O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) foi instituído para transformar o cenário brasileiro de inovação, criando um ambiente propício à integração entre ciência, tecnologia e o setor produtivo. Com base em instrumentos como acordos de PD&I, encomendas tecnológicas e o diálogo competitivo, essa estrutura jurídica busca não apenas simplificar processos burocráticos, mas também promover a descentralização e democratização da inovação. Alguns resultados já foram obtidos, uma vez que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) reportou um aumento de 21% nos investimentos de PD&I entre 2018 e 2022. Entretanto, a implementação prática do Marco Legal enfrenta desafios significativos, como a falta de governança eficiente, barreiras culturais e estruturais, e a ausência de uma cultura de inovação. Tecnologias emergentes como Inteligência Artificial (IA), Big Data e Internet das Coisas (IoT) são essenciais para superar essas barreiras, acelerando a aplicação das políticas de CT&I e ampliando seu impacto econômico e social.
Como o setor público pode contratar inovação no Brasil?
Para que o Brasil avance na construção de uma cultura de inovação nas Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs), é importante analisar a utilização de procedimentos de contratação específicos como a encomenda tecnológica e o diálogo competitivo, para que tenhamos contratações mais flexíveis e adaptadas às necessidades do governo.
A encomenda tecnológica é uma modalidade que possibilita ao setor público demandar soluções inovadoras diretamente de empresas e ICTs, mesmo quando elas ainda não existem de forma acabada no mercado. Como case de sucesso, podemos citar a encomenda tecnológica entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a AstraZeneca, em 2020, envolvendo serviços de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a criação de uma vacina contra a covid-19. A parceria resultou na produção de uma vacina que atendeu às demandas de saúde pública durante a pandemia, demonstrando a capacidade do Brasil em realizar projetos de grande escala e impacto global na área de biotecnologia e saúde pública. O projeto OLHAR – outro exemplo exitoso -, desenvolvido pelo Comando do Exército em parceria com a empresa Opto Tecnologia, envolveu a pesquisa e desenvolvimento de um monóculo de imagem térmica, com a produção de um lote-piloto. A execução do projeto foi realizada em fases, demonstrando um uso racional do instrumento de encomenda tecnológica, onde a assunção de risco pela administração ocorreu de maneira gradativa. O monóculo de imagem térmica OLHAR é destinado a melhorar a capacidade de visualização em condições de baixa visibilidade, sendo uma ferramenta crucial para operações militares. A abordagem faseada permitiu que o projeto fosse ajustado e aprimorado ao longo do tempo, garantindo a eficácia e a eficiência do desenvolvimento tecnológico.
O diálogo competitivo, por sua vez, é uma inovação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), que oferece uma via adicional para promover a inovação no setor público. Com o diálogo competitivo, o órgão público pode iniciar um processo de discussão com potenciais fornecedores, buscando entender as soluções tecnológicas disponíveis e desenvolvendo, em conjunto com o mercado, uma resposta adaptada às suas necessidades. Esse instrumento permite que o setor público explore diferentes abordagens antes de definir os requisitos finais da contratação, estimulando um ambiente colaborativo de inovação. Tal modalidade de contratação veio para facilitar a adaptação das compras públicas às necessidades inovadoras, garantindo que o setor público tenha acesso às melhores tecnologias com flexibilidade.
Superando os Desafios das ICTs com Tecnologias Inovadoras
Contudo, o Marco Legal de CT&I enfrenta obstáculos significativos que limitam seu impacto. Tecnologias emergentes como Inteligência Artificial (IA), Big Data e Internet das Coisas (IoT) podem ser integradas para superar esses obstáculos. Vejamos alguns aspectos a serem observados:
Governança e Transparência:
as ICTs no Brasil enfrentam desafios na gestão de contratos e proteção da propriedade intelectual, afetando a confiança de investidores e empresas. Tecnologias emergentes oferecem soluções práticas para esses problemas. A Inteligência Artificial (IA) pode automatizar a análise contratual, identificando inconsistências, prazos críticos e riscos com rapidez e precisão. Ferramentas como a ANIA, desenvolvida pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), já demonstram como algoritmos de IA podem processar grandes volumes de dados legais com eficiência e segurança. O Big Data pode cruzar informações de contratos e parcerias, identificando padrões que aumentam a confiabilidade e eficiência dos processos. A Internet das Coisas (IoT) é um grande aliado para o monitoramento em tempo real de ativos e recursos financiados, garantindo maior transparência e rastreabilidade. Sensores conectados em laboratórios fornecem dados contínuos sobre o uso de equipamentos adquiridos com recursos públicos, reduzindo desperdícios e promovendo a prestação de contas. Juridicamente, Contratos de Transferência de Tecnologia são essenciais para proteger a propriedade intelectual e assegurar o impacto das inovações, formalizando a exploração comercial e garantindo que os direitos sejam devidamente registrados e licenciados. Isso protege inventores e instituições, oferece segurança jurídica para empresas parceiras e permite que os lucros sejam reinvestidos em novas iniciativas.
Desburocratização e Agilidade Operacional:
apesar dos avanços promovidos pelo Marco Legal, as ICTs brasileiras ainda enfrentam processos regulatórios lentos e exigências burocráticas que limitam sua capacidade de atender rapidamente às demandas do setor produtivo. O Marco Legal já apresenta instrumentos jurídicos que visam simplificar esses processos, como os Acordos de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), que eliminam a necessidade de transferências financeiras públicas, e os Contratos de Transferência de Tecnologia, que viabilizam a exploração comercial de inovações desenvolvidas pelas ICTs. Esses contratos não apenas agilizam o uso prático de inovações, mas também garantem segurança jurídica ao proteger a propriedade intelectual envolvida, incentivando parcerias com o setor privado. Além dos instrumentos jurídicos, tecnologias emergentes podem acelerar significativamente o fluxo de trabalho regulatório. Sistemas baseados em Inteligência Artificial (IA), por exemplo, são capazes de automatizar etapas críticas, como a análise de elegibilidade para contratos de PD&I, reduzindo o tempo de processamento e aumentando a precisão. Um caso de sucesso pode ser observado na Irlanda, onde a implementação de ferramentas de e-procurement resultou em um aumento de 15% na participação de fornecedores, redução de 20% no tempo médio de processamento e economia de 10% nos custos operacionais, além de melhorias na qualidade dos dados (+25%) e na transparência (+30%). O Big Data também desempenha um papel importante, identificando gargalos nos fluxos processuais e orientando ajustes estratégicos para maior eficiência. Com análises preditivas, é possível priorizar áreas críticas e otimizar os recursos disponíveis. Por sua vez, a Internet das Coisas (IoT) possibilita o monitoramento contínuo e automatizado do progresso de projetos financiados, eliminando a necessidade de auditorias manuais demoradas. Sensores conectados podem gerar relatórios em tempo real sobre a execução de iniciativas, garantindo maior transparência e promovendo uma gestão mais eficiente.
Capacitação e Retenção de Talento:
a retenção de talentos qualificados nas ICTs brasileiras continua sendo um desafio significativo, especialmente diante da falta de incentivos e infraestrutura adequada. O Marco Legal de CT&I oferece mecanismos que podem mitigar esse problema, como a possibilidade de as ICTs prestarem Serviços Técnicos Especializados ao setor público e privado, utilizando sua infraestrutura para entregar soluções inovadoras e de alta complexidade. Essa prática não só gera receita adicional para as instituições, mas também valoriza os profissionais envolvidos, criando oportunidades para reter talentos em um ambiente competitivo. A tecnologia desempenha um papel essencial na capacitação e no engajamento desses profissionais. Inteligência Artificial (IA) pode ser empregada para desenvolver programas de capacitação personalizados, ajustando o conteúdo às necessidades específicas de cada profissional e promovendo uma atualização contínua em áreas críticas, como gestão de inovação e tecnologias emergentes. Além disso, plataformas de análise de dados permitem identificar tendências no mercado de trabalho, orientando a formulação de políticas de incentivo mais eficazes, como pacotes de remuneração competitivos e programas de reconhecimento. Ao mesmo tempo, infraestruturas equipadas com IoT, como laboratórios inteligentes, oferecem um ambiente tecnológico de ponta que atrai e retém talentos, ao proporcionar um espaço interativo e dinâmico que estimula a criatividade e a inovação.
Infraestrutura e Pesquisa Aplicada:
A falta de infraestrutura adequada limita o avanço das ICTs no Brasil, prejudicando a realização de pesquisas de impacto e o atendimento às demandas do setor produtivo. O Marco Legal de CT&I oferece soluções práticas, permitindo que ICTs públicas compartilhem laboratórios, equipamentos e instalações, promovendo inovação aberta e otimizando recursos. Tecnologias emergentes ampliam o potencial dessas iniciativas. Laboratórios inteligentes conectados com IoT (smart labs) melhoram a eficiência operacional ao monitorar o uso de equipamentos em tempo real, possibilitando manutenção preventiva e reduzindo custos. Sensores integrados permitem o rastreamento contínuo do inventário e a gestão eficiente do parque tecnológico, assegurando a alocação estratégica de recursos. O Big Data identifica áreas prioritárias para pesquisa aplicada, analisando grandes volumes de dados para orientar investimentos estratégicos em setores de alto impacto. A Inteligência Artificial (IA) pode avaliar e priorizar propostas de projetos com maior potencial de gerar resultados econômicos e sociais, otimizando o retorno sobre o investimento em CT&I.
Cultura de Inovação e Mentalidade Empreendedora:
Desenvolver uma cultura de inovação é essencial para que as ICTs brasileiras se tornem centros de impacto tecnológico. Essa transformação exige a combinação de estratégias que promovam o empreendedorismo, a exploração comercial de descobertas científicas e a redução da aversão ao risco. A Inteligência Artificial (IA) pode desempenhar um papel central ao permitir simulações de cenários de risco, ajudando gestores e pesquisadores a tomar decisões informadas e mitigando o receio de fracasso em iniciativas inovadoras. Big Data é igualmente estratégico, ao identificar setores com maior potencial de crescimento e orientar investimentos em startups e spin-offs acadêmicos, criando pontes entre pesquisa e mercado. Já a Internet das Coisas (IoT) permite experimentações rápidas e seguras em ambientes conectados, facilitando ciclos de aprendizado contínuo e reduzindo o tempo necessário para transformar ideias em soluções práticas. Ambientes equipados com IoT também criam condições ideais para fomentar a criatividade e o dinamismo nas ICTs. Nos Estados Unidos, o Bayh-Dole Act é um exemplo bem-sucedido de como uma governança eficiente pode incentivar a inovação. Essa legislação, que promove o licenciamento de descobertas feitas em universidades, gerou, entre 1996 e 2017, um impacto econômico de US$ 1,3 trilhão e criou mais de 4,2 milhões de empregos, segundo o estudo “The Bayh-Dole Act at 40: Accomplishments, Challenges, and Possible Reforms”, publicado no Journal of Health Politics, Policy and Law em 2022. O Marco Legal de CT&I no Brasil busca trilhar um caminho semelhante, mas enfrenta o desafio de fortalecer políticas de governança que garantam que os lucros derivados da inovação sejam reinvestidos e que a sociedade perceba os benefícios gerados.
A figura a seguir ilustra como a tecnologia pode ser aplicada para superar esses desafios:
Como superar os desafios avançar?
Para que o Marco Legal de CT&I seja efetivo, é necessário adotar práticas inovadoras e integrar tecnologias emergentes em sua execução, abordando diretamente as limitações identificadas. Inteligência Artificial, Big Data e IoT oferecem soluções práticas e mensuráveis para problemas estruturais e culturais que ainda restringem o impacto das políticas de inovação no Brasil. Além de promoverem maior eficiência, transparência e governança, essas ferramentas facilitam a conexão entre ciência, tecnologia e mercado, promovendo resultados mensuráveis para a sociedade. Exemplos como o projeto AgroTag e a ANIA ilustram a adaptação de práticas globais ao contexto nacional, evidenciando a viabilidade de tais iniciativas no Brasil. Contudo, para alcançar todo o potencial do Marco Legal, é crucial investir em infraestrutura, capacitação e na construção de uma cultura que valorize o aprendizado contínuo e a exploração comercial de descobertas acadêmicas. Essas ações são fundamentais para que o Brasil fortaleça sua posição no cenário global de inovação.
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