Na psiquiatria, a euforia por vezes é uma outra face da depressão, dois estados que costumam se alternar, resultando no quadro clínico conhecido como transtorno bipolar ou, simplesmente, bipolaridade. É a ausência de equilíbrio, justamente, que está na raiz da angústia do paciente. Aproveitando a metáfora, grandes (e, por vezes, novos) empreendedores sabem, por seu lado, se comportar diante das idas e vindas – só para lembrar: da bolha de tecnologia nos anos 2000, passando pela crise financeira de 2008, aterrizando na pandemia de Covid-19, seguido de semanas de guerra entre Rússia e Ucrânia, para mostrar o tamanho das ondas nas quais surfamos ou nos afogamos.
A existência dessas “ondas” não é algo exatamente novo. Um marco é o ano de 1860, quando o médico e economista francês Clément Juglar formulou a ideia de que existem ciclos econômicos que se repetem com periodicidade regular – entre sete e onze anos, no caso do ciclo que ele descreveu e que hoje leva seu nome. Cada uma dessas fases é pontuada por momentos sucessivos de prosperidade, crise, liquidação e recessão – uma ideia que ganhou conceituação anos mais tarde, quando o economista americano Joseph Schumpeter consolidou o modelo teórico dos ciclos econômicos, a partir da publicação de Business Cycles (1939).
Juglar não foi o único a estudar os ciclos, que, independentemente da diferença entre os dados e da modelagem estatística entre eles, acabam sempre cumprindo uma espécie de eterno retorno. Mas, da mesma maneira que eles mostram não existir crescimento que não cesse, a queda que vem a seguir, por maior que seja, também é passageira. Eventualmente, pode até ser positiva, e é no entorno dessa espécie de otimismo sobre ruínas que se chega à ideia de “destruição criativa” de Schumpeter, segundo a qual o próprio desequilíbrio abre espaço para a inovação. Este é o norte fundamental quando falamos de Nova Economia, em que o movimento dos ciclos significa ter sempre no horizonte uma janela de oportunidades.
Nessa mesma tradição está o trabalho da economista anglo-venezuelana Carlota Perez, que revê o percurso da parábola cíclica usando o filtro da inovação, sua especialidade. Ela define, e toma como base para o seu estudo, cinco revoluções tecnológicas no período industrial da humanidade e suas relações com o capital financeiro: 1) a própria revolução industrial, com a mecanização da produção; 2) a era do vapor e das estradas de ferro; 3) a era do aço e da eletricidade; 4) a era do petróleo e dos carros; e 5) a era da informação e das telecomunicações.
Em todas, um padrão: uma curva que começa com o período de instalação (o big bang da novidade tecnológica e o furor financeiro e comportamental que se segue), atravessa um ponto de virada (de reacomodação e consequentes crises) e culmina na fase de desenvolvimento, marcada tanto por um amadurecimento quanto por novos solavancos.
Estamos em algum lugar deste último ciclo? De muitas formas, a Nova Economia personifica a maturação do grande salto tecnológico que representou a Internet para a quinta das revoluções analisadas por Perez – a da Era da Informação e das Telecomunicações. O cenário da vez que se apresenta é o da prosperidade dos anos dourados, com a perspectiva de uma economia mais sustentável e inclusiva em todos os aspectos. Reações são esperadas, e elas vêm dos suspeitos de sempre: os que estão ficando para trás. Populistas de todos os matizes miram um passado que nunca existiu, alimentado a nostalgia ilusória.
Vítimas da guerra
Mas, temos agora uma guerra de impacto global. Como ficamos? Primeiro vale lembrar que negócios disruptivos não apenas reagem às crises, mas respondem a elas com inovação, fortalecendo-se. Em segundo lugar, já sabemos que os solavancos fazem parte do movimento de desenvolvimento, de sinergia e maturidade de um cenário tecnológico. O desafio está colocado: a guerra só traz a certeza de vítimas – sejam as afetadas diretamente pelo conflito, sejam aquelas bombardeadas pelo preço global das commodities.
Empreendedores da Nova Economia sabem conviver com a incerteza, isso é fato. Na análise de Perez, o fim da onda que estamos atravessando poderia se estender, mesmo submetida a grandes crises, até 2035, quando se tornariam mais palpáveis os ganhos sociais promovidos pelas tecnologias de informação. Nesse exato momento, o desafio dos negócios da Nova Economia é enfrentar as oscilações da parábola, alocando capital sabiamente, colocando à prova sua capacidade de escalar.
No ano passado, com pandemia e tudo, os fundos de venture capital investiram em startups quase o triplo do montante do ano anterior – foram US$ 9,7 bilhões, segundo relatório Inside Venture Capital, da Distrito. O cenário, que incluía juros baixos e muita liquidez, levou o mundo a bater recorde de empresas ingressando nas bolsas, com o número de IPOs 64% maior em relação a 2020. O bom resultado se repetiu por aqui, com 45 empresas começando a vender suas ações na B3.
Seguimos no percurso da parábola. A guerra trouxe a ameaça de uma redução de meio ponto do PIB global com a alta da energia, mas o cenário e as perspectivas para este ano já eram outros. A disparada da Selic sinaliza retração, mas o período de juros baixos foi importante para o mercado descobrir que valia a pena investir na Nova Economia – daí o salto de 2021 nos investimentos. No caminho para os anos de maturação da Era da Informação, o Brasil conta com mais de 13 mil startups, 29 unicórnios e números positivos suficientes para otimismo. 2022 e 2023 devem ser mais difíceis para acessar capital, entretanto
existiam no final de 2021 US$ 750 milhões já comprometidos com venture capital e o Brasil tornou-se um destino natural para esses investimentos.
O movimento cíclico faz todo o sentido, mas volto a frisar que o ponto fundamental é a mentalidade que vislumbra a criação além da destruição. Cada ciclo tecnológico trouxe grandes impactos em todos os aspectos: econômicos, sociais e culturais. Evidenciaram arcaísmos, que caíram de maduros ou acabaram removidos. Hoje, em meio à quinta revolução tecnológica, as turbulências parecem mais próximas e eventualmente mais sombrias, mas isso se dá porque estamos, pela primeira vez nessa história, conectados com o mundo. E esta é a vantagem que temos de usar para apontar a curva para o alto.
Só um líder com entendimento do desenho de subida e descida dos ciclos percorrerá fases de suposta instabilidade sem o desespero como elemento surpresa, ou sem a tentação do investimento irracional em momentos de euforia. Nos apoiando no Paradoxo de Stockdale: você deve ter fé que irá prevalecer no final, apesar das dificuldades. Mas, ao mesmo tempo, precisa confrontar os fatos mais brutais da sua realidade, independentemente de quais sejam.
Este artigo foi produzido por Diego Barreto, VP de Finanças e Estratégia do iFood e colunista da MIT Technology Review Brasil.