Atenção à saúde em primeiro lugar
Biotech and Health

Atenção à saúde em primeiro lugar

A priorização da atenção básica e da coordenação de informações para aprimorar o cuidado é um dos principais desafios do sistema de saúde. Foco no paciente, uso de dados e atuação conjunta fazem parte do caminho.

Cuidar é o mesmo que preservar, guardar, conservar, apoiar, tomar conta; é o ato de ajudar, tentar promover o bem-estar, evitar males. Embora simples, é primordial que esse significado seja recordado antes de se iniciar uma discussão mais pragmática sobre a importância da Atenção Primária de Saúde (APS) e de uma de suas etapas mais estratégicas, que é a coordenação do cuidado tanto no sistema de saúde público quanto no privado. 

Nesse caminho, é bom relembrar também que já se passaram quatro anos da assinatura da Declaração de Astana pelos países membros da Organização Mundial da Saúde (OMS). O documento, resultante da Conferência Global de Atenção Primária de Saúde de 2018, estabeleceu como meta o fortalecimento global dos sistemas de saúde primários como um passo essencial para se alcançar a cobertura universal. 

Astana reafirmou a Declaração de Alma-Ata, datada de 1978, quando foi estabelecido pela primeira vez um debate sobre o tema que gerou princípios para os cuidados básicos de saúde. Uma reafirmação necessária, uma vez que os quarenta anos que separaram uma declaração da outra permitiram avanços, mas não eliminaram as desigualdades no acesso aos serviços essenciais. 

Existe a consciência, entre representantes da área da saúde, de que não é desejado esperar mais quarenta anos para que esse tema evolua como previsto. É preciso acelerar e muito as iniciativas nesse sentido. E a boa notícia é que as operadoras de planos de saúde, assim como o Sistema Único de Saúde (SUS), estão se juntando nessa empreitada, valorizando mais a atenção básica com uma nova mentalidade de bem-estar do paciente e das empresas. 

Saúde de bilhões  

Para se ter uma ideia global do que está em jogo, é possível resgatar alguns números divulgados sobre o tema pela OMS, no encontro de 2018. Na época, a entidade revelou que 1% dos países precisariam aumentar os gastos com cuidados primários de saúde em 1% de seu Produto Interno Bruto (PIB); que investimentos anuais de US$ 200 bilhões poderiam salvar cerca de 60 milhões de vidas; e foi feito ainda um alerta de que até 2030 haverá um déficit de mais de 18 milhões de profissionais de saúde nessa área. 

Foco na pessoa, pensando coletivo  

Os atributos universais da APS são abrangentes, mas com especificidades bem delineadas, como cuidar da saúde da pessoa e não focar exclusivamente somente no tratamento da doença. Esse é um ponto de grande importância, capaz de determinar o presente e futuro da saúde suplementar. 

No Brasil, essa preocupação vem acompanhando os gestores da saúde suplementar e pública dedicados a combater a fragmentação do atendimento que, no geral, gera esforços desnecessários, desperdício de dinheiro e prejudica a satisfação do cliente. 

Como argumenta Eugênio Vilaça, um dos maiores autores sobre o tema, há uma carência estrutural no sistema de saúde brasileiro. Temos múltiplos pontos de assistência que não falam entre si e não permitem, por exemplo, que compreendamos efetivamente a necessidade de saúde da população e a condição das pessoas. 

De acordo com informações do Ministério da Saúde, 85% dos problemas de saúde podem ser resolvidos sem a necessidade de procurar um serviço de emergência, ou seja, com atenção primária. Mas, culturalmente, as pessoas vão a um pronto-socorro quando não se sentem bem. E a elas pouco é oferecido para evitar essa trajetória. 

Saúde em larga escala 

Vários estudos abordam esse cenário. Um deles, realizado pela FGVSaúde a pedido do Instituto de Estudos da Saúde Complementar (IESS), indica que a sobrecarga no sistema de saúde somada à pressão nas despesas com assistência colocou mais luz na atenção básica, já que é ela que permite melhor acompanhamento do paciente e controle de custos. 

Esse controle passa por redução de desperdícios, como a realização de exames e procedimentos desnecessários. De acordo com o estudo, a atenção básica permite organizar os cuidados em saúde, favorecendo uma maior adesão ao tratamento, um cuidado mais racional e melhores resultados clínicos. 

Para a saúde primária ganhar escala, o levantamento traz algumas sugestões importantes de serem observadas: a busca ativa dos pacientes; a educação em saúde, desde a liderança até o cidadão; incentivo à formação de médicos e corpo clínico, como profissionais de família e agentes comunitários; incentivos financeiros; e mudanças na estratégia dos gestores de saúde. 

Apesar de conquistar adeptos nos últimos anos, sabemos que não se trata de uma etapa fácil de ser vencida na área da saúde suplementar. Ela avançará à medida que os gestores ganharem confiança no processo, entendendo que se trata de um modelo que ajuda a orientar a assistência e organiza a estratégia de atendimento das empresas. 

Em especial no campo dos planos de saúde, receios como o de realizar investimentos para um beneficiário que amanhã pode trocar seu convênio não podem ter lugar quando tentamos seguir adiante com uma nova forma de atendimento para buscar eficácia. É preciso confiar no sistema proposto. 

Saúde digital 

A troca de informações entre os profissionais de saúde que atendem a um paciente, tanto da assistência básica quanto nos outros níveis, é essencial para o fortalecimento de uma lógica focada na prevenção. Mas sabemos que em uma época de transformação digital da sociedade esse processo também não pode ficar restrito a poucos, mesmo porque quanto menor o alcance das informações menos dados relevantes serão extraídos para que se tenha sucesso. 

A tecnologia entra nessa área como uma grande aliada para que o setor não fique limitado a microações. Para além do teleatendimento, um recurso bastante usado na pandemia da Covid-19 e que mostrou o seu valor, entramos em outras searas, como o uso do prontuário único, uma ferramenta com a qual muitos avanços podem ser obtidos à sociedade como um todo. 

O mundo digital oferece uma série de soluções que permitem que esses dados sejam compartilhados e para que, nesse processo, a privacidade do paciente seja preservada. Inteligência Artificial e Big Data, por exemplo, são hoje nomenclaturas conhecidas da saúde, mas precisam ser estendidas para a atenção primária. 

Soma de esforços 

A boa notícia é que a atenção básica e a coordenação do cuidado já conquistaram alguns corações e mentes no nosso setor. Há iniciativas importantes em andamento, com resultados positivos para todos os envolvidos. Em comum, existe a disposição de levar o paciente para o centro de atenção, de buscar indicadores efetivos de resultados e, de quebra, ainda reduzir a judicialização (assunto que rende ao menos um artigo inteiro). 

A Transformação Digital é essencial, mas a transformação nas relações pessoais e clínicas vêm primeiro. Vencida essa fase, é iniciado um processo de discussões técnicas para garantir a interoperabilidade de sistemas digitais; de questões jurídicas, para atender aos requisitos estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados; ou mesmo de questões econômicas, para a avaliação dos custos e benefícios da nova forma organizacional. 

Será possível presenciar o crescimento ainda mais acelerado de healthtechs, que trazem novas propostas para todos os envolvidos e geram um número enorme de informações. Esses dados são importantes e também precisarão ser compartilhados, já que de forma isolada não terão a mesma relevância. 

O caminho é cheio de desafios, não há dúvidas. Mas certamente é possível alcançar um estágio melhor para todos, desde que exista uma atuação harmônica em prol desse objetivo. E isso significa, realmente, atuar juntos. As soluções terão de ser coletivas, elaboradas em conjunto, em ambientes que permitam o diálogo mesmo entre opositores. 

Somente assim os integrantes do setor deixarão o cenário inóspito de “silos”, em que não se comunicam para um horizonte mais aberto, com capilaridade e eficiência. Dar a devida importância para a assistência básica e para a coordenação do cuidado de forma estrutural é o primeiro passo, mas a largada precisa da cooperação e do entendimento coletivo. Afinal, o cuidado é comum a todos. 

__________________________________________

Este artigo foi produzido por Carlito Marques, Presidente da Universidade Corporativa Abramge (UCA).

Último vídeo

Nossos tópicos