As negociações sobre o clima em Glasgow serão insuficientes. Aqui estão outras maneiras de acelerar o progresso
Natureza e espaço

As negociações sobre o clima em Glasgow serão insuficientes. Aqui estão outras maneiras de acelerar o progresso

A conferência da ONU ainda desempenha um papel importante, mas precisamos adotar outros modelos para reduzir a poluição dos gases de efeito estufa em todo o mundo.

Milhares de representantes se reuniram em Glasgow, Escócia, no dia 31 de outubro, para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), onde passaram duas semanas discutindo sobre uma longa lista de pontos de ação que levam a uma única pergunta: Com que rapidez o mundo agirá para evitar um aquecimento catastrófico neste século?

Se a história nos serve de exemplo, não será rápido o suficiente.

Após 25 dessas cúpulas nas últimas três décadas, as emissões globais de gases do efeito estufa continuaram a aumentar, exceto por algumas quedas durante as crises econômicas. Prevê-se que a poluição climática voltará a aumentar drasticamente em 2021, quase atingindo os níveis máximos de 2019, conforme a economia se recupera da pandemia.

Seis anos após a adoção do histórico Acordo de Paris (França), os países não se comprometeram com as políticas necessárias para reduzir as emissões e muito menos procuraram implantá-las para atingir a meta acordada: prevenir 2˚C de aquecimento global neste século, enquanto tentam limitar o aumento a 1,5 ˚C. E os países ricos ainda estão devendo dezenas de bilhões de dólares dos US $ 100 bilhões em financiamento anual que concordaram em fornecer para ajudar os países em desenvolvimento a combater as mudanças climáticas.

Se os países não fizerem mais do que cumprir as promessas vagas que fizeram para 2030 sob o Acordo, o planeta provavelmente esquentará em torno de 2,7˚C neste século, segundo o “Relatório sobre a Lacuna de Emissões de 2021” do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, divulgado em outubro deste ano. Se tudo o que fizerem for cumprir as políticas climáticas domésticas já em vigor, os aumentos de temperatura podem ultrapassar os 3˚C.

Em um mundo 3˚C mais quente é bem provável que os recifes de coral desapareçam, as camadas de gelo comecem a colapsar, secas de cem anos ocorrerão a cada poucos anos em vastas extensões do globo e o aumento do nível do mar pode forçar centenas de milhões de pessoas a se mudarem, de acordo com vários estudos.

“Se o objetivo é manter um clima seguro e habitável para a maioria da população mundial, a nota é 0”, diz Jessica Green, professora associada de ciência política da Universidade de Toronto (Canadá) que se concentra na governança climática. “Não alcançamos o marco; não estamos nem perto”.

Dados os cálculos de curto prazo da geopolítica, que são dominados por considerações de força política, vantagem internacional e crescimento doméstico, a falta de progresso não é terrivelmente surpreendente.

Todo tratado que envolva quase todas as nações do mundo, desde o Protocolo de Kyoto ao Acordo de Paris, tem que ser diluído a ponto de simplesmente não exigir muito. Segundo o Acordo de Paris de 2015, as metas de emissões são autodeterminadas, voluntárias e não obrigatórias. Não há penalidade real por deixar de estabelecer metas ambiciosas ou de alcançá-las, além da desaprovação internacional.

Os líderes nacionais e seus compatriotas estão sendo solicitados a pagar agora voluntariamente por benefícios que em grande parte se acumularão décadas depois, mas não serão gerados de forma alguma se outras nações não cumprirem seus compromissos. Os acordos climáticos também pedem aos países pobres que produziram pequenas frações das emissões geradas pelos ricos para conter seu crescimento e restringir o acesso de seus cidadãos à energia e a uma maior qualidade de vida, com apenas vagas e inexplicáveis promessas de ajuda.

Enquanto os líderes e negociadores se reúnem em Glasgow, muitos analistas mantêm a esperança de que o mundo recupere o ímpeto e a fé no Acordo de Paris. Mas, ao mesmo tempo, há uma crescente corrente de pensamento de que a estrutura internacional frouxa nunca levará a grandes reduções de emissões e pode até mesmo desviar a atenção de outros modelos que poderiam ser mais eficientes.

Em breve saberemos quem está certo. Como o secretário do clima dos EUA, John Kerry, disse recentemente à BBC, a conferência da ONU é a “última e melhor esperança para o mundo agir em conjunto”.

Progresso limitado

Com certeza, o mundo obteve algum progresso na mudança climática, à medida que mais nações abandonaram o carvão, adotaram energias renováveis e veículos elétricos cada vez mais competitivos. As emissões globais parecem ser pelo menos niveladas, o que poderia nos permitir evitar os piores cenários de aquecimento de alguns anos atrás, de cerca de 4 ˚C ou mais.

Mas os países precisam fazer um progresso muito mais rápido a partir deste ponto para evitar resultados ainda considerados extremamente perigosos. A conferência será um teste revelador de determinação internacional, porque a maioria das nações deve elevar seus compromissos com Paris pela primeira vez este ano.

Em abril, o presidente Biden aumentou a meta dos EUA, de 26% para 28% abaixo dos níveis de 2005 até 2025 para uma redução de 50% a 52% até 2030. Da mesma forma, neste verão, as nações da União Europeia (UE) aprovaram formalmente a Lei Europeia do Clima, criando um requisito vinculativo de que os membros reduzam as emissões em 55% até 2030, com o objetivo de se tornarem “climaticamente neutros” até 2050.

Ao todo, quase 90 países mais a UE apresentaram novas metas para 2030 como parte do processo da ONU em meados de setembro, de acordo com o Climate Action Tracker, um grupo de pesquisa científica independente. Mais de 70 nações, no entanto, ainda não haviam feito isso.

Enquanto isso, Vladimir Putin, presidente da Rússia, prometeu alcançar a neutralidade de carbono até 2060, juntando-se a uma lista de agora mais de 100 países que se comprometeram a zerar as emissões de, pelo menos, o gás de efeito estufa primário por volta da metade do século. A China, que já havia se comprometido a atingir a mesma meta de 2060, anunciou recentemente que o país vai parar de construir usinas de carvão no exterior e reiterou seu plano para atingir o pico de emissões de dióxido de carbono até 2030. Em outubro de 2021, a Arábia Saudita anunciou planos para atingir emissões nulas líquidas até 2060 e plantar 450 milhões de árvores nos próximos nove anos.

Mas Kelly Sims Gallagher, diretora do Laboratório de Políticas Climáticas da Escola Fletcher de Tuft (EUA), disse que as metas da metade do século podem servir como “uma distração da ação de curto prazo”. Ela também enfatizou que as nações não estão fazendo o suficiente para implementar políticas internas que forneçam um caminho confiável para cumprir suas promessas para 2030.

No início do mês de outubro, a Agência Internacional de Energia destacou as lacunas entre as políticas climáticas nacionais, promessas de Glasgow, e o que ainda é necessário para zerar as emissões até meados do século.

[Emissões globais de CO2 por cenários, 2000-2050
World Energy Outlook 2021
Desde Paris 2015
Promessas de Glasgow
Lacuna de ambição
Linha de Base Pré-Paris
Políticas Declaradas
Promessa Anunciada
Emissões nulas líquidas até 2050
Agência Internacional de Energia]

Na verdade, é difícil ver como os EUA cumprirão sua meta de 50% depois que uma medida-chave para reduzir as emissões do setor de energia foi supostamente removida do projeto de lei orçamentária. Uma análise publicada em outubro de 2021, liderada por pesquisadores de energia em Princeton e Dartmouth (ambas nos EUA), descobriu que se todas as outras políticas climáticas no orçamento e projetos de infraestrutura pendentes forem aprovadas, o país ainda ficará abaixo da meta por aproximadamente 350 milhões de toneladas.

Essas deficiências reduzirão a influência de Kerry nas próximas negociações, tornando mais difícil de argumentar que outras nações devem intensificar suas promessas ou políticas climáticas.

Enquanto isso, os compromissos de 2030, anunciados antes do evento, ainda não chegam nem perto do que é necessário. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente estima que as nações precisarão eliminar outros 28 bilhões de toneladas de poluição de dióxido de carbono nos próximos nove anos para manter o aquecimento em 1,5 ˚C neste século, ou 13 bilhões de toneladas para limitá-lo a 2 ˚C.

“Não quero rejeitar categoricamente o [processo da ONU] e ser precipitada, mas é hora de ser realista sobre o que pode e o que não pode ser feito.”, diz Green.

Por que não está funcionando?

O problema fundamental é que a mudança climática é um problema extremamente complexo e caro de resolver e, na maior parte, os acordos internacionais não conseguiram abordar os desafios econômicos e políticos internos subjacentes, argumentam os estudiosos.

O combate à emergência climática exige repensar quase todos os aspectos de como o mundo gera energia, produz alimentos, fabrica produtos e os transporta ao redor do mundo, junto ao deslocamento de pessoas. Exige o fechamento ou reforma de trilhões de dólares em unidades, fábricas, máquinas e veículos que, de outra forma, continuariam operando lucrativamente por décadas.

Portanto, apesar dos custos decrescentes das energias renováveis, baterias e veículos elétricos, a rápida mudança para fontes de carbono zero ainda impõe custos gigantescos às nações e às empresas, sejam quais forem os eventuais retornos da criação de novas indústrias e da redução dos riscos da mudança climática acelerada. E cria riscos existenciais para poderosas indústrias emissoras.

Em um ensaio recente na Foreign Affairs, o economista de Yale William Nordhaus argumenta que as décadas de negociações internacionais sobre o clima fracassaram por três razões principais: Primeiro, a maior parte do mundo não impôs nenhum custo real à poluição climática. Em segundo lugar, não estamos investindo o suficiente para impulsionar a inovação em tecnologias mais limpas. E terceiro, os acordos da ONU não resolveram o que é conhecido como o problema da “carona”. Basicamente, a maioria das nações colherá os mesmos benefícios da ação global para reduzir as emissões, contribuindo ou não de forma significativa para o esforço. Então, por que eles se incomodariam?

Os cortes de emissões não acontecerão na velocidade e escala exigidas até que as nações, pactos comerciais ou tratados criem incentivos, penalidades ou mandatos que sejam generosos ou rigorosos o suficiente para realizá-los. E há poucos sinais de que a maioria dos países concordará repentinamente com pedidos significativos de mudança como os apresentados em Glasgow.

Inovação

De que outra forma o mundo pode acelerar o progresso internacional na mudança climática?

Apesar de enfatizar que a conferência da ONU é “um grande negócio”, Varun Sivaram, um conselheiro sênior de Kerry, disse que o papel mais importante que os EUA podem desempenhar na redução das emissões além de suas fronteiras é no desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono melhores e mais baratas.

Ao financiar pesadamente os esforços de pesquisa e desenvolvimento, os EUA tornarão mais fácil e politicamente mais viável a descarbonização de outras nações, disse ele durante uma conversa na conferência EmTech da MIT Technology Review americana no final do mês de setembro. Isso será particularmente verdadeiro para as economias emergentes, que serão responsáveis pela maior parte do crescimento das emissões nos próximos anos.

“A ferramenta número um que os Estados Unidos possuem para acelerar a transição energética em todo o mundo é a inovação”, disse ele.

Outros enfatizam a importância e os potenciais efeitos colaterais dos esforços locais.

Em um ensaio no final do ano passado na Boston Review, Charles Sabel da Columbia Law School (EUA) e David Victor da University of California, San Diego (EUA), destacaram a necessidade e os primeiros sucessos do que eles descrevem como “governança experimentalista”.

Nesse modelo, instituições menores que não precisam atingir um consenso global, como estados ou agências regulatórias específicas do setor, podem definir padrões estritos e obrigatórios que trazem mudanças mais amplas em setores poluentes específicos. Eles também são capazes de adaptar suas táticas ao longo do tempo com base nos resultados.

A esperança é que uma variedade de governos ou reguladores tentando uma variedade de abordagens possam fornecer lições críticas sobre o que funciona e o que não funciona, e impulsionar um processo que torne mais barato e fácil para outras áreas promulgar políticas de redução de emissões e adotar tecnologias mais limpas.

Os turistas caminham por sacos de areia nas Maldivas, uma nação de ilhas baixas onde o litoral foi extremamente afetado pela erosão à medida que o nível do oceano sobe. / ALLISON JOYCE / GETTY IMAGES

O artigo aponta para as regras rígidas e em evolução da Califórnia sobre poluição do ar pelos veículos e emissões de carbono. As regulamentações do estado obrigaram a indústria automobilística, que não quer produzir modelos diferentes para mercados diferentes, a descobrir maneiras de produzir veículos cada vez mais econômicos. Eles também ajudaram a acelerar o desenvolvimento de veículos elétricos, argumentam os autores.

Outro exemplo são as políticas agressivas de energia renovável da Alemanha e os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que ajudaram a criar um mercado inicial para painéis solares enquanto reduziam os custos para o resto do mundo.

Victor diz que o Acordo de Paris desempenha um papel: ele coloca alguma pressão sobre empresas e governos e serve como uma espécie de bússola que guia o mundo em direção a “metas que não são alcançáveis”, mas que estão no caminho certo.

Mas, como ele e Sabel argumentaram no ensaio, seu papel é “consideravelmente menor” do que os proponentes acreditam.

“E se … a única maneira prática de chegar a uma solução global viável fosse encorajar e montar soluções parciais?” eles escreveram. “E se a melhor maneira de construir um consenso eficaz não for perguntar quem se comprometerá a alcançar certos resultados, não importa o quê, mas convidando as partes a começarem a resolver problemas em muitas escalas diferentes?”

Clubes climáticos

Há também uma crença crescente de que grupos menores de governos ou instituições precisam promulgar regras ou criar blocos comerciais que obriguem a ação climática por meio de benefícios claros ou penalidades severas.

Victor, Nordhaus e outros argumentaram sobre a importância dos mercados, conhecidos como “clubes climáticos”, que são inicialmente pequenos o suficiente para definir regras mais rígidas, mas incluem incentivos que podem atrair mais membros e encorajá-los a se comprometer com metas cada vez mais agressivas.

Essa abordagem pode assumir uma variedade de formas, incluindo mercados regionais de carbono, pactos comerciais entre algumas nações com compromissos comuns de emissões ou programas conjuntos para buscar inovação tecnológica em áreas-chave.

Um exemplo é o conjunto cada vez mais rígido de regras climáticas na União Europeia. Além de estabelecer uma meta obrigatória de redução de emissões entre os países membros, a Comissão Europeia está tomando medidas para aumentar o custo da poluição de carbono, reduzir as permissões de carbono gratuitas para setores industriais como cimento, e aço e estabelecer um imposto de fronteira de carbono que imporia taxas em produtos de países ou empresas que são mais poluidores.

Combinados com políticas climáticas mais rígidas, financiamento de P&D e acordos de compra apoiados pelo governo em certas nações europeias, essas regulamentações estão começando a produzir mudanças reais, e relativamente rápidas, na indústria pesada na Europa. Esse progresso inclui uma variedade crescente de projetos de hidrogênio verde e aço verde.

Uma característica crucial de qualquer clube climático é que ele é atraente o suficiente para atrair mais sócios ao longo do tempo, disse Nordhaus em um e-mail. O principal incentivo é o potencial de outras nações e suas empresas venderem seus produtos no mercado em condições semelhantes. Isso deve incentivar outros países ou empresas estrangeiras a adotar os padrões exigidos para a admissão, quer isso signifique um preço de carbono comum ou ambições políticas relativamente semelhantes.

Obstrucionismo

Existem alguns desafios óbvios envolvidos nesta abordagem.

É demorada: desenvolver um pacto comercial complexo, ainda mais quando pensamos em mais de um, pode facilmente levar anos, e o mundo precisa reduzir as emissões o mais rápido possível. Você pode criar uma infinidade de conjuntos de regras conflitantes que são difíceis de combinar entre si. Isso significa que, embora alguns grupos de países estejam fazendo muito, outros podem estar fazendo quase nada. Isso poderia criar alianças comerciais cada vez mais fragmentadas em todo o mundo, com blocos de “bons” e “maus” atores climáticos que negociam principalmente entre si.

Esses pactos podem aprofundar as divisões internacionais e até aumentar as hostilidades que podem se manifestar de outras maneiras potencialmente perigosas.

Também há questões claras de equidade global ao exigir que as nações pobres, que não emitiram tanto historicamente e não podem se dar ao luxo de descarbonizar tão rapidamente, sejam mantidas com os mesmos padrões que as mais ricas ou sujeitas a impostos de fronteira de carbono que ameaçam desacelerar seu crescimento econômico.

Green, da Universidade de Toronto, diz que há um problema mais básico para impedir o progresso do clima: o obstrucionismo de indústrias com muito dinheiro e politicamente influentes que lucram com a poluição da atmosfera. Essas empresas têm muito poder político, ela argumenta, o que impedirá que as coisas mudem se a situação continuar assim.

Antes que as nações possam aumentar suas promessas internacionais, pelo menos de maneiras confiáveis, elas devem superar esses obstáculos construindo coalizões grandes o suficiente para aprovar leis ou regulamentações agressivas.

Nada disso é especialmente rápido, fácil ou garantido. A dura verdade é que é quase certo que o planeta passará de 1,5 ˚C e muito provavelmente 2 ˚C neste século, não importa o que aconteça em Glasgow.

Mas cada décimo de grau adicional significa efeitos cada vez mais devastadores da mudança climática. Isso por si só deve fornecer todos os incentivos necessários para que aqueles que se reúnem na conferência façam pressão por qualquer progresso que possam assegurar, e para os estados, nações e outras instituições encontrarem outras maneiras de avançar também.

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