A estratégia chinesa no uso da IA de código aberto
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A estratégia chinesa no uso da IA de código aberto

Para startups chinesas, o modelo representa uma ampla oportunidade de democratização e acesso à tecnologia. Para fora, levanta preocupações sobre segurança e competitividade no mercado tecnológico.

Ferramentas, frameworks e soluções acessíveis. Esses são os ingredientes que empresas chinesas estão oferecendo com a adoção de modelos de Inteligência Artificial de código aberto. A abordagem tem o potencial de democratizar a inovação para pesquisadores, desenvolvedores e entusiastas da tecnologia.

Por outro lado, o controle de qualidade, a segurança e a ética são desafios que podem impactar o cenário tecnológico global e a competitividade do mercado.

No podcast MIT Technology Review Brasil desta semana, André Miceli, Carlos Aros e Rafael Coimbra discutem as implicações desse modelo para todo o ecossistema de IA no Brasil e no mundo.

Esse podcast é um oferecimento do SAS.

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[Narradora]

Informação especializada, influente e confiável.

Podcast MIT Technology Review Brasil.

[André Miceli]

Olá! Eu sou André e esse é mais um podcast MIT Technology Review Brasil.

Hoje, eu, Rafael Coimbra e Carlos Aros vamos falar sobre as estratégias chinesas para dominar o mercado de Inteligência Artificial open source. A adoção de Inteligência Artificial de código aberto por empresas chinesas vem se tornando cada vez mais relevante no cenário tecnológico global. Essas empresas vêm contribuindo com ferramentas, frameworks e soluções que permitem tanto pesquisadores quanto desenvolvedores ao redor do mundo colaborar e inovar de forma mais acessível, mais ou menos como aconteceu no mundo dos sistemas operacionais com o Linux. No entanto, lógico, essa questão levanta preocupações sobre segurança, propriedade intelectual e competitividade no mercado de tecnologia. Vamos entender como isso afeta todo o ecossistema e, naturalmente, o Brasil.

Mas antes, eu quero lembrar que esse podcast é um oferecimento do SAS, líder em Analytics, e também te convidar para entrar para a nossa comunidade lá em www.mittechreview.com.br/assine.

Rafa Coimbra, a Inteligência Artificial de código aberto promove democratização, acesso à tecnologia, facilita a competição, mas também apresenta desafios significativos quando a gente fala de controle de qualidade, segurança e, claro, as questões éticas, especialmente quando a gente compara o Ocidente e a China, as questões de governo. Enfim, as empresas e os governos precisam equilibrar esses benefícios de inovação aberta com a necessidade de proteger dados sensíveis, privacidade e garantir que a IA seja usada de maneira responsável. Como você vê esse cenário, Rafa? Como a abertura de tecnologias de Inteligência Artificial, como a Inteligência Artificial open source, pode impactar a inovação, a colaboração global e a própria relação com a tecnologia?

[Rafael Coimbra]

André, tudo isso que você falou é muito bonito e está sendo, de certa forma, tratado, né? Eu estou aqui falando de questões mais éticas, proteção de dados, tudo isso é extremamente relevante. Mas a gente tem que ser bem pragmático ao fazer uma análise do mercado de IA e hoje o que move esse mercado é a competição comercial. Então, você tem basicamente dois grandes modelos estratégicos: o modelo que é mais fechado, ou seja, empresas que têm a sua Inteligência Artificial, esses modelos de linguagem natural, e vendem serviços a partir desses sistemas — por exemplo, o ChatGPT da OpenAI —, e você tem do outro lado empresas que apostam nesse modelo open source de código aberto, que também, por sua vez, têm as suas estratégias.

Para dar um exemplo norte-americano, a gente tem a Meta, né, a dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, que tem o LLaMA 2, que é um modelo aberto. E você tem lá do outro lado, na China, algumas empresas, para citar uma grande, a Alibaba, com o modelo chamado Qwen2. Essas empresas, portanto, que trabalham com código aberto, você pode estar pensando, nos ouvindo aqui: “qual a vantagem que essas empresas têm? O que elas ganham se estão dando de graça e deixando as pessoas modificarem seus modelos? Por que elas fazem isso?”. Bom, há muitas teorias. Eu acredito que vai muito na linha do que, por exemplo, o Google fez com o Android, né.

O Google comprou o Android lá atrás, hoje é o sistema operacional móvel mais popular que a gente conhece e é open source. Nasceu ali como um código aberto, o Google comprou, mas qualquer um pode pegar aquela base do Android e fazer modificações. O que a empresa ganha com isso? Capilaridade. Ela ganha mercado. Ela faz com que uma grande parte das pessoas e empresas que usam aquele sistema, ou no caso aqui, do código aberto da Inteligência Artificial, fiquem de certa forma dependentes daquele ecossistema. E aí, sobre aquela base tecnológica, aí sim, ela começa a vender serviços. Então, no caso do Android, você tem todos os aplicativos Google que são ali geralmente embutidos quando você compra um aparelho com Android. E aí, a empresa, sim, ganha com outro modelo de negócios, no caso do Google, muita publicidade digital.

No caso da Meta, também pode se imaginar que o Zuckerberg tenha isso como estratégia: “olha, eu vou dar uma Inteligência Artificial para todo mundo, as pessoas e empresas vão vir pra minha base”. Lembrando que o Facebook tem 3 bilhões de pessoas ativas. É a maior rede social do mundo e quanto mais pessoas, mais circulação de informações, mais circulação de comércio. É algo que é muito importante para o Facebook. Então, isso faz parte de uma estratégia.

E no caso da China, André, o que eu tenho observado é que isso está valendo muito para a questão comercial, no sentido de e-commerce. Não à toa, a gente está citando aqui o Alibaba, que é uma das maiores empresas do mundo de e-commerce, e eles têm empregado cada vez mais, não só o Alibaba, mas outras empresas também, a Inteligência Artificial para fazer análise de logística, para fazer com que o consumidor, o vendedor no caso, entre naquela plataforma e crie um anúncio digital. É tudo informatizado, é tudo automatizado com o uso dessa Inteligência Artificial. Você tira a foto do produto, aperta um botão, puf, aparece ali uma campanha para você vender o produto dentro daquela loja. Então, existe uma estratégia e aí sim, a gente pode pensar mais amplamente numa briga comercial entre Estados Unidos e China, porque a China vem sendo proibida, por exemplo, de consumir chips de Inteligência Artificial norte-americanos. Tem toda uma batalha de restrição. Mas modelos de Inteligência Artificial eles estão conseguindo. Eles dizem, a gente não consegue aqui aferir com tanta precisão, mas que inclusive alguns modelos são superiores a esses que a gente conhece aqui no Ocidente, como o ChatGPT.

Então, essa briga comercial tem feito com que a China, vou dizer que esteja “vencendo na força do ódio”, ampliando ali, está dando o seu jeito, criando as suas aplicações e, eventualmente, esses sistemas chineses podem virar referência para o Ocidente, porque a gente fala muito em potência: “ah, qual é o melhor? Qual é o mais poderoso?”, mas no fundo, para um consumidor ou para uma empresa, preço e acessibilidade valem muito. Não adianta você fazer um negócio superpoderoso e ser caro. A empresa, se ela tiver ali uma solução mais ou menos bem-feitinha e de graça, que ela possa adaptar para ela, vai valer. Só para dar um exemplo, tem empresa norte-americana, inclusive, usando sistema chinês, fazendo adaptação no modelo open source chinês. Então, é importante que a gente olhe, dê um passo atrás e entenda que a competição não é só por poder, é também por um modelo estratégico: se ele vai ser mais fechado e caro ou se ele vai ser mais aberto e, eventualmente, até barato.

[André Miceli]

Dois grandes exemplos que a gente mencionou, mas só para reforçar: Linux versus Windows e Android versus iOS. Eles se baseiam nesse formato. Os dois primeiros de cada competição dessas que eu mencionei são abertos, viram plataformas importantes. A empresa, de alguma maneira, passa a certa forma dominar o mercado, porque tudo que ela faz acaba impactando o mercado inteiro. E aí, tem uma capacidade de estabelecimento de padrões que vale muito. A questão é que, como a gente está falando de China, é impossível não pensar na presença do estado. O quanto isso vai representar em termos geopolíticos, caso se confirme.

Carlos Aros, quais são, na sua opinião, os principais desafios e riscos associados a essa adoção de Inteligência Artificial de código aberto?

[Carlos Aros]

Quando você cita o caso específico do mercado chinês, a ressalva maior é justamente a relação umbilical que, por força do sistema, se tem com o governo. E o quanto isso gera desconfiança. E o quanto isso estabelece uma fronteira em que alguns players não vão querer se aventurar. E por isso, a gente acaba criando ilhas e não um ambiente colaborativo, em que existe uma sobreposição, todos esses modelos extraindo o melhor que se pode entregar para construir um grande mercado aberto. Então, esse talvez seja o grande desafio.

Agora, do outro lado, o que existe como pró, assim, o grande aspecto positivo para mim dessa história toda é que a gente ganha a possibilidade de observar movimentos outros que não aqueles impulsionados, estimulados e financiados pelos interesses das Big Techs. Ou seja, a gente passa a ter novas visões de mundo sendo contempladas e apresentadas para o mercado, com possibilidades de atendimento de nichos que talvez não sejam tão relevantes para essas Big Techs. E aí, de novo, aqui se tem um movimento, e quando você cita o Linux é exatamente esse o caso, a gente tem uma plataforma que atende a um universo de possibilidades que, talvez, se fosse restrito àquilo que a Microsoft, enfim, lá atrás pensava, nós não teríamos contemplado. Não haveria a possibilidade, sobretudo quando a gente pensa na comunidade e o quanto a comunidade traz de inputs e de referências, que se retroalimentam num movimento que vai fortalecendo essa rede. O que tem aí como questão, quando a gente pensa em IA e em todas as questões de regulamentação, de segurança, de ética, etc., é o mundo obscuro que surge por detrás dessas engrenagens. Quanto maior a plataforma, maior a vitrine, maior a possibilidade de você fiscalizar, maior a possibilidade de você extrair dali e cobrar movimentos que sejam menos marginais. Vamos colocar dessa maneira.

Quando a gente tem isso surgindo lateralmente, de maneira mais invisibilizada, é mais complexo. Num ambiente como o da IA, em que se tem pouca informação, as pessoas não conhecem ainda. E a gente vem tratando disso já há algum tempo. É um bate-cabeça danado para os reguladores entenderem como tratar, como lidar com essa questão. Que pontos atacar prioritariamente? Que condições observar de maneira a oferecer mais limites sem inviabilizar modelos e etc.? Esses caras podem acabar, de alguma maneira, se tornando marginais e recursos que estão utilizando de alguma maneira que não deveriam estar sendo usados ali, que estão usando informações de forma não tão transparente, enfim. Mas são riscos que, de alguma maneira, fazem parte do jogo.

Acho que, nesse caso, o mercado open source para Inteligência Artificial traz muito mais vantagens do que prejuízos. Sobretudo porque hoje a grande discussão é: estamos de novo caminhando para um movimento em que os grandes players vão ditar a regra do jogo. Então, ter outsiders, figuras que não estavam convidadas necessariamente para a grande festa entrando no salão pode ser interessante para o mercado de maneira mais geral.

[André Miceli]

Rafa, quando a gente pensa no uso de IA de código aberto, naturalmente, como a gente já falou aqui em alguns momentos, precisamos considerar as implicações políticas, claro, mas também as econômicas. Em função das políticas, os governos e as indústrias precisam considerar como essas tecnologias vão ser usadas para influenciar os seus respectivos mercados, mas também o que vai acontecer de regulamentação. A gente já viu ali uma discussão grande sobre, por exemplo, o uso do TikTok nos Estados Unidos. E aí fico imaginando o que seria a definição de uma plataforma de Inteligência Artificial de código aberto que pode mandar dados de qualquer um para qualquer lugar, que as empresas vão usar para montar os seus respectivos modelos de negócios. Portanto, uma implicação econômica é bastante simples de enxergar. A política, claro, e a econômica também. E isso vai impactar relações internacionais em geral. Você acha, Rafa, que essa adoção de IA de código aberto das empresas chinesas pode afetar políticas econômicas, regulatórias? E, em outro aspecto, o que isso traz no que diz respeito à capacidade de inovação global?

[Rafael Coimbra]

Olha, André, essa é uma questão que está pipocando. A gente tem ouvido falar muito e acompanhado algumas discussões sobre o excesso ou a falta de regulação, de que maneira isso estimula ou pode sufocar a inovação. E tem um detalhe interessante. Acompanhando os eventos do próprio MIT, os EmTechs, esse ano nós fizemos internacionalmente duas edições voltadas para Inteligência Artificial, uma na Europa e uma nos Estados Unidos. E o que a gente observa é que existe, por parte, sobretudo, dos órgãos reguladores europeus, uma proteção maior. E há quem diga que isso pode estar um pouco minando essa inovação, porque ali há o entendimento de que os direitos dos cidadãos, a proteção aos dados, isso tudo é muito levado a sério na Europa. E, ao ter que cumprir determinadas regras, os pequenininhos, sobretudo, podem ficar com medo de inovar, para não serem punidos, não serem multados, e isso pode frear a inovação.

Nos Estados Unidos, um pouco menos, é um pouco mais aberto, mas ainda assim também tem ali algum ambiente regulatório. E aqui no Brasil, a gente está discutindo ainda, mas eu fiquei muito surpreso, porque foi lançado na semana passada um Plano Nacional para Inteligência Artificial no Brasil. Existe ali um eixo voltado para a regulação, para criar instituições para que se observem e discutam aspectos regulatórios. Mas também tinha uma posição ali nos outros eixos muito proativa, muito de tentar estimular o mercado, tentar fazer com que, sobretudo, a infraestrutura, empresas, incluindo startups, desenvolvam suas habilidades, seus potenciais em relação à Inteligência Artificial.

Só que aí tem um detalhe interessante, André, que é o seguinte: muitas vezes essa inovação, sobretudo em tecnologias emergentes, elas acontecem, vou chamar assim, debaixo do radar. É muito mais fácil — não estou dizendo que é fácil, estou dizendo que é muito mais visível — você identificar uma Big Tech e ficar monitorando o comportamento de uma Big Tech e falar: “olha, aqui você tá passando do limite, você vai levar uma multa ou tem que ser enquadrado dessa forma”. É muito mais fácil, do ponto de vista visível, fazer isso do que você observar uma startup pequena, de três geniozinhos que estão pegando um código aberto desse e fazendo acontecer.

Essa inovação, no que vou chamar de submundo ou abaixo do radar, está acontecendo. E muitas vezes a gente, enquanto autoridades regulatórias, não está observando essa inovação acontecendo. E muita coisa, a sensação que eu tenho, vai emergir dessas startups que estão nascendo agora, que começaram a pipocar aqui e ali. E acho importante a gente ficar de olho nisso, porque, eventualmente, um modelo desses de código aberto, transformado por uma startup que viu ali um potencial para um lado ou para outro, também essas pequenas iniciativas podem, eventualmente, e rapidamente — e esse é o importante — se tornarem modelos que definam comportamentos de indústria, padrões, modelos, inclusive, de governos também. A gente daqui a pouco vai começar a ter governos, não só o Brasil, mas do mundo inteiro, usando Inteligência Artificial para fazer com que o processo de cidadania se aprimore. Então, chamo aqui atenção para que a gente fique de olho também em quem são os —a gente falou aqui dos grandões —, mas quem são os pequenininhos que estão usando o código aberto? A gente tem que ficar de olho também.

[André Miceli]

Eu, particularmente, não vejo isso acontecendo. Dar essa amplitude para a Inteligência Artificial de código aberto chinesa, acho que o Ocidente vai travar, pelas questões políticas que a gente conversou aqui.

Isso que você falou, Rafa, é de fato muito importante. Existe um risco inerente a quem está voando debaixo do radar, que é muito difícil de pegar. Tem muitos riscos nesse processo. Por outro lado, tem uma questão que eu fico pensando sobre a democratização da inovação, a facilidade de criação de startups.

E, Aros, eu te pergunto: essa transparência, essa colaboração promovida por uma Inteligência Artificial de código aberto tem, claro, o potencial de criar um ecossistema mais inclusivo e diversificado, não por ser chinês, mas por ser aberto. E aí, pequenas empresas, startups, como o Rafa disse, vão se desenvolver ali. Tem um monte de coisa acontecendo que a gente vai talvez demorar um pouquinho para enxergar. Você acha que o efeito colateral dessa inovação que acontece ali à margem pode ser uma competição mais justa com as gigantes de tecnologia? Ou as gigantes vão ali fagocitando tudo o que vai aparecendo, que pode fazer sentido, que pode se tornar uma ameaça para os seus modelos de negócio? Só que, como está acontecendo um monte de coisa que a gente não está enxergando bem, pode ser que a gente veja a ascensão de uma empresa com uma baita solução, que seja capaz de causar uma disrupção grande no mercado. Como você enxerga esse nivelamento do campo de atuação das startups e pequenas empresas do setor de tecnologia a partir de uma IA de código aberto?

[Carlos Aros]

Antes de mais nada, eu só quero dizer que “fagocitar” é uma palavra muito bonita.

[André Miceli]

Das aulas de biologia, né?

[Rafael Coimbra]

Eu não ouço desde a quinta série.

[Carlos Aros]

Fiquei até emocionado com esse repertório, André Miceli. Mas veja só, não, eu não acho que a competição vai ser justa. Primeiro, pelas razões que a gente já comentou aqui. Existe um movimento movido por uma engrenagem que parte de um ponto de vista da defesa de interesses políticos, econômicos e etc. E aí, a gente está falando num nível global, pensando na disputa Estados Unidos e China, que não é só uma disputa Estados Unidos e China, é uma disputa de um lado do globo versus outro lado do globo. É importante dimensionar isso.

E aí, num segundo plano, vem a movimentação das Big Techs, que caminham numa direção parecida, com propósitos diferentes. E o propósito maior é o de preservar o espaço. Não vou deixar que o inimigo venha aqui pegar um pedacinho, uma fatia do meu território. E aí, essa disputa é muito importante, ela é muito estratégica. Por isso, esses pequenos players entram num jogo em que eles têm um teto, tem um limite para construir ali de espaço. A dominação sempre vai ser dos gigantes ali, a menos que o próprio ecossistema se fortaleça, mas ele não tem unidade suficiente para isso, né? Iniciativas pulverizadas vão se somando, vão criar um colchão, e esse vai ser o universo deles.

O grande risco está justamente nesse movimento que você diz: “olha, eu tenho ali um player que está chegando e esse cara está fazendo algo de destaque. Esse movimento pode criar um prejuízo para mim numa dimensão x.” Talvez nem seja um prejuízo tão grande, seja só uma cosquinha, mas ele vai lá e aniquila aquela possibilidade, usando qualquer estratégia que a gente possa imaginar, e seguramente já vimos inúmeros sendo aplicados.

Então, acho que tem um teto, tem um limite para o crescimento desse mercado. Ele é um mercado que é importante pelas razões que a gente já discutiu aqui, porque é preciso ter essa outra visão, é preciso ter esse input. A gente não pode ficar refém de uma única visão de mundo para o desenvolvimento de uma tecnologia tão importante. Mas não vamos nos iludir. A gente viu o que aconteceu em outros setores. E, desde que o mundo é mundo, é assim: existe o poder econômico e o poder econômico acaba ganhando espaço, força. E quando existe uma ruptura desse movimento, ela não se dá por fatores que buscam trazer uma maior abertura, ou porque em conjunto essas iniciativas vão romper com o status quo. Não, a ruptura se dá quando um desses novos entrantes quer ser igual ao cara que estava dominando o segmento ali no lugar dele e aí, a gente tem fenômenos de indústrias que se consolidaram ou que se transformaram a partir das iniciativas desses empreendedores. Então, sei lá, eu vou ter os bancos digitais, as plataformas de intermediação, como o Airbnb, que bagunça o setor hoteleiro, o Uber que bagunça o setor de transportes e etc. Mas esses caras não vêm para ser uma mudança completa na dinâmica. Eles, na verdade, querem trocar um dinheiro pelo outro, e aí eles acabam chegando no lugar.

Então, dentro de uma iniciativa colaborativa, em que um depende do outro, que é o princípio, a ideia do código aberto, você tem um teto. Até porque os grandes projetos usam dos dois mundos: usam das plataformas que advêm de tecnologias proprietárias e usam de modelos de código aberto. Porque esse é o mundo, é assim que os grandes projetos se viabilizam. E está tudo bem com isso. Com IA, muito provavelmente é isso que vai acontecer. Mas não vamos nos iludir. Esses caras não vão derrubar uma OpenAI da vida, não vão derrubar o Google, que já tão ali muito bem consolidados.

A própria OpenAI entra no pacote com o mesmo princípio que eu mencionei aqui para os bancos digitais, para o Uber e afins. Ela chegou para ser um gigante e brigar com os gigantes, fazendo o que os gigantes fazem, criando uma espécie de monopólio, dominando uma parcela significativa do mercado. Não porque gostaria de romper com aquilo, não. Eu quero ser aquele cara. E aí, gigantes investiram e aportaram ali. Ou seja, o dinheiro, na verdade, saiu da mão esquerda e foi para a mão direita e vice-versa. Você não tem um novo player ali necessariamente competindo. Continuam as Big Techs ditando a regra do jogo com a OpenAI.

E aí, caberá aos reguladores entender em que momento você tem uma concorrência desleal, uma tentativa de monopólio e toda essa discussão que a gente já sabe. Talvez hoje a vida das Big Techs, sobretudo no mercado europeu, e é importante dizer, não nos Estados Unidos nem na Ásia, mas no meio do caminho, no mercado europeu, a gente tem uma vida mais difícil para as Big Techs, sobre esse aspecto de mercado e afins, porque o bloco europeu está muito mais atento a isso. Mas também é só lá e em algumas questões muito específicas. Vamos ver como isso caminha no segmento de Inteligência Artificial.

[André Miceli]

É isso, hora de virar a chave. Eu pergunto para o Rafa Coimbra: Rafa, no que você vai ficar de olho essa semana?

[Narradora]

O que mais você precisa saber?

[Rafael Coimbra]

Estou de olho, André, no novo paciente da Neuralink que recebeu um implante de chip cerebral. A gente vem acompanhando essa saga aí, mais uma do megaempresário Elon Musk, que está com esse projeto de implantar chips Wi-Fi no cérebro das pessoas. A empresa já tinha recebido ano passado autorização para fazer esse tipo de experimento com humanos. Teve um primeiro paciente que foi anunciado agora no início do ano, de 29 anos, ele que perdeu os movimentos dos braços e das pernas num acidente e foi feita uma transmissão pelo X, o antigo Twitter, mostrando ele jogando xadrez, movimentando o cursor na tela só com a força do pensamento. Depois, foi anunciado que esse primeiro paciente teve alguns problemas com o implante. Nada muito grave que colocasse a saúde dessa pessoa em risco, mas os eletrodos ali se retraíram. A empresa disse que corrigiu, fez um aprimoramento nos algoritmos e no aparelho. E agora foi anunciado, sem grandes informações, que um segundo paciente já está com esse chip.

Então, fica aí a curiosidade, a expectativa para a gente saber se essa pessoa está tendo bons resultados, se está passando bem e se o equipamento, obviamente, está funcionando.

E eu chamo atenção para o fato, já que a gente está aí no meio dos Jogos Olímpicos, porque o Elon Musk, num podcast logo depois desse anúncio, disse que espera que daqui a uns dois ou três anos, alguém usando esse dispositivo consiga vencer um jogador de jogos digitais, de games, só usando a força do pensamento. Ele acha que vai ter um aprimoramento tão rápido que vai ter um campeão de game por força do pensamento. Isso é interessante, chama atenção, é bem marqueteiro, mas a gente tem que lembrar que a empresa foi criada com o objetivo prioritário — isso dito pela própria Neuralink —de ajudar pessoas com lesões, com doenças graves, sobretudo dificuldades motoras.

Então, eu acho que falta um pouquinho mais de objetividade, seriedade e transparência. Eu estou falando aqui de informações que são dadas pela empresa, mas volta e meia cientistas reclamam dessa falta de acompanhamento, de entender os detalhes que estão acontecendo por trás desses experimentos. De vez em quando aparece algum representante ou um paciente, mas a gente precisa entender se realmente está dando certo. Porque dois pacientes com implante no mesmo ano parece pouco, mas para algo de tamanha complexidade, é algo muito interessante. E seria muito importante que a comunidade científica entendesse melhor e, obviamente, se pudesse participar de alguma forma para que outras pessoas que precisam de ajuda tenham esse tipo de apoio.

[André Miceli]

E você, Carlos Aros?

[Carlos Aros]

Eu estou de olho no anúncio que foi feito pelo Governo Federal do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial. Eu gosto que tudo aqui no Brasil tem uma pompa e circunstância danada, e no lançamento é tudo lindo. Aí, depois, a gente descobre como é que vai ser. Tem a promessa de compra de supercomputadores, tem a promessa, nesse pacote, do investimento de R$ 23 bilhões até 2028, ou seja, são quatro anos, contando já a partir de já. Existe a perspectiva de que o setor privado participe oferecendo contrapartidas para fazer soma nesse bolo de dinheiro que vai chegar, nesses R$ 23 bilhões. Mas o que é interessante é que, dentro do plano, o PBIA, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, estão enlencadas 31 ações com perspectivas de curto prazo de impacto para que tenham segmentos como Saúde, Educação, Meio Ambiente, Agronegócio, Indústria, Comércio e serviços, um pedaço focado em administração, gestão pública, modernização do estado e etc. Então, essas ações todas focadas em resultados de curto prazo em que haverá aplicações de Inteligência Artificial.

A frase da ministra Luciana Santos, da Tecnologia, no evento, foi de que o plano é “ousado e viável, robusto e factível”. É uma frase com muitos adjetivos. E aí, agora, o mercado e, sobretudo, na academia – que é quem esteve mais reticente com isso, inclusive, a Academia Brasileira de Ciências contribuiu ali com um paper enorme, há uns meses e tal, tudo isso agora começa a ser digerido pelo mercado para entender se de fato tem substância.

Por que eu sou um pouco cético com isso? Acho que o plano é importante, ele é um norte, é muito melhor um plano como esse do que uma legislação, porque ele mostra para onde o país quer caminhar, com possibilidade de erros e acertos. A legislação, de alguma maneira, pode acabar inviabilizando algumas questões que a gente nem sabe como explorar. Mas eu me preocupo só porque, por exemplo, o Brasil, se não me engano, aí no Rio de Janeiro, tem um supercomputador que deveria estar funcionando a pleno vapor, mas por questões que envolvem, por exemplo, energia, ele não funciona da maneira como deveria. Então, é muito complicado o encaminhamento da ciência aqui no Brasil. E aí, ter um volume tão grande assim, carregado na mão do estado, me deixa um pouco apreensivo.

Acho que talvez, se houvesse uma divisão, uma distribuição melhor, não com esse viés de contrapartidas, mas uma atuação mais efetiva das grandes empresas, que têm colaborado com isso, nós poderíamos ter algo um pouco mais auspicioso. Acho que precisamos ainda provar algumas questões antes de efetivamente ter certeza de que esse plano vai ser concretizado.

[André Miceli]

O Santos Dumont, que é o nosso supercomputador, fica em Petrópolis, lá no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

É isso, meus amigos. Está na hora. Antes da gente terminar, eu quero lembrar que este podcast é um oferecimento do SAS. Rafael Coimbra, grande abraço!

[Rafael Coimbra]

Grande abraço, André, Aros e a todos que nos ouvem. Lembrando que semana que vem estaremos no Rio Innovation Week. Se você estiver passando por aqui no Rio de Janeiro, vai lá dar um abraço na gente, conversar com a gente e trocar uma ideia sobre, principalmente, inovação. Até a semana que vem!

[André Miceli]

Carlos Aros, grande abraço!

[Carlos Aros]

Um grande abraço, André. Um abraço para o Rafael Coimbra, para quem nos acompanha. A gente se encontra aqui na semana que vem.

[André Miceli]

Semana que vem tem mais podcast da MIT Technology Review Brasil, com termos de biologia que você não ouvia desde a escola, além de, claro, tecnologia, negócios e sociedade. Um grande abraço a você que nos ouve. Tchau, tchau!

[Narradora]

Você ouviu o podcast da MIT Technology Review Brasil, apresentado por TEC Institute.

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