Em uma entrevista recente, a pesquisadora americana Amy Webb disse que, daqui a dez anos, vamos olhar para o metaverso da mesma maneira que olhamos hoje para a Internet. “Ninguém fala sobre a Internet, ela apenas existe”. Mas do que especificamente estamos falando? De um grande salto na imersão digital para todas as atividades rotineiras que realizamos. Estamos falando da desmaterialização completa do espaço físico, como definiu o empreendedor e especialista em tecnologias disruptivas Jon Radoff. Essa desmaterialização já ocorre, em parte, hoje. É que ela, por enquanto, está fragmentada. Mas vamos unir algumas peças.
Na indústria, grandes empresas já adotam os chamados “gêmeos digitais” para criar réplicas virtuais de máquinas e equipamentos e, assim, prever problemas, adaptar soluções, e direcionar a construção em tempo real. Os jogos são o exemplo mais destacado nas reflexões sobre o que será o metaverso, porque esta indústria vem impulsionando todas as novas formas de experiências digitais. Fomos às ruas para caçar Pokemón Go; a Blockchain já possibilita que sejamos recompensados por moedas digitais dependendo da nossa performance; o League of Legends vai faturar mais de um bilhão em 2020 e o Fortnite, ao criar todo um ecossistema de experiências ao redor dos jogos, já rendeu US$ 9 bilhões para a Epic somente em 2018 e 2019. Hoje, no século 21, temos uma população com 20 anos que já nasceu imersa na era da Internet.
Mas o metaverso também está relacionado ao futuro de avanço em produtividade colaborativa, em sistemas interativos de Inteligência Artificial (fones de ouvido inteligentes), na evolução dos wearables, na maior presença das redes sociais em nossa vida, nos avanços da ciência médica, na ascensão das moedas digitais na economia, na noção de capitalismo de vigilância (com sistemas de programação cognitivos ou o modelo chinês de monitoramento e crédito social de seus cidadãos), no aprimoramento da nanotecnologia, na explosão dos superapps e do consumo sob demanda (da Amazon ao Alibaba) e no significativo avanço da computação quântica.
Eu costumo dizer que este é o século da confluência de tecnologias. Onde modelos de negócios competitivos são aqueles já criados a partir do que foi construído digitalmente. O metaverso reunirá todos. Não tem porta de entrada e nem de saída porque não é um “lugar”. É o entorno. E será construído com várias camadas tecnológicas.
Fonte: Building the metaverse, Jon Radoff – The Metaverse Value-Chain.
- Infraestrutura técnica: tudo começa com a evolução do 5G (que finalmente se materializa no Brasil com os recentes leilões) e do 6G, passando por novos semicondutores, desenvolvimento da computação em nuvem e das redes de telecomunicações. É preciso de velocidade, processamento, armazenamento e rápida entrega de internet para construir um mundo em que fronteiras físicas e digitais quase desapareçam.
- Interface humana: na nova infra que está sendo criada, precisaremos de um hardware para acessar o metaverso. São fundamentais, portanto, o desenvolvimento de novos celulares e óculos de realidade aumentada, passando por dispositivos inteligentes até as tecnologias que levam nossa experiência sensorial, como o tato, para o digital ou se conectam ao nosso cérebro.
- Descentralização, para que tecnologias de várias frentes confluam em um único espaço. Aqui falo de todos os modelos de negócios que estão sendo construídos para criar um mundo sem intermediários, mais democrático e distribuído. Se coloco o metaverso inteiro na mão de duas ou três grandes empresas de tecnologia (BigTechs), elas dominarão grande parte da nossa experiência. O Facebook sabe disso e, não à toa, agora se chama Meta. E diz que agora quer transformar a experiência de suas plataformas.
- Computação espacial, ou seja, softwares que usaremos para desmaterializar objetos e interagir com eles, ao mesmo tempo, no mundo físico e no mundo virtual. Inclui motores 3D, tecnologias de VR e VA, de reconhecimento de gestos, mapeamento e computação espacial, com a Inteligência Artificial de apoio.
- Uma economia criadora, ou seja, que facilita a qualquer um construir e monetizar coisas para o metaverso: ferramentas de design, novas tecnologias e formas de vendas. O Gartner, aliás, prevê que até 2023 que 50% das empresas de médio porte usarão plataformas de “low code” (plataformas e sistemas que permitam que não desenvolvedores construam o que hoje só é possível com programação).
- A camada da descoberta é como as pessoas aprenderão que a nova experiência existe e é real — sem a realidade dividida entre mundo físico e virtual. É como conseguiremos chegar no exemplo da Amy Webb: vivendo, de fato, imersos. Viveremos o metaverso na hora de jogar, de exercitar, de trabalhar, de consumir e de relacionar com os outros. É quando chegaremos à camada da experiência ou “à desmaterialização” que Rahdif falou.
E quando chegaremos lá? Dependerá de alguns marcos. Da realidade virtual alcançar a definição do olho humano. Do nosso cérebro, aliado a alguma interface, acreditar que o que vê é real e passar a dar o mesmo valor sobre o que é o mundo físico e o mundo digital. Mas chegar lá exige mais rede (o 6G não deve bastar), um nível de computação altíssimo para renderizar nossos rostos, equipamentos melhor acoplados ao nosso corpo, e uma quantidade de dados que hoje talvez ainda não consigamos processar.
Um levantamento do Building the Metaverse indica que mais de 160 grandes empresas estão envolvidas na construção do metaverso. No fundo, elas estão envolvidas na construção de uma nova Internet. Há três décadas apenas, a gente estava começando a monetizar a Web. Vendendo anúncios em sites de buscas (eu, aliás, era um empreendedor ganhando dinheiro assim). E meu trabalho estava em mostrar às pessoas e empresas que existia um mundo com telas além da televisão. Depois, no banco Original, que esse mundo cabia no bolso (celular) e que sua carteira já não precisava ser física (o banco não era mais a agência física). O salto daqui para frente é completamente maior. Ao quebrar barreiras entre o físico e digital, os seres humanos poderão se satisfazer 100% do metaverso. Viver outro entorno. Inclusive esquecendo de que um dia alguém os pediu “para se conectarem” ou “se digitalizarem”. Já imaginou um mundo onde até a palavra “conectividade” deixaria de fazer sentido?
Este artigo foi produzido por Guga Stocco, membro do Conselho de Administração do Banco Original, Totvs, Vinci e Grupo Soma, fundador da Futurum Capital e colunista da MIT Technology Review Brasil.