As redes sociais já são parte da vida dos usuários da internet. O Data Reportal estimou, em maio de 2023, que o Instagram tem 1,6 bilhão de usuários; a Statista aponta que o Twitter tinha mais de 368 milhões de usuários em dezembro de 2022; o Social Shepherd avalia que 30,8 milhões de pessoas estão diariamente ativas no TikTok, considerando apenas os dispositivos que utilizam o sistema operacional iOS. Apesar do lado positivo vinculado à ascensão das redes sociais, que são as pessoas cada vez mais conectadas, o domínio das grandes empresas de tecnologia (as big techs) sobre essas plataformas é um dilema. Através da descentralização, impulsionada pela tecnologia blockchain, a Web3 oferece um caminho no qual as pessoas retomam o controle sobre suas vidas digitais.
Os dilemas das big techs
No cenário atual das redes sociais, as big techs agem como intermediárias. São as empresas de tecnologia que editam os algoritmos de suas plataformas, que, por sua vez, decidirão o que cada usuário receberá em seu feed. A elas também cabe o controle dos termos de uso e dos dados dos usuários. No bom e velho português, a big tech é dona da bola, do juiz, do campo e do estádio.
Embora este modelo funcione de forma eficaz, criando engajamento para usuários de todo mundo e embarcando mais pessoas nas redes sociais a cada ano, ele também apresenta seus pontos de dor.
No caso dos algoritmos, é impossível não comentar o episódio “Cambridge Analytica e Facebook”. Nos Estados Unidos, durante as eleições presidenciais de 2016, a companhia de análise de dados Cambridge Analytica, que coordenava a campanha de Donald Trump, obteve os dados de 87 milhões de usuários do Facebook. Esses dados foram usados para manipular feeds de usuários, favorecendo a candidatura de Trump.
Quanto ao controle dos termos de uso, é possível encontrar mais um problema: as plataformas podem banir qualquer usuário sem prestar justificativas. No dia 13 de maio, o youtuber Edilson Osório teve seu canal, EddieOz, banido do YouTube. Osório recebeu uma justificativa apenas quatro dias depois, quando seu canal foi restaurado. O YouTube afirmou que seu algoritmo de filtragem de conteúdo baniu o canal do youtuber por engano.
Já o controle dos dados, apesar do que fez o Facebook fornecendo dados à Cambridge Analytica, não se resume apenas na intervenção de feeds, mas denota que quem utiliza suas plataformas não tem controle sobre seus próprios dados.
Uma matéria do The New York Times, publicada em junho de 2019, estimava que os dados de cada estadunidense valiam US$ 240 anuais para as big techs. Um artigo do Entrepreneur indica que o Google, somente no primeiro trimestre de 2018, obteve US$ 31,2 bilhões em receita através de dados.
Há ainda o quesito de segurança. As empresas de tecnologia mantêm os dados de seus usuários armazenados de forma centralizada, criando um ponto único de falha que, se explorado, pode vazar informações sensíveis de milhões de pessoas. Em 2022, uma vulnerabilidade foi explorada em uma API do Twitter, culminando no vazamento dos dados de 5,4 milhões de usuários, segundo informações da Security Magazine.
Esses problemas não agradam os usuários. Uma pesquisa realizada pela empresa de tecnologia ConsenSys, e publicada em junho deste ano, aponta que 83% dos participantes acreditam que a privacidade de seus dados é importante. Além disso, 79% dos entrevistados querem ter mais controle sobre sua identidade na internet.
O que se forma não é um movimento de usuários contra as redes sociais, mas uma demanda pela melhoria de alguns aspectos dessas plataformas. As soluções para esses problemas podem estar a caminho através do desenvolvimento da Web3, que pode beneficiar as redes sociais já existentes, bem como aquelas que ainda surgirão.
Por que Web3?
A ideia da Web3 é criar uma versão descentralizada da internet, com foco nas comunidades. Nessa versão, usuários podem se identificar não pelo nome, mas por um endereço composto por letras e números aleatórios. Além disso, a descentralização permite que nenhuma entidade única esteja responsável pelo feed de notícias ou pela armazenagem de dados.
O uso de blockchain permite que as informações sejam registradas de forma imutável e irreversível, assegurando a resistência contra decisões arbitrárias de intermediários. Há ainda a ligação da Web3 com os criptoativos. Através de tokens, usuários podem ser recompensados por interações em redes sociais, ou até mesmo pelo fornecimento de informações.
Já nos seus pilares, a Web3 ataca diretamente as maiores oportunidades de melhorias do modelo atual da internet, que é também chamado de “Web2”. Apesar das limitações em infraestrutura, que serão devidamente abordadas mais adiante, a Web3 se propõe a resolver muitos dos problemas vistos na internet atualmente, inclusive as relações com as redes sociais.
Cases que exemplificam na prática
A SoulPrime é uma rede social construída com o ethos de Web3, e através dele pretende criar um ambiente mais seguro e descentralizado. A plataforma oferece uma ótima experiência aos seus usuários, ao utilizar a conhecida interface do Instagram.
Usando a tecnologia blockchain para incluir informações, a SoulPrime garante que os dados sejam encriptados. Isso faz com que os problemas comuns às redes sociais utilizadas atualmente, como venda de dados e controle do feed, não se repliquem.
Além disso, as contas dos usuários se mantêm protegidas, pois estas também são informações registradas na blockchain de forma imutável. Cada conta é um token não-fungível, ou NFT, na categoria SoulBound. Na prática, isso significa que a identidade do usuário é irrevogável e intransferível.
Outro ponto de dor que a rede social busca resolver é a dificuldade de monetização dos produtores de conteúdo. Em muitos casos, é preciso alcançar números irreais para que criadores de conteúdo em redes sociais consigam monetizar o que produzem.
Na SoulPrime, uma forma de resolver isso é comercializar artes em forma de NFTs dentro da plataforma. A solução, no entanto, não se resume a isso. Usuários são remunerados por anúncios que assistem e por interações que realizam dentro da rede social. A remuneração é paga em MBRL, um ativo digital que tem valor pareado ao real. Isso significa que uma unidade de MBRL equivale a um real.
Para facilitar ainda mais a experiência dos usuários, a conversão em real e saque pode ser feita através da corretora de criptoativos Mercado Bitcoin.
Twitter descentralizado
O Nostr é um projeto criado sobre uma solução de segunda camada do Bitcoin, chamada de Lightning Network. Abordando brevemente a questão técnica, segundas camadas são solução de escalabilidade criadas para reduzir a fricção nas blockchains de primeira camada, como Bitcoin e Ethereum. A forma como as segundas camadas reduzem a fricção é realizando a maior parte das transações.
E é nesse ecossistema que o Nostr foi pensado. Ele é um serviço de mensagens criptografadas e registradas na blockchain. Assim como no caso da SoulPrime, as informações incluídas na blockchain através do Nostr não podem ser apagadas.
As transmissões das publicações são feitas através de pontos mantidos por usuários da rede, chamados de relayers, o que aumenta o nível de personalização do Nostr. É possível, por exemplo, conectar-se apenas a relayers que transmitem informações do interesse do usuário. Essa personalização pode ser alavancada em diferentes cenários, desde ambientes corporativos até causas humanitárias.
Qualquer usuário pode utilizar a rede Nostr, bastando utilizar uma das quatro interfaces já disponíveis. Após obter uma das interfaces, basta inserir os endereços dos relayers de interesse, disponíveis em uma lista pública, conhecida como Nostr Watch, e iniciar interações semelhantes ao Twitter.
Rede de redes
O Lens Protocol tem atraído muito interesse no setor de redes sociais descentralizadas, mas não por se tratar de uma. O Lens é um protocolo para construção de redes sociais que permite a criação de um único perfil de usuário. Para sair, então, de uma rede social e interagir em outra, desde que seja dentro do ecossistema Lens, não é necessário criar um novo perfil. Assim como na SoulPrime, ele é um NFT.
A experiência do usuário dentro do ecossistema Lens se torna fluida, como acessar Twitter, Instagram, YouTube e TikTok com uma mesma conta. Além disso, a reputação do usuário é também mantida, sem passar por sistemas de verificação de diferentes plataformas, algo muito útil para produtores de conteúdo.
Os problemas
A Web3, na teoria, resolve muitos problemas do cenário atual de redes sociais. Assim como nos modelos atuais, entretanto, a nova era da internet também tem seus problemas, sobretudo limitações em infraestrutura que inviabilizam sua disseminação em larga escala. Os dois principais problemas identificados atualmente são a dificuldade em processar um alto volume de transações e a experiência do usuário pouco fluida.
Sobrecarga ainda é real
Dados da empresa de inteligência Zippia apontam que usuários do Instagram publicam, em média, 95 milhões de fotos por dia. Isso equivale a 65.972 publicações por minuto. Esse número considera apenas as publicações no feed, deixando de lado comentários, compartilhamentos e publicações nos stories. Para fins de interação, todas essas ações são consideradas.
No Twitter, usuários emitem 9.596 tweets por segundo, totalizando 829 milhões de tweets por dia, de acordo com a TrueList. Não é difícil concluir que as milhões de interações diárias em redes sociais requerem uma alta capacidade de processamento. Na indústria blockchain, no entanto, ainda não há uma rede capaz de processar tantas interações por segundo.
Embora algumas redes lançadas recentemente, como a Sui Network, defendam ser capazes de processar até 100 mil transações por segundo, isso nunca foi comprovado. E o pior: isso já foi prometido e não foi cumprido em casos anteriores. Por isso, a infraestrutura da Web3 ainda se mostra incapaz de abarcar todo o volume vindo das maiores redes sociais.
Assinaturas e aprovações
As interações entre as plataformas descentralizadas e as carteiras dos usuários ocorridas na Web3 demandam aprovações. Isso significa que, ao interagir com algo em uma aplicação da Web3, o usuário deve aprovar aquela interação. Para transações financeiras, como a compra de um token, esse tipo de aprovação é esperada.
É difícil imaginar, contudo, que uma dinâmica assim seria fluida no Instagram. Ao publicar algo nos stories, um pop-up se abre e pede uma confirmação; um comentário em uma publicação, antes de ser enviado, pede uma confirmação; uma reação nos stories de alguém; um compartilhamento; uma publicação no feed. Essa necessidade constante de parar e interagir com algo pode ser cansativa, tornando dificultosa a experiência do usuário.
Esse mecanismo foi criado para proteger os usuários da Web3, garantindo que um protocolo malicioso não consiga interagir sorrateiramente com a carteira e manipulando o conteúdo. Ele é, no entanto, uma faca de dois gumes.
Uma solução para esse problema já está muito encaminhada na blockchain Ethereum, chamada de Account Abstraction. Através dela, usuários podem listar interações que não precisariam de aprovação constante, tornando mais fluida a experiência na Web3. Essa solução, porém, ainda não está disponível.
Conclusão
Os modelos utilizados atualmente pelas maiores redes sociais funcionam de forma efetiva há anos, mas possuem problemas que precisam de solução. É muito louvável e de alta meritocracia o que essas plataformas e big techs construíram até então. Aumentando escala, conectando o mundo ponta a ponta, ampliando visões e como consequência levantando as oportunidades necessárias para evoluirmos esse modelo. A Web3, através de seus fundamentos, consegue lidar com estes problemas e atuar nas oportunidades.
Através da tecnologia de encriptação presente na blockchain, dados são resguardados, a privacidade do usuário é mantida e a censura é resistida. Embora seja uma ótima ideia na teoria, a prática ainda apresenta problemas de difícil solução.
A infraestrutura ainda é insuficiente para lidar com a alta carga de informações enviadas a cada segundo, e também para tornar a experiência do usuário fluida. Ambos os entraves, no entanto, já estão sendo endereçados e podem ser resolvidos. Mesmo diante dos desafios inerentes à sua infraestrutura, a Web3 ainda se mostra uma forte alternativa ao modelo atual da internet, que pode beneficiar tanto as novas redes sociais quanto aquelas já existentes. Por isso, a convivência, modelos híbridos e em especial, a adoção da blockchain pelos atuais atores, é boa solução para os dilemas apresentados. Além disso, o surgimento de novas plataformas ancoradas nessas tecnologias, é bem vindo e até inevitável.
Novamente aqui apresentamos a tecnologia blockchain como uma infraestrutura evolutiva, para segmentos além das finanças e economia. As possibilidades, casos de uso e seus impacto é algo que vai ser visto e sentido cada vez mais na vida das pessoas, empresas e sociedade em geral.