetes negativas culpando a quantidade de tempo que gastamos nos dispositivos por absolutamente tudo, desde redução da atenção até depressão e ansiedade.
Todavia, há um conjunto crescente de evidências sugerindo que reduzir o tempo de tela não tornará uma pessoa mais feliz, e que o uso geral dos aparelhos eletrônicos não é um indicador confiável de nenhum desses aspectos. Um grande estudo feito pela Universidade de Oxford (Reino Unido) em 2019 descobriu que a quantidade de tempo que os adolescentes passaram usando dispositivos digitais teve pouco impacto na saúde mental deles. O problema não é necessariamente a quantidade de tempo que gastamos no telefone, mas sim o que estamos consumindo.
“Muitas dessas manchetes são bastante enganosas porque dependem muito de como você usa as redes sociais ou tecnologias, e de quem você é, de sua história e motivação ao usá-las”, alerta a coautora do estudo, Amy Orben, da Unidade da Cognição e Ciências do Cérebro da Universidade de Cambridge, uma filial do Conselho de Pesquisa Médica do Reino Unido.
As pessoas também tendem a empregar maus conceitos da neurociência de uma forma que faz o uso da internet parecer perigoso e prejudicial à saúde, afirma Theodora Sutton, antropóloga digital que mora no Reino Unido e que passou um tempo com “desintoxicadores digitais” na Califórnia, para seu doutorado. “Acho que as pessoas podem ser críticas demais com relação a essas coisas”, acrescenta ela. “As pessoas só precisam se divertir se quiserem se divertir”.
Pensar cuidadosamente sobre como a maneira que você consome vídeos no TikTok e analisa feeds de notícias impacta o seu bem-estar geral pode ajudá-lo a identificar se há razões efetivas para parar de acessar esses aplicativos e evitar que você acabe fazendo mudanças radicais desnecessárias, adverte David Ellis, professor de ciência comportamental da Universidade de Bath, no Reino Unido, que contribuiu para um relatório de 2019 do governo britânico sobre os efeitos das redes sociais e do uso de telas na saúde dos jovens.
Por exemplo, ele ressalta não haver necessidade de fazer uma desintoxicação digital completa se forem só os infinitos destaques do Instagram que estão te deixando infeliz. Basta apenas definir um limite de quanto tempo gastar nesse aplicativo específico. “Além disso, será que o problema realmente é a tecnologia? Ou é uma pessoa específica que está te incomodando no WhatsApp?” diz ele.
Comece a estabelecer limites
Se você já fez esse passo e acha que o problema ainda existe, há atitudes que podem ser tomadas. Após isolar a causa raiz da infelicidade (seja uma pessoa específica te incomodando, o tipo de conteúdo que você encontra em um aplicativo específico ou apenas o desejo de passar mais tempo no mundo real) você pode definir limites de uso para se sentir mais no controle.
Tratar o uso da internet como um jejum intermitente, com estratégias como ficar online apenas durante as horas estabelecidas e não todas as horas do dia, pode ajudar, afirma Anna Lembke, professora de psiquiatria da Stanford School of Medicine (EUA) e autora do livro Dopamine Nation: Finding Balance in the Age of Indulgence. “Tente excluir aplicativos que o levam para partes da internet que você não deseja acessar e faça uma lista específica do que você fará online antes de entrar neles”, acrescenta ela. “E siga somente o que está listado”.
Quebre o ciclo irracional
Se, assim como eu, você achar que checar os aplicativos se tornou uma distração conveniente ou uma maneira de passar o tempo quando se está entediado, você pode aprender a abandonar o vício e construir hábitos mais saudáveis. Jud Brewer, diretor de pesquisa e inovação do Centro de Mindfulness da Brown University (EUA), recomenda um processo de três etapas para quebrar o ciclo.
O primeiro passo é reconhecer que você está em um círculo vicioso de hábitos. Por exemplo, reconhecer que você tem uma compulsão por atualizar seus e-mails de trabalho, mesmo durante as férias. Anote esses pontos para que você possa manter um registro do que gostaria de resolver.
O segundo é se fazer a pergunta que Brewer chama de questão-fundamental, que pode ser aplicada a qualquer comportamento: “O que estou ganhando com isso?” Ele explica que nossos cérebros estão condicionados para continuar fazendo as coisas que consideram recompensadoras, sejam elas fumar, comer ou verificar as redes sociais. “Se algo é gratificante, continuaremos fazendo. É assim que funciona o reinforcement learning. Com isso, pode-se subverter esse paradigma dominante, fazendo com que as pessoas prestem atenção em quão gratificante o comportamento realmente é.” Isso ajudará no reconhecimento do que é bom e do que é uma perda de tempo.
O terceiro e último passo envolve identificar uma recompensa mais gratificante, que ajude a quebrar o ciclo do hábito.
Isso envolve nos perguntarmos o que sentimos ao checar as redes sociais e ativarmos nossa curiosidade (o que já é gratificante por si só) sobre o motivo pelo qual queremos saber o que está acontecendo no Instagram ou nas nossas caixas de entrada. Então, podemos comparar esses sentimentos com o que sentimos quando lemos ou nos exercitamos, por exemplo, para identificar qual é a atividade mais gratificante. “Isso funciona até mesmo para condições clínicas”, acrescenta Brewer.
Romper com o mal-estar associado ao consumo compulsivo de notícias ruins requer uma reflexão cuidadosa, mas que é possível. Falar com esses especialistas me ensinou a importância de me policiar e me perguntar se realmente quero assistir a um monte de stories do Instagram postados por pessoas de quem nem gosto, ou se prefiro ler os artigos que guardei para depois. Estou mais atenta, mais focada e mais consciente sobre o que coloco na minha tela. Exceto Ilha do Amor. Esse é um hábito que não estou disposta a largar.