Como queremos posicionar o cenário de tecnologia responsável nos próximos 10 anos
Humanos e tecnologia

Como queremos posicionar o cenário de tecnologia responsável nos próximos 10 anos

O conceito de tecnologia responsável vai além das questões éticas, englobando aspectos sociais e técnicos que devem ser considerados nos debates relacionados ao tema. Muito além dos avanços tecnológicos, a responsabilidade coletiva precisa ser colocada no centro desta discussão.

A maioria de nós reconhece que não estamos desenvolvendo a ideia original que propõe a Internet como um espaço coletivo e aberto. Reconhecemos também que a falta de soberania digital em um país pode acarretar em sérios problemas de desenvolvimento e socialização das tecnologias digitais e informacionais. Por isso, existem diversos desafios para o avanço tecnológico em países emergentes. Constantemente estes países são usados como laboratórios extrativistas impedindo que haja desenvolvimento tecnológico nacional e local, como manifestado pela ideia da Globalização Perversa, defendida por Milton Santos em seu livro “Por uma outra Globalização”, no qual destacou como o impacto deste estilo de globalização seria muito perverso para pessoas pobres e do sul global. O autor nunca defendeu a extinção da globalização, e sim um modelo diferente de sua aplicação, com democratização dos meios de comunicação, inclusão social e distribuição territorial igualitária. Ou seja, basicamente, o debate atual de tecnologia responsável pode ser influenciado pela busca de uma nova globalização. 

Tecnologia responsável não é sobre ética na tecnologia. A ética é um campo da filosofia moral que estuda as visões, atitudes e princípios morais que regem o comportamento dos indivíduos, bem como das empresas e grandes organizações. A ética se preocupa com os fatores que levam à saúde e ao bem-estar das pessoas individualmente e da sociedade em geral, incluindo plantas, animais e também o planeta. Logicamente, a ética também estuda comportamentos que podem levar exatamente ao contrário e, portanto, podem ser considerados ruins, nocivos ou prejudiciais à nossa existência. Quando se trata de tecnologia, eticistas e filósofos estudam as consequências e os vieses imputados em computadores, robôs e máquinas em diversos cenários. Eles tentam avaliar o significado moral e as preocupações éticas dos afetados. Neste momento, estamos construindo os pontos focais de definição do que vem a ser Tecnologia Responsável. Ainda não há um consenso, por isso encontramos recorrentemente definições diferentes ou até mesmo a redução do conceito.  

É o momento oportuno para uma construção coletiva 

Essa confusão nas definições e seus usos acaba impedindo um avanço em debates que são importantes para o presente, para o agora. As tecnologias emergentes afetam todos os aspectos da vida moderna, desde o lazer individual e as estruturas organizacionais até a governança social e política. Elas estão sendo desenvolvidas em parte para conseguir realocar benefícios na sociedade que foram desgastados com o capitalismo. Isso levanta questões sobre as formas responsáveis de desenvolver, implantar e usar tecnologias emergentes, novas e existentes.  

“Independente da intencionalidade, a tecnologia pode ter consequências hostis. Neste momento em que o alcance da tecnologia é exponencial, cuidar dessas consequências é crucial para que tenhamos um futuro tecnológico mais justo”, defende Rosi Teixeira Head de Tecnologias Emergentes e Comunidades na Thoughtworks Brasil. 

Considerando o contexto atual,  como queremos posicionar o cenário de tecnologia responsável nos próximos 10 anos?  

Não há uma resposta simples para essa pergunta, não há uma única resposta. No cenário brasileiro, precisamos repensar nosso caminho para a soberania digital antes de conseguir dialogar sobre tecnologias responsáveis. Na narrativa de Tecnologia Responsável da Thoughtworks eu destacaria três pontos importantes que podem contribuir para o debate brasileiro.  

A oportunidade de conectar tecnologias e seus usos no meio ambiente de forma saudável e integrada com as comunidades locais. O Brasil é um dos países mais ricos em recursos naturais, país que tem suas Amazônias e seus povos, que mantêm nosso oxigênio. 

Ser protagonista desse debate pode nos colocar na liderança de um novo modelo de usabilidade tecnológica, um modelo que respeita o ambiente onde está, que contribui para a integração e não para a substituição de povos por máquinas. Um exemplo atual é o trabalho que a Thoughtworks vem desenvolvendo, juntamente com outras empresas de tecnologia, para reduzir gastos com nuvem e emissões de carbono através da Green Software Foundation, uma fundação sem fins lucrativos, da qual a Thoughtworks é membro fundadora. O objetivo da fundação é construir um ecossistema de pessoas, padrões abertos, ferramentas e melhores práticas para o desenvolvimento de software sustentável, o que inclui ferramentas para medir e melhorar a pegada de carbono de uma organização associada ao uso da nuvem. Através de processos abertos e transparentes, a fundação desenvolve, dentre outras coisas, ferramentas para medir o uso da nuvem, se ela está emitindo muito carbono e outros gases fornecendo às equipes de desenvolvimento recomendações acionáveis para reduzir suas emissões e ferramentas para prever quais economias são possíveis. Um caminho de mitigação e integração. Melhorias sempre são bem vindas, este tipo de movimento contribui muito para a agenda 2030.  

O segundo ponto é sobre como a transformação social e a diversidade são importantes para se desenvolver tecnologia responsável, mas não é exclusivamente este o lugar onde esse tema reside. Tecnologia responsável é um assunto transversal e precisamos trabalhar com esta ideia para conseguir avançar nos debates nas áreas mais técnicas também. Historicamente sabemos como visibilizaram muitos homens brancos na tecnologia e invisibilizaram pessoas negras, indígenas, LGBTs, com deficiência, faveladas que contribuíram para muitas inovações digitais usadas no nosso dia a dia. Essa sistemática de invisibilização de parte da sociedade, produz soluções homogêneas, que não representam toda a diversidade da nossa sociedade. Para mudar este panorama, não basta ter equipes diversas. É preciso reconhecer que existe uma dívida histórica e que parte dela só será reparada se as práticas de tecnologia responsável forem inseridas no dia-a-dia das equipes em todas as fases de desenvolvimento de produtos digitais.   

O terceiro e último ponto é sobre o papel do presente em nossos futuros tecnológicos. Estamos vivenciando diversas transições no mundo: debates sobre aspectos culturais e geográficos em todo o mundo; influências sociais, políticas, legais e econômicas; sustentabilidade ambiental, econômica e social; inclusão social e diversidade; ética, política e governança em tecnologia. Como focar se todas estas transições estão acontecendo ao mesmo tempo? A resposta está na nossa responsabilidade coletiva sobre o assunto, não devemos colocar a tecnologia como opressora, existem oportunidades e chances de compreender que tecnologia não existe sozinha, logo, precisamos responsabilizar e direcionar as mudanças nos indivíduos envolvidos diretamente e indiretamente nos futuros tecnológicos.  

Aqui refletimos sobre o presente, os futuros e as possíveis reparações explorando as complexidades diversas das relações humanas e da inserção das novas tecnologias. Tem muito assunto e debate pela frente, propositalmente não direcionei este texto a questões algorítmicas, a questões de segurança e privacidade pois essas são consequências do debate de tecnologia responsável. Propus aqui discutir sobre o que estrutura este debate, no caso, somos nós. 

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Este artigo foi produzido por Nina da Hora, Cientista da Computação e colunista da MIT Technology Review Brasil.

 

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