Tente imaginar sua vida há 15 anos. Como você se locomovia? Como comprava? Como se alimentava? Como se relacionava com as pessoas? Agora tente trazer esses hábitos para a sociedade em que vivemos hoje. Você se vê ligando para pontos de táxi? Ligando para a casa de alguém?
Às vezes não conseguimos mensurar o quanto a tecnologia está enraizada na nossa rotina. Quando pensamos em um cenário pós-pandemia, percebemos que nossos hábitos de consumo se modificaram ainda mais, tornando nossa jornada de compra ainda mais digital.
De acordo com pesquisa recente realizada pela Samba Digital, após 2020 e todas as mudanças causadas pela pandemia do coronavírus, 45,7% das empresas brasileiras estão implementando uma estratégia de Transformação Digital. Esse movimento está alinhado com a necessidade de as corporações repensarem a forma de fazer negócios, visto que os consumidores estão mais sedentos por redução de atritos, processos mais ágeis e experiências extraordinárias com as marcas.
Cenário da Transformação Digital no Brasil
Passar pela jornada de Transformação Digital não é exclusividade de um ou dois setores. Todos os mercados vivem momentos de adaptação e pesquisa. Alguns chamam atenção pelo nível de maturidade, como o de serviços financeiros, varejo, e telecomunicações e tecnologia. Entretanto, podemos visualizar grandes passos em muitos outros.
A Educação, por exemplo, foi um setor que sofreu grande impacto, com o fechamento das instituições de ensino. Foi necessário se adaptar à nova rotina e às necessidades de pais, alunos e professores. Assim, conseguimos ver escolas adotando modelos híbridos; o Ensino à Distância ganhando ainda mais força; e diversas instituições reformulando a grade de disciplinas, introduzindo a tecnologia. Os impactos positivos dessas ações foram sentidos em toda a cadeia produtiva, desde os produtores de conteúdo, as plataformas de distribuição e armazenamento de vídeos.
Toda essa mudança é apenas o início do que podemos esperar para os próximos anos. Ainda de acordo com a pesquisa da Samba Digital, 62% das empresas pretendem investir entre 10% a 30% do orçamento em Transformação Digital no ano de 2021 e as projeções para os próximos meses são ainda melhores. Com isso, acredito que nos próximos 5 anos, todos os negócios terão passado, pelo menos, por alguma etapa da TD.
Fundamentos da Transformação Digital desde o pequeno à grandes indústrias
Em 2020, após o ápice da pandemia, a China alcançou a marca de 40% do PIB relacionado à economia digital. Segundo a China Academy of Information and Communication Technology (CAICT), um órgão público ligado ao Ministério da Ciência no país, esse é o maior patamar já alcançado e, só foi possível graças a uma infraestrutura digital avançada.
O cenário brasileiro ainda é um pouco distante, porém existem lições valiosas que podemos aprender com esse case. A primeira é que precisamos ser ágeis em alguns fundamentos da Transformação Digital, para conseguirmos resultados expressivos como o da China.
Um dos fundamentos mais importantes é a inserção das pessoas na jornada de TD. Embora a tecnologia seja imprescindível em qualquer empresa digital, é a motivação e o propósito dos colaboradores diariamente que detêm a chave para o sucesso ou para o fracasso dos negócios.
Também não podemos esquecer da criação de uma mentalidade digital e de dados, voltada para resolver problemas de um mundo cada vez mais digitalizado e com mais informações sobre todas as pessoas. No que é chamado de “novo normal”, se torna essencial fomentar essa forma de pensar, de modo a reduzir atritos, ganhar escala e velocidade na tomada de decisões.
Com esses dois itens bem estabelecidos, qualquer empresa pode dar os próximos passos, estabelecendo uma rotina centrada no cliente e em como resolver, de forma simples, suas necessidades.
A importância da redução de atritos para o consumidor
Todo o esforço para uma empresa se tornar digital tem apenas um objetivo: fornecer soluções mais assertivas e que facilitem a vida do consumidor de forma personalizada. Toda empresa digital deve ter o foco no cliente e estar próximo a ele, compreendendo seus objetivos e dores.
Em um mundo pós-pandemia, isso não é diferente. As pessoas, de um dia para o outro, tiveram suas vidas totalmente modificadas e não sabiam como reagir em determinadas situações. As empresas que reagiram de forma rápida, conseguiram abocanhar grande parte do mercado e conquistar a fidelidade dos consumidores.
Um exemplo disso é a Ambev, criadora do Zé Delivery, aplicativo de entrega de bebidas. O app foi criado em 2016, porém, com o fechamento dos bares e restaurantes, ganhou força em todo o território nacional. Para se ter uma ideia, entre março e abril de 2020, o app realizou mais transações do que em todo o ano de 2019. O aumento do consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia fez com que a Ambev inaugurasse a primeira fábrica de latas, com produção de 1,5 bilhão de itens ao ano.
Outro grande passo dado durante a pandemia e que deve permanecer é a Transformação Digital no setor público. A tendência é que, cada vez menos, a população precise se deslocar a um balcão físico para resolver alguma pendência. Já podemos ver grandes passos no INSS, por exemplo, onde já é possível entrar com um pedido de aposentadoria pelo app, sem a necessidade de comparecer a uma agência. Sem falar na prova de vida digital, que vai facilitar a rotina de milhões de aposentados em todo o país.
Antigamente, o aposentado tinha que comparecer regularmente ao órgão pagador, normalmente os bancos, para confirmar que está vivo e continuar recebendo seu benefício. A prova de vida digital faz essa apresentação e identificação por meio de tecnologias de biometria facial em dispositivos móveis.
Podemos dar inúmeros exemplos de tecnologias facilitadoras que não vão perder espaço ao longo dos anos. O segredo de todas elas é a criação de experiências únicas incríveis, personalizadas para cada usuário. Poder resolver uma dor, sem sair de casa e sem burocracia, causa um grande impacto na rotina das pessoas e ser a causadora disso, torna a empresa parte da vida do seu cliente.
O anywhere office e o novo mercado de trabalho
Nós já sabemos que o trabalho remoto e o modelo híbrido vieram para ficar. Essa migração, que vinha sendo protelada há anos, se tornou regra do dia para noite e, tanto empresas quanto colaboradores, foram obrigados a adequar-se. No vocabulário popular, todo mundo estava “trocando o motor do avião durante o voo”.
Após mais de 18 meses, o trabalho remoto já não causa tanto desconforto para algumas pessoas. Já as empresas vivem problemas diferentes, como a contratação de times de tecnologia e gestão das equipes.
O anywhere office possibilitou a contratação de pessoas em qualquer lugar do mundo trazendo mais diversidade para as equipes, mas também alguns obstáculos, como a manutenção do clima organizacional, aplicação da cultura e até mesmo mensurar a motivação e produtividade do time.
Mais uma vez a tecnologia tem se tornado aliada dos gestores, por meio de ferramentas que acompanham a produtividade dos colaboradores e identificam possíveis gargalos relacionados ao processo ou colaboradores que não estão sendo tão produtivos quanto o resto da equipe. Além disso, esses softwares também fazem gestão de clima; humor; realizam assessments que podem resultar em planos de desenvolvimento e outras funções que tendem, se não suprir, pelo menos minimizar os impactos negativos da distância.
Com a alta procura por soluções digitais o mercado de profissionais ligados à tecnologia, está vivendo um momento de oportunidades ímpares. Segundo relatório da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, o déficit de profissionais de TI pode chegar a 260 mil até 2024. Com a tendência de que todas as empresas se tornem polo de tecnologia, o cenário se torna ainda mais preocupante, visto que a demanda tende a aumentar.
Algumas medidas já vêm sendo testadas para minimizar o impacto dessa carência de profissionais. Uma das mais famosas é da Trybe, uma escola de programação em que os alunos só pagam o valor do curso após conseguirem uma colocação profissional. Mais de mil alunos já participaram do programa, concluindo estudos em áreas que possuem alta demanda, como programação, BI e outros.
A Digital House é outra edtech que tem se destacado na formação de profissionais. Eles oferecem diversos cursos de programação, marketing, UX, dados e negócios, além de uma vertical exclusiva para capacitação de equipes. Também não podemos deixar de fora o programa de mais de 30 mil bolsas para formação em linguagens de programação. A iniciativa é da Take Blip e a formação é online, gratuita e sem pré-requisitos para a participação.
O mercado de trabalho, principalmente para profissões ligadas à tecnologia e aos negócios, está aquecido e as empresas precisam criar diferenciais para atrair os melhores talentos. Porém, esse é um dos grandes desafios enfrentados pelas organizações que participaram da nossa pesquisa de TD (23%).
O PaaS (People-as-a-Service) surgiu, justamente, para suprir esse gap do mercado. Estamos falando da contratação de mão de obra especializada para planejar, executar ou promover consultoria para um projeto específico. A oferta é muito semelhante a de outsourcing de TI, porém enquanto a terceirização tem foco em redução de custos, o People-as-a-service tem como objetivo contar com expertises e skills que ainda não fazem parte do capital intelectual da empresa. Isso permite acelerar o time-to-market e reduzir o backlog de desenvolvimento.
A alocação de squads virtuais também é outra vertente que tem ganhado força e demonstra bons números. Isso porque o modelo de trabalho permite mais agilidade operacional e alocação de times multiprofissionais em diferentes demandas.
O modelo, que ficou famoso após anúncio de que o Spotify era adepto da forma de trabalho, baseia-se na divisão dos colaboradores em pequenos grupos multidisciplinares, para trabalhar em um projeto ou objetivo específico.
Transformação Digital e a tomada de decisões
Para realmente estar em uma jornada de TD, as empresas precisam de agilidade na tomada de decisão e execução dos projetos, para que consigam se diferenciar da concorrência e, de fato, promover a inovação. Não é novidade dizer que a análise de dados é essencial para uma tomada de decisões mais assertiva. Porém, engana-se quem pensa que os dados são o futuro. Eles já são o presente para inúmeras empresas.
O maior e mais bem sucedido case de Big Data Analytics é a Netflix, que faz uma série de recomendações de conteúdos baseado no seu histórico. O resultado é tão bom que você passa mais tempo na plataforma, consumindo novos conteúdos e se torna mais dependente da Netflix, pensando duas vezes antes de cancelar o serviço de streaming.
Agora reflita comigo: os consumidores estão cada vez mais digitais, deixando milhares de dados disponíveis nas plataformas e redes sociais. Correto? Muitas vezes esses dados estão disponíveis para sua empresa, mas nem sempre eles são coletados ou processados. Certo?
Ao não fazer bom uso de todas essas informações, sua empresa está desperdiçando um recurso valioso, pois são dados oferecidos pelos próprios consumidores e que podem ser úteis para segmentação de ofertas, criação de novos serviços e uma infinidade de possibilidades.
Vale lembrar que no Brasil já está em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados, que regulamenta a coleta, armazenagem e processamento de dados pessoais e que todas as iniciativas empresariais devem se adequar à norma.
Entretanto, poder desfrutar de um atendimento omnichannel, fazer compras de supermercado sem sair de casa, entre tantas outras facilidades, nos leva à uma praticidade em nosso estilo de vida tão corrido, que disponibilizamos os nossos dados para obter estes benefícios, e isso é fruto da evolução da transformação digital nas companhias.
Felizmente vemos o avanço da vacinação em todo o mundo, o que nos traz esperança de dias melhores para a economia mundial, especialmente para setores que foram brutalmente impactados pela pandemia. Entretanto devemos estar cientes que os últimos meses causaram mudanças no comportamento da população que são irreversíveis.
Claro que novidades surgem a todo momento, porém o foco no cliente, na resolução dos problemas dele e na geração de experiências incríveis deve permanecer. Essa é uma jornada em que já que temos provas concretas de que a Transformação Digital é o único caminho para sobrevivência em um mercado pós-pandemia.
Este artigo foi produzido por Gustavo Caetano, CEO da Sambatech e Samba Digital, e colunista da MIT Technology Review Brasil.