Imagine que você esteja em um Walmart, no corredor de cereais, e tenha que escolher qual marca é supostamente “melhor para sua saúde”. Afinal, você tem se concentrado cada vez mais em sua saúde ultimamente e está determinado a perder peso comendo melhor.
Imagine que você faça isso de forma “manual”: você vai, item por item, marca por marca, lendo ingrediente por ingrediente, examinando os fatores nutricionais um após o outro, e toma sua decisão a partir das informações que você consumiu. Isso seria eficiente?
Com certeza não, já que você certamente não vai conseguir voltar para casa nem a tempo para o jantar, sem mencionar o café da manhã.
Mas porque esse processo é tão ineficiente? Porque ele contempla a análise de dados demais, o que além de levar muito tempo, pode prejudicar em processos de tomada de decisão. Afinal, como tudo, dados são uma faca de dois gumes: assim como tomar decisões sem dados é péssimo, pois torna o processo de tomada pouco assertivo e baseado no achismo e na intuição apenas, dados demais também podem nos travar no processo de decisão porque nos confundem, nos tiram o foco do que é importante, um pouco como o “paradoxo da escolha” nos ensina: quando temos muitas opções à disposição, tomamos piores decisões.
Voltando ao exemplo dos cereais, tenha certeza de que você não vai tomar uma decisão melhor. Pelo contrário! Vai ficar confuso, ansioso e travado diante de tantos dados e opções.
Veja que já vivemos em um mundo onde mais de 90% dos dados gerados desde o começo da humanidade foram originados na última década. Estamos na casa de 97 Zettabytes de dados previstos até o fim de 2022 (apenas para ter uma ideia, é um número com 12 zeros), segundo o Statista. São tantos dados que o cientista de dados brasileiro e grande amigo Ricardo Cappra, também colunista da MIT Technology Review Brasil, criou o termo “infoxicação” para definir esta intoxicação de dados que temos e a sua consequente dificuldade em gerenciá-los.
Mas, calma, esse volume de dados é nada comparado com o que nos espera. No mundo da Web3 e do metaverso, onde você poderá metrificar tudo, desde o movimento da mão do seu cliente pegando na embalagem de um produto, até a velocidade com que um item cai da sua prateleira mais alta, ou até mesmo a intensidade da vibração de uma geladeira que contém vinhos caros, você vai ter exatamente o mesmo problema que vai ter no exemplo dos cereais. Qual problema? Que simplesmente serão dados demais.
Você percebe que, no mundo do metaverso, o grande desafio dos líderes não será mais captar os dados (isso virará commodity, em um mundo onde tudo é metrificável), mas a escolha das métricas a serem monitoradas e priorizadas? São as métricas — e as correlações entre elas — que irão trazer insights inovadores, diante de uma concorrência que talvez esteja olhando apenas para as métricas tradicionais de negócio.
Nos meus primeiros dias no Tinder, criei um dashboard que mostrava as métricas principais (número de downloads, número de usuários ativos, número de swipes, número de matches e assim por diante) de forma clara e atualizava os números a cada dia. Eu tinha certeza que isso teria me ajudado a tomar melhores decisões, mas o que eu percebi era que não necessariamente o fazia: saber o número absoluto de downloads ontem, me ajudava a tomar que tipo de decisão inovadora e assertiva? Nenhuma.
Foi então que comecei a olhar para porcentagens de aumento e de queda destas métricas ao longo do tempo: notava, por exemplo, uma queda em número de downloads ao longo da semana, e usava isso como ponto de partida para minhas decisões de quanto investir em marketing. Mas mesmo que isso fosse melhor do que apenas olhar para os números absolutos, seria tão diferente do que especular no Bitcoin ou em ações na Bolsa de Valores só porque está aumentando o seu valor? Obviamente isso não garante que vá continuar acontecendo, assim como não deixa claro quais são os motivos pelos quais essa tendência está acontecendo.
Então, decidido a resolver esse problema e essa “cegueira”, mesmo tendo acesso a muitos dados, comecei a brincar com correlações entre as métricas mais óbvias, e cheguei a criar uma nova métrica que chamei de “grau de satisfação do usuário”, que fundamentalmente era a porcentagem de matches a cada like. Percebi que os usuarios que tivessem, por exemplo, um match a cada dois likes que davam, se sentiriam empoderados, cobiçados, mais “bonitos”, o que teria dado muito mais chance desta persona passar mais tempo no app e ser mais satisfeito. Por outro lado, se um usuário tivesse um match a cada dez likes, se sentiria frustrado, não-desejado, e provavelmente teria pouco sucesso com o aplicativo: esse era o usuário que mais eu corria o risco de perder. Baseado na análise desta métrica por cidade, por demografia, por persona e assim por diante, era possível definir com assertividade a estratégia de marketing e investimentos.
A vantagem competitiva para líderes e organizações na hora de inovar e gerar mais valor ao cliente no mundo do metaverso não virá tanto do acesso aos dados, mas sim da escolha das métricas que serão monitoradas e priorizadas.
Até porque o metaverso vai impulsionar de forma exponencial a geração de dados. Segundo um relatório da Credit Suisse, a transição para o metaverso vai acelerar o uso de dados em 20 vezes em todo o mundo até 2032. Em paralelo, uma nova pesquisa da empresa Bright Data com insights de 400 líderes do setor de TI nos EUA e no Reino Unido mostra que mais da metade dos entrevistados (54%) acredita que os dados serã a chave para sustentar o metaverso e que, para apoiar sua estratégia, mais de três quartos dos líderes (84%) nos setores de TI, telecomunicações e tecnologia dizem que planejam buscar soluções de inteligência de dados a serem implantadas nos mundos virtuais nos próximos dois anos.
Or Lenchner, CEO da Bright Data, afirmou, em entrevista exclusiva para este artigo, que “hoje sabemos que as organizações dependem de dados públicos da web para tomada de decisões mais estratégicas. O metaverso adicionará uma nova camada a isso — revelando milhões de pontos de dados públicos adicionais. Como tal, está claro que esta capilaridade de dados desempenhará um papel fundamental na conexão das organizações com seus clientes ou funcionários no Metaverso, ajudando a descobrir insights ocultos”.
Or Lenchner acrescentou que “olhando para a Internet hoje, o maior banco de dados que já conhecemos, é fácil estimar que a quantidade de dados e dados públicos da web se multiplicará várias vezes. Por exemplo, compras online ou e-commerce, um setor que teve um grande crescimento nos últimos dois anos: de acordo com estimativas recentes, até 2025, esperamos que esse setor represente quase um quarto de todas as vendas do varejo em alguns continentes — e que, sem dúvida, contará para muitas camadas de dados”.
Hoje, quando você olha para as metricas medidas dentro de uma empresa, sempre encontra as mesmas: resultados de vendas — que são comparados mês a mês, ano a ano —, estoque, histórico de clientes, personas, custo de aquisição, LifeTimeValue, e assim por diante. Ou seja, de fato, quando você olha para organizações diferentes, elas tendem a ter as mesmas métricas. O que pode mudar entre elas pode ser a profundidade dos dados, a sua qualidade, o quão atualizados eles são, e assim por diante, mas os Dashboards de controle são quase todos iguais, convenhamos.
Pense na seguinte analogia: se empresas fossem aviões, os pilotos (ou seja líderes) olham para mais ou menos os mesmos painéis no cockpit. Isso dá a oportunidade de se diferenciar, na hora de “pilotar o seu avião”, até um certo ponto, pois será difícil obter insights tão originais e diferenciados se estivermos olhando para o mesmo “painel de controle”. Mas, na medida que o meu painel de controle estiver totalmente diferente, olhando para indicadores totalmente diferentes pois o “piloto” acreditar que é isso que mais antecipa futuras expectativas do cliente ou tendências externas, você abre de muito o leque de possibilidade de diferenciação e vantagens competitivas que você pode alcançar.
Fundamentalmente, minha tese é que em um mundo que já não é mais de Big Data mas sim de Huge Data, a grande vantagem competitiva não estará mais no acesso aos dados, mas sim na habilidade de escolher as métricas mais indicativas de futuros comportamentos ou demandas do cliente — o que nos permite tomar decisões muito mais preditivas do que reativas.
É um pouco o que o Jorn Lyssegen, fundador da Meltwater, plataforma de monitoramento de mídias sociais, dizia em seu livro “Outside Insight”: hoje, como líderes, gerenciamos nossas empresas como se estivéssemos dirigindo um carro no qual, em vez de olhar pelo vidro a frente (buscando, a partir das visões do futuro, que correlações entre métricas externas e dados em tempo real podemos desenhar), estamos olhando pelo espelho retrovisor (ou seja, olhando para métricas internas do passado). Inevitavelmente iremos mais devagar, a zig zag, e logo iremos bater o carro.
Então, como bons pilotos, os líderes da era da Web 3.0 e do metaverso serão os que se envolvem em detalhe na identificação das métricas de controle, e constantemente redesenham com seus times os “cockpits” em cima dos quais tomarão suas decisões mais preditivas e inovadoras — aproveitando da enorme granularidade de dados vindos do metaverso, que ao mesmo tempo em que é um excelente insumo para melhores decisões, pode se tornar um obstáculo se não soubermos processá-lo e priorizá-lo da forma certa.
Este artigo foi produzido por Andrea Iorio, autor Best-Selling, palestrante, escritor sobre Transformação Digital, professor de MBA e colunista da MIT Technology Review Brasil.