Blockchain além das criptomoedas: o futuro financeiro com o DREX, o Real Digital
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Blockchain além das criptomoedas: o futuro financeiro com o DREX, o Real Digital

Como a tokenização da moeda vai impactar o mercado e as transações brasileiras?

Previsto para ser lançado em 2024, o DREX, nome dado ao Real Digital, versão em blockchain da nossa moeda, será direcionado principalmente à programabilidade nas transações financeiras. Adicionalmente, a utilização da tecnologia blockchain facilitará e simplificará o registro e a negociação de ativos tokenizados. 

A Central Bank Digital Currency (CBDC) brasileira será diferente da de vários outros países.  Em vez de direcionar o foco para resolver problemas de pagamentos, como é comum em outras nações, o Brasil, de acordo com Fabrício Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin, já superou essa barreira de certa forma com a implementação do Pix. 

O Mercado Bitcoin é uma das empresas que participam do projeto piloto do DREX. E, como revelou Tota em entrevista à MIT Technology Review Brasil, o modelo proposto pelo Banco Central é o que eles chamam de “CBDC de atacado”. “A moeda é utilizada apenas pelas próprias instituições financeiras e instituições de pagamento. É somente no meio desses operadores do sistema financeiro que o DREX vai circular.” 

Por esse motivo, o Banco Central tem comparado o projeto a um “Pix dos serviços financeiros”, enfatizando que um sistema não substituirá o outro. Os pagamentos instantâneos continuarão existindo com Pix, mas o que se espera com a adoção da blockchain é que haja ainda mais facilidade em outras transações financeiras que não apenas as de pagamento. 

Programabilidade e agilidade: o que esperar do Real Digital 

Para entender o que o DREX proporcionará para o mercado, primeiro é necessário entender a tecnologia que serve de base para ele: a blockchain. Em essência, ela é uma estrutura de dados distribuída e descentralizada, que permite o registro seguro e transparente de transações em uma rede de computadores interconectados. As transações são agrupadas em blocos, que são vinculados sequencialmente por meio de algoritmos criptográficos, formando uma cadeia de blocos, daí o nome “blockchain”. 

Uma das principais características desse tipo de rede é sua imutabilidade. Uma vez que uma transação é registrada em um bloco e adicionada à cadeia, é praticamente impossível que ela seja alterada ou apagada sem o consenso da maioria dos participantes da rede. Esse atributo, aliado à criptografia avançada utilizada, assegura que as informações das transações sejam protegidas e resguardadas contra adulterações. “A tecnologia blockchain resolve o problema do gasto duplo, e portanto revoluciona a ideia da posse, da propriedade de um ativo digital”, explica Tota. “Ela proporciona a capacidade de gerenciar saldos, carteiras, realizar transações e fazer o acompanhamento disso ao longo do tempo, garantindo que não haverá nenhuma falha. O próprio design do sistema assegura essa confiabilidade.” 

Além disso, a natureza distribuída da blockchain impede que um único ponto de falha comprometa toda a rede. Cada nó possui uma cópia completa e atualizada do registro de transações, tornando-o resiliente a ataques e garantindo a continuidade das operações, mesmo em situações de falhas ou interrupções pontuais. 

Aplicada ao DREX, essa tecnologia desempenha um papel fundamental como a infraestrutura que sustentará a moeda. Portanto, em vez de depender de uma entidade centralizada, como um banco ou instituição financeira, a moeda operará em uma rede descentralizada de nós, garantindo a confiabilidade e a segurança das transações realizadas. 

No cotidiano das pessoas, Fabrício Tota destaca que a relação com o dinheiro não deve sofrer transformações drásticas, visto que o DREX será manipulado exclusivamente pelos players do sistema financeiro. Entretanto, a introdução do DREX como uma infraestrutura propiciará o desenvolvimento de uma gama inovadora de produtos financeiros. Essa inovação tem o poder de revolucionar a forma como ativos são negociados, garantias são administradas e o crédito é acessado. Esses novos serviços e vantagens, de fato, serão perceptíveis ao consumidor final, proporcionando melhorias em termos de acessibilidade, economia e abrangência. 

Em abril, o Banco Central apresentou durante o Lift Day 2023 alguns exemplos de casos de uso do DREX. Um deles é o desenvolvimento de um marketplace pelo Mercado Bitcoin para ativos tokenizados. A intenção é utilizar o DREX e sua infraestrutura para simplificar o processo de tokenização e também facilitar a negociação, reduzindo a quantidade de intermediários envolvidos nessas transações. O Mercado Bitcoin não apenas lidera o segmento de tokenização no Brasil, mas também figura entre as cinco principais entidades tokenizadoras globais. Até o momento, já emitiu mais de R$ 400 milhões através de mais de 100 ofertas diferenciadas de ativos tokenizados. 

Outro caso é da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que criou um projeto voltado para a liquidação imediata e automatizada de transferências, juntamente com pagamentos, em um único ambiente que opera em tempo integral. O foco inicial desse serviço é atender investidores institucionais. Durante os testes, debêntures foram utilizadas, mas o projeto tem a possibilidade de englobar outros tipos de ativos financeiros. 

Mas um dos principais usos da CBDC e, talvez, o que mais impactará uma parte da população, é como dinheiro programável. A programabilidade, possibilitada pela blockchain, torna possível que um determinado token seja destinado para fins específicos e rastreáveis.  

Um exemplo prático é o uso dessa moeda para pagamento de benefícios sociais de modo que o beneficiário que o recebe só possa utilizar o valor para o objetivo predeterminado. Por exemplo: um programa de assistência social com o objetivo de custear gás de cozinha poderia ser pago com a moeda digital e o cidadão não conseguiria usar o dinheiro para qualquer outra coisa que não fosse a compra do gás de cozinha. 

E esse provavelmente será um dos usos da moeda. No final de julho, a presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Rita Serrano, disse que não apenas os benefícios sociais, mas também os trabalhistas poderão ser pagos com soluções criadas a partir do DREX. 

Desafios de privacidade e operação 

Um dos principais desafios e preocupações relacionados à implementação do DREX está na questão de privacidade: implementar o sigilo bancário em uma rede que foi criada para ser aberta. Como visto, uma das bases da tecnologia é a transparência.  

A blockchain, em si, oferece uma solução eficiente para questões de segurança e confiabilidade na criação de uma moeda nativa digital. A integridade das transações é assegurada pela rede. Mas a transparência do sistema permite que os participantes tenham acesso às informações das transações, mesmo sem revelar informações sensíveis dos envolvidos. “Embora não seja correto dizer que é possível identificar a pessoa por trás de uma carteira (endereço), também não é correto afirmar que as transações são totalmente anônimas. Elas são pseudônimas, pois podem ser rastreadas em certa medida”, explica Fabrício Tota. 

Portanto, o desafio consiste em encontrar uma solução que garanta a privacidade no projeto, ao mesmo tempo em que esteja em conformidade com as regulamentações atuais sobre privacidade, proteção de dados, com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e o sigilo bancário. Tudo isso deve ser alcançado sem abrir mão dos benefícios e funcionalidades programáveis do dinheiro. “Existem soluções, mas não há uma solução única e consagrada”, destaca o diretor do MB.  

Outro ponto de destaque é que o potencial de desmaterialização de ativos e a utilização de smart contracts levarão à desintermediação de algumas atividades financeiras. Isso representa um desafio para instituições e intermediários tradicionais, que podem enfrentar resistência à sua relevância no novo cenário. A adaptação a esse novo modelo e a criação de novos serviços serão fundamentais para a sobrevivência no mercado. 

Criptomoeda e CBDC 

Embora ambas sejam baseadas na tecnologia blockchain, criptomoedas e CBDCs não são a mesma coisa. A diferença mais significativa está na emissão e no controle dessas moedas. Enquanto ativos como o Bitcoin são descentralizados e não controlados por uma entidade governamental, as CBDCs são emitidas e reguladas pelos bancos centrais. Os governos podem controlar a quantidade de CBDCs em circulação e implementar políticas monetárias para combater a inflação ou a deflação, por exemplo.  

Outra distinção está na blockchain utilizada. As criptomoedas operam em redes de blockchain públicas, onde as transações são verificadas por mineradores independentes. Já as CBDCs tendem a usar blockchains privadas, onde a governança pode ser mantida pelo próprio banco central e outros entes autorizados, por exemplo. 

É importante salientar que o Brasil se sobressai no emprego da tecnologia blockchain. Segundo uma pesquisa recente da CoinJournal, o país ocupa a sexta posição no ranking de nações com o maior número de proprietários de criptomoedas, com cerca de 7% dos brasileiros já possuindo algum tipo de criptoativo. No entanto, se o problema do gasto duplo já estava solucionado com as criptomoedas, por que então a necessidade de criar as CBDCs?  

Uma das razões é a necessidade de inovar e se adaptar às mudanças no sistema financeiro. Com o avanço da tecnologia blockchain e das criptomoedas, os governos perceberam a importância de se manterem atualizados e competitivos nesse cenário. Ao lançar uma CBDC, se busca também modernizar as infraestruturas financeiras da administração pública, tornando-as mais ágeis, eficientes e seguras. E potencialmente compatíveis com o futuro que está sendo construído no universo cripto. 

É claro que a troca financeira digital não é uma novidade. Mas, como destaca Fabrício Tota, uma boa parte do sistema financeiro que conhecemos hoje foi pensado para o meio físico e apenas se adaptou ao digital. Um bom exemplo disso são os cartões de crédito, que até pouco tempo atrás vinham com seus números impressos em relevo. Esses números, inicialmente, serviam para que se registrassem as transações num boleto com papel carbonado.  

“O cartão foi um produto criado para funcionar no mundo físico, o que a gente fez foi dar um jeito de fazê-lo funcionar no digital, mas ele não é nativo digitalmente”, diz o executivo. Embora a transição para o digital tenha facilitado e melhorado muitas transações, ela também manteve uma certa complexidade nos processos. “Com a blockchain e os ativos que nascem digitais, de alguma forma, não precisamos mais de uma série de outros participantes dessa cadeia para garantir o funcionamento dela”, diz o Tota. 

Outra vantagem significativa da implementação de uma CBDC é a eficiência nas transações financeiras. As operações podem ser processadas de forma mais rápida e com menores custos em comparação com os sistemas tradicionais. Os smart contracts (contratos inteligentes) permitem a automatização de acordos, tornando as transações mais rápidas. 

A CBDC, assim como a tokenização, pode ainda promover a inclusão financeira, pois permite o acesso a serviços bancários e pagamentos digitais a uma parcela da população que não possui acesso a sistemas financeiros tradicionais. Isso pode impulsionar o desenvolvimento econômico e aumentar a participação dos cidadãos na economia formal. É claro que essa questão passa também pelas barreiras de internet e educação financeira, mas são desafios que igualmente não são superados pelo sistema tradicional. O Brasil, dotado de vasta rede de telefonia móvel, alta penetração de smartphones e um sistema financeiro avançado, está bem posicionado para se beneficiar grandemente da evolução e adoção das tecnologias blockchain. 

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