A extinção de animais pode estar com os dias contados
Inovação

A extinção de animais pode estar com os dias contados

Quando foi lançado, em 1993, o filme Jurassic Park despertou a imaginação do mundo com a ideia de trazer espécies extintas de volta à vida. Muitos já consideravam que a teoria apresentada era plausível. A grande pergunta não era se isso seria possível, mas quando. Hoje, décadas depois, a ciência começa a responder essa pergunta. Graças aos avanços extraordinários na engenharia genética, um animal extinto foi recriado em laboratório — não um dinossauro, mas uma criatura que também habitou o imaginário popular: o lobo terrível, que teve participação em outra superprodução de sucesso, a série Game of Thrones. Esse feito marca um passo histórico na biotecnologia, aproximando cada vez mais a ficção da realidade e reacendendo discussões sobre os limites éticos e ecológicos da “desextinção”.

Sobre a tecnologia

A clonagem é a tecnologia mais conhecida para atingir tal objetivo. No processo, o núcleo de uma célula qualquer é inserido em um óvulo previamente esvaziado. Como essas células contêm o DNA completo do organismo, o material genético transferido carrega todas as instruções necessárias para o desenvolvimento de um novo ser.

O óvulo editado é estimulado eletricamente a iniciar seu processo de divisão celular, como se tivesse sido fertilizado naturalmente. Caso o desenvolvimento ocorra com sucesso, forma-se um embrião que pode ser implantado em um útero, dando origem a um organismo geneticamente idêntico ao doador da célula somática.

Curiosamente, o choque elétrico aplicado no processo de clonagem também ocorre de forma natural na fecundação humana apelidado de “centelha da vida” , reforçando a ideia de que a ativação do óvulo envolve um verdadeiro pulso de energia, ainda que em escala molecular.
Revisitando marcos históricos

Para entender a importância do que está acontecendo hoje, é necessário revisitar brevemente algumas conquistas anteriores:

O primeiro clone

Os primeiros passos em direção ao atual estágio iniciaram-se na década de 1950 quando os cientistas Robert Briggs e Thomas King realizaram um experimento pioneiro ao transferirem o núcleo de uma célula de embrião de rã para um óvulo sem núcleo, produzindo girinos geneticamente idênticos. Esse experimento estabeleceu o conceito central da clonagem nuclear e a ideia de que o DNA de uma célula realmente contém informação suficiente para recriar o organismo inteiro.

Embora este anfíbio tenha sido o primeiro animal a ser clonado, pouca gente o conhece. O mais famoso foi a ovelha Dolly, responsável por disseminar a ideia pelo mundo, e trazer a atenção suficiente para aumentar os investimentos na área.

A Era Dolly

Dolly foi o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta — um feito revolucionário liderado pelos cientistas Ian Wilmut e Keith Campbell. Eles utilizaram uma célula somática retirada da glândula mamária da ovelha adulta e demonstraram que o DNA de uma célula pode recriar seu embrião em qualquer momento da idade do animal.

Ao contrário das rãs clonadas em experimentos anteriores, o mamífero não representava apenas um salto técnico, mas também simbólico: um organismo complexo, completo, que aproximava a tecnologia do humano. Seu sucesso, por isso, não apenas capturou a atenção mundial, como também acendeu debates profundos sobre os limites éticos de criar vida.

A clonagem do primeiro animal extinto

Em 2009, uma nova conquista na área foi realizada: cientistas anunciaram o nascimento do primeiro animal extinto já ressuscitado — uma cabra montanhesa conhecida como bucardo. Esses animais habitavam as montanhas dos Pirineus, entre a Espanha e a França, e eram perfeitamente adaptados às condições extremas de frio e neve típicas da região.

Como aconteceu com muitas outras espécies selvagens, o bucardo foi vítima da ação humana, principalmente pelo interesse crescente de caçadores em exibi-lo como troféus. A espécie foi oficialmente declarada extinta em janeiro de 2000, quando o último exemplar conhecido — uma fêmea chamada Célia — morreu. No entanto, células de Célia haviam sido previamente coletadas e preservadas em nitrogênio líquido. Em 2003, três anos após sua morte, uma equipe de cientistas espanhóis e franceses decidiu tentar trazê-la de volta.

O processo, ainda bastante polêmico, obteve resultados limitados: dos 208 embriões implantados, apenas sete prosseguiram para gestações, e apenas uma chegou até o nascimento. O filhote nasceu com 2,5 kg, mas infelizmente morreu dez minutos depois, devido a uma falha respiratória. Ainda assim, o feito foi considerado um marco histórico: pela primeira vez, um animal extinto foi trazido de volta à vida — ainda que por instantes.

O retorno do primeiro animal pré-histórico

Recentemente, tivemos um novo marco, desta vez, trouxeram de volta, não apenas um animal extinto, mas extinto há muito tempo, cerca de 10 mil anos, um animal pré-histórico. O animal é um Lobo-terrível, um predador robusto que habitou grande parte das Américas e se tornou conhecido não só pela ciência, mas também pela cultura pop, como na série Game of Thrones.

Diferente dos lobos modernos, o lobo-terrível era maior, com mandíbulas mais fortes e uma estrutura adaptada à caça de grandes presas. Com a descoberta de DNA relativamente bem preservado em fósseis encontrados em regiões frias e secas, pesquisadores conseguiram mapear parte significativa de seu genoma e usaram edição genética, como a CRISPR, para inserir esses traços em embriões da espécie mais próxima viva dos lobos-terríveis: o lobo-cinzento. Se para clonar uma espécie existente já existe perda de material e variantes genéticas que ocasionam a morte da maioria dos embriões, o desafio de um DNA já danificado pelo tempo é muito maior.

Por este motivo, os pesquisadores decidiram fazer o processo contrário, ao invés de esvaziar o óvulo e introduzir um novo DNA como nos casos anteriores, os cientistas mantiveram o genoma do lobo-cinzento e fizeram alterações das diferenças utilizando a tecnologia CRISPR.

O resultado ainda não é um “lobo-terrível puro”, mas um híbrido com traços genéticos altamente fiéis ao original, o que já é considerado um marco na chamada ciência da desextinção. O projeto envolve uma complexa combinação de clonagem reprodutiva e engenharia genômica, e sua realização reacende debates sobre os riscos ecológicos e éticos de reintroduzir espécies extintas em ecossistemas modernos além dos riscos do cruzamento de duas espécies distintas. Ainda assim, o renascimento do lobo-terrível marca um ponto de virada na história da genética, provando que o que antes era pura ficção — como visto em Jurassic Park — está se tornando uma possibilidade concreta.

Debate técnico

O feito foi realizado por cientistas americanos que utilizaram técnicas de edição genética para desenvolver três filhotes do extinto lobo-terrível (Dire Wolf). O material genético foi extraído de um dente com 13 mil anos e de um crânio com cerca de 72 mil anos, mas estava altamente fragmentado devido às intempéries sofridas ao longo do tempo — um dos principais desafios na clonagem de animais pré-históricos.

Como apenas algumas partes do genoma puderam ser aproveitadas, os cientistas recorreram à técnica CRISPR para cortar e inserir esses trechos no DNA de lobos-cinzentos, a espécie viva mais próxima, usada para preencher as lacunas do material genético perdido.

Apesar do avanço tecnológico, alguns especialistas questionam se esses animais podem ser considerados clones de fato, já que o DNA do lobo-terrível não foi inserido integralmente nos embriões. Em vez disso, os pesquisadores editaram o genoma do lobo-cinzento, alterando apenas 20 trechos em 14 genes. Essas modificações foram suficientes para conferir características físicas marcantes do lobo-terrível — como sua musculatura robusta, mandíbula poderosa e pelagem branca —, mas não recriaram a espécie em sua totalidade genética.

De toda forma, trata-se de uma demonstração notável do potencial da tecnologia CRISPR, aplicada aqui em múltiplos segmentos ao mesmo tempo. Os cientistas pretendem, com isso, avançar também na criação de órgãos para transplante mais compatíveis com o corpo humano — uma aplicação que pode salvar inúmeras vidas.

Discussão ética

Com os exemplos apresentado até aqui, já pudemos ver como o processo da clonagem ainda é problemático, ou seja, seu processo frágil ainda leva a maioria das vidas animais ao sofrimento. É um processo muito estatístico e de baixo aproveitamento levado ao questionamento ético de até onde podemos espalhar sofrimento em prol de um desenvolvimento.

Depois de trazê-lo à vida ainda temos que saber, por exemplo, onde estes animais viveriam e como se comportariam em um ecossistema moderno. A introdução de uma espécie “ressuscitada” em um ambiente que evoluiu sem ela pode não apenas gerar desequilíbrios ecológicos, mas também afetar outras espécies de maneiras imprevisíveis.

Para atingir o objetivo do transplante de órgãos terão, inevitavelmente, que “brincar” com a vida humana, transformar seres vivos em projetos de laboratório, reduzindo-os a experimentos em vez de organismos completos com direitos biológicos e morais.

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Por fim, como fica nossa religiosidade com tudo isso? Estaríamos brincando de Deus? Estaríamos questionando nossa sagrada existência?

Com esses avanços recentes, o debate sobre clonagem humana deixa de ser, apenas, uma hipótese distante e passa a exigir uma reflexão ética global. A pergunta central — “podemos estar colocando a nossa própria existência em jogo?” — se torna cada vez mais urgente. A eventual prática com humanos poderia ameaçar valores essenciais da humanidade, caso não seja cuidadosamente regulada. Assim, nosso futuro exigirá não apenas habilidades científicas, mas um pacto ético coletivo que poteja a vida, a diversidade e a integridade humana.

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