No início deste mês, subi a escada e me sentei no banco de um trator verde brilhante da marca John Deere. Não havia milharal ou grãos de soja no entorno – minha visão pelo para-brisa era de um estacionamento comum no Brooklyn.
Eu pedi para subir no trator porque queria dar uma olhada no interior de um dos únicos veículos do mundo que funcionam com um combustível surpreendente: amônia. O químico é tipicamente usado em fertilizantes, mas uma startup de Nova York chamada Amogy está desenvolvendo uma tecnologia que pode ajudar a abastecer tratores, caminhões e até navios elétricos. Eu visitei a sede da Amogy para descobrir por que tantas empresas do setor de transportes estão buscando novos combustíveis e como a amônia pode ser parte disso.
Começando
O setor de transportes é uma peça importante do debate climático, sendo responsável por mais de 15% das emissões mundiais de gases do efeito estufa. E, embora estejamos progredindo consistentemente graças a carros, trens e outros veículos elétricos, ainda existem partes do quebra-cabeça que são mais difíceis de resolver, como veículos que precisam percorrer longas distâncias ou rodar por longos períodos sem parar para reabastecer.
A Amogy acredita que a solução para esse problema seja a amônia, um dos químicos mais vendidos hoje em dia, muito utilizado na produção de fertilizantes. E é relativamente conveniente, acumulando uma grande quantidade de energia em um espaço pequeno e sem pesar muito. “O que falta no mercado é um meio de usar a amônia”, diz Young Suk Jo, diretor de tecnologia da Amogy. “É isso que estamos desenvolvendo.”
O objetivo básico por trás da tecnologia dessa empresa é quebrar a amônia nos elementos que a compõem: hidrogênio e nitrogênio. O hidrogênio pode ser usado em uma célula de combustível para gerar eletricidade, enquanto o gás nitrogênio obtido como subproduto é liberado de forma segura na atmosfera — que é majoritariamente nitrogênio de qualquer forma.
Isso se chama decomposição da amônia, e uma das principais invenções da empresa é um catalisador químico que ajuda essa reação a ocorrer de forma eficiente em temperaturas mais baixas do que as consideradas normais atualmente. A Amogy combina esse catalisador com um sistema de controle – tecnologia que limpa quaisquer resíduos de amônia deixados pela reação – e com uma célula de combustível. Juntos, todos esses componentes basicamente transformam amônia em eletricidade.
A Amogy fez a demonstração inicial de seu sistema com um drone em 2021. Essa primeira configuração produzia, em média, cinco quilowatts de energia elétrica. Em seguida foi a vez do trator, que a empresa adaptou com um sistema movido à amônia cerca de vinte vezes mais poderoso que o utilizado no drone (o equipamento adicional fica bastante visível no trator, causando um ponto cego bem grande à direita do lugar onde eu estava sentado na cabine). Finalmente, a empresa utilizou um sistema de 300 kW em um semirreboque em janeiro deste ano.
Todos esses veículos de demonstração ajudaram a atrair atenção, inclusive de investidores: a empresa fechou uma rodada de investimentos em 150 milhões de dólares no início do ano. Mas a Amogy está de olho em máquinas ainda maiores: navios.
Expandindo
Empresas que buscam reduzir seu impacto climático no setor de transporte marítimo procuram combustíveis alternativos, como o metanol e a amônia. O sistema da Amogy pode ser uma opção melhor do que motores à combustão, uma vez que limitaria a poluição que retém calor na atmosfera, prejudicando a saúde humana e o meio ambiente.
Vale deixar registrado que a amônia também não é exatamente agradável e pode, na verdade, ser tóxica. Aqueles que propõem seu uso argumentam que os protocolos para seu manuseio já estão bem estabelecidos na indústria e que profissionais serão capazes de transportar e usar o químico de forma segura.
Os sistemas da Amogy não são grandes o suficiente para navios por enquanto. A empresa está trabalhando em mais uma demonstração que a ajudará a se aproximar de um sistema comercial: um rebocador, que pretende lançar ainda este ano em Nova York.
No futuro, a empresa pretende fabricar módulos que se encaixem, tornando o sistema grande o suficiente para abastecer navios. O primeiro sistema comercial marítimo da Amogy será desenvolvido em colaboração com a Southern Devall, que hoje transporta amônia em barcaças pelos Estados Unidos.
A produção global de amônia ultrapassou 200 milhões de toneladas em 2022, sendo utilizada principalmente em fertilizantes. O problema é que a maior parte desse material foi produzido com uso de combustíveis fósseis.
Para que os sistemas da Amogy reduzam significativamente as emissões, precisarão ser abastecidos de amônia produzida com baixas emissões de gases do efeito estufa, provavelmente utilizando eletricidade renovável ou sistemas de captura de carbono.
De acordo com as estimativas da Amogy, a oferta de amônia produzida com baixa emissão de carbono poderia chegar a 70 milhões de toneladas até 2030. Mas, primeiro, esses projetos precisam sair do papel e começar a efetivamente produzir amônia para que, então, possamos utilizá-la em fertilizantes, tratores e rebocadores.
Leituras relacionadas
- Eu já escrevi sobre a Amogy antes, bem como sobre outras empresas que pretendem usar amônia em transporte marítimo.
- Produzir amônia com baixas emissões de carbono pode exigir uma quantidade grande de hidrogênio verde.
- Combustíveis alternativos poderiam também abastecer veículos menores. Dê uma olhada nesse artigo sobre a tentativa da China de abastecer carros com metanol.
Mais uma coisa
Existe um grande fluxo de dinheiro sendo investido em oceanografia química. Uma nova iniciativa chamada Carbon to Sea injetará 50 milhões de dólares ao longo dos próximos cinco anos em uma técnica chamada alcalinização do oceano. A ideia básica é de que acrescentar substâncias alcalinas à água do mar poderia ajudar os oceanos a capturarem dióxido de carbono da atmosfera, combatendo as mudanças climáticas.
Os objetivos desse novo grupo incluem a realização de pequenos testes de campo, a promoção de políticas e o trabalho de medição e verificação os esforços nessa área. Dê uma olhada no artigo do meu colega James Temple para saber a história completa.
Acompanhando o clima
A maior seguradora da Califórnia, State Farm, anunciou que deixará de receber pedidos para a maioria dos tipos de seguros nesse estado, alegando “a crescente exposição a catástrofes”. (New York Times). A Allstate adotou a mesma política de forma mais discreta vários meses atrás, também citando a piora nas condições climáticas. (New York Times)
Todos os anos, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera batem novos recordes. Mas o aumento este ano é o mais alto da história. (Washington Post)
Carregadores de veículos elétricos são muito mais comuns do que costumavam ser e muito menos comuns do que precisam ser. Tanto a confiabilidade quanto a disponibilidade terão que aumentar para que mais consumidores se sintam confortáveis com veículos elétricos. (The Atlantic)
→ Veja onde estão todos os carregadores rápidos dos EUA (pelo menos até o verão de 2022). (MIT Technology Review)
Uma startup chamada Equatic está eletrocutando a água do mar em uma tentativa de extrair dióxido de carbono da atmosfera. (The Verge)
Uma nova ação coletiva fui ajuizada na Califórnia, tendo como alvo a Delta Airlines e as alegações de que a empresa seria “carbono neutro”. A ação diz que as compensações realizadas pela empresa não têm o impacto prometido. (Washington Post)
→ Para entender como as compensações podem acabar aumentando a poluição da atmosfera, veja essa investigação do programa de compensação da Califórnia. (MIT Technology Review)
Um artigo de opinião sobre os impactos climáticos dos veículos elétricos ganhou destaque recentemente por ter sido escrito pelo ator que faz o Mr. Bean (estou falando 100% sério, infelizmente). Segue uma matéria que vai esclarecer as coisas (Inside Climate News). A versão resumida: Veículos elétricos são melhores para o clima do que veículos à gasolina em quase todos os casos.